Recebi, ontem, um e-mail com uma história com o título acima. A história era de um professor de Física, de Porto Alegre que, segundo o texto, em junho de 2011 teve um “confronto” com uma aluna “turista” que não dava atenção à sua aula e ainda atendeu o celular durante a mesma. Repreendida pelo professor foi para casa e, poucas horas depois, sua mãe registrou BO contra o professor alegando que ele constrangera a sua filha adolescente.
O professor sentiu-se aviltado (eu também me senti incomodado) e, ainda segundo o texto, diz que vai deixar a profissão.
Não costumo dar muito crédito a essas notícias que se divulgam pela internet sem fonte bem definida. Temo que seja algum sensacionalismo barato, mas, no caso, a história perece fazer sentido e me atrevo a tecer algumas considerações a respeito.
Primeiramente devo dizer que é lamentável que em pleno século XXI ainda encontremos famílias como a dessa moça, sem nenhum princípio ético a nortear a sua vida. Parece que o princípio que norteia a sua vida é o desejo de aviltar, tripudiar. São pessoas carentes de afeto, de atenção, de autoestima e de educação.
São pessoas que vivem no século XXI, mas ainda não se apropriaram do espírito do século: compreensão, tolerância, respeito, cidadania. O que não é de estranhar muito. O século XX foi chamado de “o século das luzes”, uma referência ao avanço da ciência, avanço do conhecimento. Apesar disso, muitos passaram toda a existência vivendo literalmente na escuridão: sem estudar, sem gostar de ler, sem tomar vacinas e sem energia elétrica na casa. A sociedade é assim: uns vivem o espírito do século e outros nem sequer sabem em que século estão vivendo. Vivemos no século da ética mergulhados numa onda de corrupção. Vivemos no século do respeito envoltos em violência.
Estamos aqui, como professores, para que?
Em segundo lugar penso que no caso analisado a aluna, a família e o professor eram todos imaturos, isto é, despreparados para os embates da vida. Como já nos manifestamos sobre a moça e sua família, falemos agora do professor. Penso que ele não foi aviltado como professor, mas como pessoa, isto é, qualquer profissional que estivesse lidando com aquela moça naquele momento teria passado pelo mesmo vexame. Portanto, não foi o professor que foi aviltado, foi um ser humano (o tratamento que ele recebeu independe da profissão). Professor precisa deixar de se considerar vítima profissional do sistema. Todo profissional tem seus revezes: processos judiciais, caloteiros, difamação, agressões verbais ou físicas, etc. Não há profissão isenta de contratempos. Não há trabalho fácil.
Ainda bem que é assim. Ainda bem que todos os profissionais têm os seus contratempos. Se somente os “navios” comandados por professor naufragassem não daria para desconfiar de alguma coisa?
Quando o professor dá adeus ao Estado, isto é, ao exercício da profissão na rede pública, por esse motivo, está revelando o seu despreparo para o exercício da profissão. Ele não sabe gerenciar conflitos, não está preparado para o embate com a ignorância (embate para o qual ele está sendo pago). Por outro lado, ele revela ainda, por esse gesto, que estava insatisfeito com o trabalho que realizava na rede pública e isso deixa dúvidas se ele não teria sido mesmo grosseiro com a moça. Quando dois frustrados se encontram a guerra é sempre possível. Pior ainda, com culpados e prejudicados de ambos os lados.
O que me deixa reocupado é que essa história evidencia que as licenciaturas não formam professores. Formam “físicos”, “matemáticos”, “historiadores”, “geógrafos”, “linguistas”, etc. Essas pessoas saem da faculdade sem saber o que a sociedade espera delas e sem imaginar que tipos de alunos enfrentarão. Não param para refletir sobre os conflitos que enfrentarão, sobre os interesses opostos que se manifestam normalmente. Quem já imaginou trabalhar com seres humanos sem enfrentar conflitos? Só os licenciados porque, infelizmente, nas universidades ainda se pensa que ser professor é somente ministrar aulas. Doutores, que nunca estiveram em sala de aula na educação básica, são exemplos de professores para os licenciandos. Ninguém pensa nisso?
