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sábado, 24 de março de 2012

UMA ESCOLA PARA O NOSSO TEMPO



            Na década de 1990 em um diálogo entre Paulo Freire e Seymour Papert os dois debateram a escola dos seus dias. O debate consta em uma série de vídeos de curta duração disponíveis no YouTube sob o título: "A Escola do Futuro".
             Papert, após fazer um diagnóstico da forma como a escola tem se conduzido no processo de ensino, afirma ser possível constatar o fim da mesma (dessa escola que engessa, que procura nivelar a todos, evidentemente) por ser obsoleta, desnecessária. Freire se opõe a essa ideia de que a escola se tornou desnecessária. Este defende que a escola tende a se atualizar, mas não acabar. Em certo momento ele afirma que a escola deve se por “à altura do seu tempo”.
              Aqui surgiu a pergunta que os debatedores não responderam e, talvez, nem estivessem preocupados em responder. A questão é: o que se entende por uma escola à "altura do seu tempo"
              Recorro aos exemplos. Exemplos, por vezes, hipotéticos e até com certa dose de exagero. Exemplos cuja finalidade é apenas ilustrar um pensamento e não fazer uma afirmação ou constatação.
Fiquei imaginando o currículo de uma suposta escola específica para mulheres, na primeira metade do século XX. Naquele tempo (pode haver exagero na afirmação) as mulheres tinham uma única chance de ter sucesso: arrumar um casamento e ter uma casa para cuidar. Nessa perspectiva o currículo dessa escola incluiria um pouco de leitura (para ler receitas de bolo), noções de costura e remendo de roupas, como lavar roupas, como passar roupas, limpeza de casa e puericultura.
               Todas as meninas deveriam aprender a mesma coisa e a competição ficava por conta de quem conseguisse ser a mais "prendada", fazer o melhor bolo ou confeccionar o melhor vestido. Não havia escolhas. As aulas seriam as mesmas para todas as alunas. Esta escola estaria à altura do seu tempo.
                Pensemos nas opções profissionais das mulheres hoje. Entre ser dona de casa e presidir um país elas podem escolher uma gama tão variada de profissões cuja enumeração não cabe neste espaço. Pensei no currículo de uma escola para mulheres nos dias atuais. Essa escola para estar à altura do seu tempo deveria exibir no mural eletrônico os seguintes cursos: prendas domésticas, ciências jurídicas, ciências da saúde (uma dezena, pelo menos), ciências matemáticas, relações internacionais, estudos em linguística, etc., etc., etc.. Ao chegar na porta da escola a candidata se posicionaria frente ao mural e escolheria o que estudar.
               Antes todas as mulheres tinham que estudar a mesma coisa, deveriam ter o mesmo conhecimento para competir no mercado. Não havia espaço para as diferenças. Hoje podem ter conhecimentos diferentes que encontrarão espaço no mercado. Antes se priorizava a igualdade e o hoje, as diferenças.
                 O ponto para o qual eu gostaria que o leitor se atentasse é: antes todas deveriam ser iguais e hoje todas podem ser diferentes. É certo que alguns conhecimentos básicos são essenciais para todas: ler e escrever, noções básicas de higiene, ética, digitação, etc.
                 Cheguei onde queria chegar: por que a escola de hoje insiste que todos os alunos estudem os mesmos temas? Talvez os conteúdos dos anos iniciais devam mesmo ser comuns, mas nos anos finais do ensino fundamental já não daria para começar uma diferenciação? Quem disse que todos precisam aprender álgebra ou trigonometria? Por que esses temas estão na escola? Será apenas para situar o aluno no contexto científico em que vive? Se esta for a intenção (que eu acho que é) por que o professor  insiste que todo aluno tem que aprender e gasta bimestres inteiros repetindo para que eles aprendam mesmo que por osmose? Não bastaria uma "passada" para informação e tentar conquistar o aluno para essa área do conhecimento, para que ele, possivelmente, faça opção por um curso superior de exatas?Os cursos de licenciatura não deveriam fazer essa abordagem com os alunos?
                 Citei exemplos da Matemática por ser a minha área de atuação, mas cada professor pode pensar quais os temas da sua área que seriam apenas para informação.
                 Hoje há espaço para o matemático, para o artista, para o linguista, para o esportista, para o físico, para o capoeirista, para o mecânico, para o especialista em ciências da saúde, enfim, para todo tipo de conhecimento. Por que um sujeito deve ser forçado a aprender matemática, por exemplo, na educação básica?
                 Uma escola à altura do seu tempo não levaria em conta essas múltiplas opções?


Nova Andradina, 
25 de fevereiro de 2012.

Antonio Sales 
profesales@hotmail.com


domingo, 18 de março de 2012

“EU-AQUILO” VERSUS “EU-VOCÊ”

Escrevi no texto sobre a mulher que o mundo masculino é coisificado, objetivado, e que o mundo da mulher é pessoal. Se pararmos por aqui ficará a impressão oposta à de Pitágoras. Concluiremos que o homem foi uma projeção diabólica e a mulher um projeto divino.
A realidade é que os dois se complementam, são os dois hemisférios de uma esfera. O homem, segundo Tournier (1988),  pode e deve aprender com  a mulher a povoar o seu mundo com pessoas e a mulher e deve aprender como o homem a objetivar o seu mundo, quando necessário.
Todos sabem que não se cura apendicite personificando a doença. É preciso a frieza do bisturi do cirurgião para deter o processo inflamatório. Não se aprende anatomia humana acariciando os cadáveres ou discutindo de quem eram, mas dissecando-os. Não se faz ciência com sentimentos, mesmo que se trate de psicologia ou psiquiatria. Não basta um ombro amigo para chorar. É preciso ação racional para resolver certos problemas. Muitas vezes é preciso um choque de coisificação do sujeito para que ele assuma o controle das suas emoções e resolva o seu próprio problema. Mais do que orar por um doente, é preciso agir. Além de acariciar um filho é preciso ensinar-lhe as regras sociais e uma profissão.
Por outro lado o homem tem muito a aprender com a mulher sobre a personificação das coisas. Não é preciso mudar o mundo para isso, “basta que mudemos a nós mesmos”, diz Tournier.
Quais as vantagens desse povoamento do nosso mundo pessoal de pessoas e não de coisas? As relações entre as pessoas ficam mais  suportáveis. As amizades são mais afetivas, mais próximas. A coisificação do ser  humano pode produzir monstros, levar à produção de homens-bomba.
O problema é que durante séculos o mundo foi masculino, a ciência foi masculina, a mulher foi cosificada, o homem foi reificado (uma forma elegante de dizer coisificado).
A mulher, diz Tournier(1988), foi coisificada  como objeto sexual e hoje é coisificada como objeto de ornamento, de charme e de prestígio.Tornou-se escrava da beleza e da magreza. Tornou-se objeto de exploração econômica por parte de profissionais do ramo da beleza.
O homem foi coisificado ou reificado como o lógico, o objetivo, o  quantificador.
É preciso que homens e mulheres se complementem. Não se trata, na perspectiva de Tournier, de uma complementação exterior onde o homem representa a força e a mulher a beleza, onde o homem representa a lógica e a mulher os sentimentos, mas uma complementação interior onde o homem se torna mais pessoa, sem deixar de ser lógico, e a mulher se torne mais lógica sem abandonar os sentimentos.
 É essa complementaridade que Tournier deseja que alcancemos quando afirma que a missão da mulher é tornar o mundo mais pessoal, isto é, ensinar o homem a ser pessoa.
Campo Grande, 18 de março de 2012.
Antonio Sales         profesales@hotmail.com

 
Referência
TOURNIER, Paul. A Missão da Mulher. São Paulo: Vértice; Editora dos Tribunais, 1988.