Despreparados para a vida profissional procedem como esse professor que no fim do seu texto diz que não depende dessa profissão para viver e que exerce a profissão por gostar. Aquela ladainha toda que estamos cansados de ouvir. Não entendo como alguém que exerce a profissão por gostar desiste da mesma por tão pouco. Pior, desiste das pessoas. Quer exercer a profissão longe delas, longe exatamente de quem precisa dele. Não entendo como alguém que não precisa “disso” para viver se submete a um ritual tão desgastante por tanto tempo e reclamando o tempo todo. Está na hora de mudar, pelo menos, o discurso. Será que professor não conseguiria dizer outra coisa? Com esse discurso o professor assina, a cada dia, o seu atestado de incompetência.
A aula desse professor deveria ser um “xarope”: reclamação, esnobação do seu suposto potencial e humilhação dos alunos. Quem trabalha para “fazer favor” costuma aprontar dessas.
Não creio que a moça tenha razão. Ela tinha a opção de não vir à aula já que era “turista”. Não creio que a sua mãe procedeu corretamente. Ela tinha a opção de vir conversar com o professor (será que o professor estaria aberto ao diálogo?). Não sou a favor desse professor porque se, segundo ele, tinha a opção de não estar ali, então, por que estava? Quem está onde não precisa estar corre o risco de ser incômodo.
No meu entender esse professor procedeu como Francesco Schettino, comandante do navio Costa Concordia que naufragou no litoral da Toscana no dia 13/01/2012. Schettino abandonou o navio deixando 1100 tripulantes e 3200 passageiros sem a sua assistência (Veja Ed. 2253, Ano 45, Nº 4, de 25/01/2012, p. 72-76). Quando li o texto desejei ser um De Falco para bradar a esse professor: volte a “bordo” e dê exemplo, aos demais alunos, de como se gerencia conflitos e se supera frustrações.
Ser professor no paraíso é fácil, pena que seja tarefa somente para anjos. Parece-me que as vagas estão todas ocupadas. Nós fomos convocados para sermos professores aqui, agora, no meio da turbulência, no meio dos conflitos. Se é para isso que fomos formados e contratados, qual a razão para a fuga?
Por outro lado, será que algumas aulas, especialmente de professores esnobes, não ficariam melhores se fossem mesmo interrompidas de uma vez por todas? É melhor não saber física, matemática, etc., e agir como um ser humano (cortesia, aposta no outro) do que saber tudo isso e ser um estúpido, um troglodita, um alienado. A sociedade não precisa de “bin Ladens”.
Volta para a sala de aula, professor, e mostre que sabe algo mais do que Física. Sua história realmente é triste. Triste não pelo que a família da aluna lhe fez (ossos do ofício), mas pelo que você está fazendo. Triste pelo seu despreparo para o exercício da profissão.Triste porque você pensou que professor tem prerrogativas divinas, é inquestionável.
Campo Grande, 26 de janeiro de 2012.
Antonio Sales profesales@hotmail.com
Digníssimo Professor Doutor Sales, é com imenso orgulho e satisfação que faço meus comentários a este ilustre artigo, em que se vislumbra o "todo contextuado" não como um mero desabafo mas como um alento àqueles que procuram um motivo, não só para o professor mas em qualquer esfera de atuação profissional, "o saber ser". Muito obrigado por colocar cada palavra em seu certo lugar.
ResponderExcluirA Lei da Física vale até para o exercício da docência... AÇÃO-REAÇÃO. A atitude dos 'maus' ou dos males sobram, quando 'grita' o silêncio dos 'bons'. Parabéns, professor Sales! Ainda vale a pena acreditar... A educação não transforma o mundo, mas muda pessoas.
ResponderExcluirMeu caro ex-aluno Marcos e meu amigo Vicente Lichoti, vamos investir na humanização das nossas escolas levando consciência ao professor e aos alunos.
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