sábado, 10 de março de 2012

A MULHER


Na semana passada  tivemos o Dia Internacional da Mulher. Pensei em escrever uma mensagem para elas, mas, por estar envolto em múltiplas atividades, a mesagem não fluiu e resolvi deixar para hoje. Estou um pouco atrasado. Peço desculpas.
No dia 8 estava participando de um Seminário de Pesquisa e a Profa Dra Gelsa Knijinik que fez a conferência de abertura prestou, na introdução da sua fala, uma homenagem às mulheres.
Ela lembrou o preconceito de homens ilustres, e até de personagens lendários, contra as mulheres ao longo do tempo. Pitágoras, por exemplo, via a mulher como criação de um deus mau. Hipátias (ou Hipácias) a primeira mulher cientista (matemática, filósofa, etc.) de que se tem noticia, e que teria nascido por volta de 485 d.C., foi violentada e morta dentro da igreja, com a anuência do Patriarca (líder espiritual), por representar um perigo para os homens.
Hoje, segundo dados de pesquisa, a situação está bem melhor. Estamos quase em equilíbrio. Em 2010, segundo dados da FAPESP, órgão financiador de pesquisas no Estado de São Paulo, 42% dos projetos submetidos para financiamento foram propostos por mulheres e, em 2011, houve um empate técnico entre o número de projetos submetido por mulheres e o número de projetos submetido por homens. Isso representa um ganho muito grande em termos civilizatórios. Já houve tempo de 100% x 0%, 90% x 10%, etc.
Convenhamos, porém, que essa ascenção das mulheres não foi um presente dos homens. Foi uma conquista delas. É mérito delas.
O Dia Internacional da Mulher ainda se justifica apenas como uma lembrança da luta que elas travaram para conseguir esse espaço, mas ela  já não precisa mais ser bajulada em canções e poemas como se fazia antigamente. Naquele tempo matava-se (humilhava-a, desprezava-a, fazia-se  dela um objeto de cama e mesa) a mulher e depois adornava (bajulava) o seu túmulo (a sua autoestima baixa) com flores (versos e canções).
Hoje ainda é justo que lhe dediquemos flores, mas que estas lhes sejam entregues em reconhecimento pelos seus méritos e não como uma forma de lhe dizer: “veja como eu sou bom para você”.
Mudando um pouco o rumo da minha fala cito aqui as palavras de Tournier (1988).
Esse psiquiatra suíço, escreveu em 1978, aos 80 anos de idade o seguinte:
“Nossa civilização ocidental é masculina, completamente organizada segundo os valores masculinos: fria objetividade,  razão, poder, eficiência, rivalidade. Essa foi a escolha da Renascença. Ela implicava o repúdio dos outros valores, irracionais e subjetivos, dos sentimentos,  das emoções e da relação pessoal. [...] Sim, eu acredito em uma  missão para a mulher nos dias de hoje. O homem a afastou da vida pública e construiu sem ela a nossa civilização técnica ocidental: uma sociedade masculina completamente organizada segundo valores masculinos, à qual falta, de maneira trágica, o que poderia  ser a contribuição da mulher.”
O mesmo autor discorre sobre o significado das suas palavras. Ele afirma que, em termos relacionais, homem e mulher estão em pólos distintos. O homem norteia-se pela relação “eu-aquilo” e a mulher, pela relação “eu-você”. Embora a relação “ eu-aquilo” seja mais duradoura o eu posta-se como um sujeito neutro, frio, observador, sem compromisso emocional com o objeto da minha relação.  A relação “eu-você” é mais frágil, porém, nela o eu se envolve pessoalmente com o outro, não há neutralidade. Não é uma relação “de observar, analisar,  estudar, oferecer um julgamento moral ou um diagnóstico psicológico”. “Eu-você”  envolve compromisso.
Psicanalistas, entre eles Freud, observaram e descreveram o mundo masculino como um mundo impessoal. Para um menino o ursinho de pelúcia é apenas um brinquedo, é algo para chutar, rasgar e abandonar em um canto. Para uma menina ele é um confidente, é o seu amigo, é uma pessoa.
Uma árvore, para um garoto, é algo para ser dominado (ele sobe na árvore e quebra os seus galhos) e abandonado (faz xixi no seu tronco). Para uma garota a árvore é uma confessora, um lugar de recados amorosos (desenha corações e escreve no tronco nomes de pessoas as quais ama). A sombra a árvore é, para a menina, o lugar de “escrever” o seu diário de emoções e, para o menino, o lugar da espreita pelo passarinho incauto ou para contar aos amigos as suas “vitórias” sobre o oponente.
É curioso que quando uma menina não tem apego ao seu ursinho de pelúcia, etc., as mães dizem que é uma “moleca”, isto é, tem um comportamento de moleque.
O homem coisifica o que toca e a mulher personaliza os objetos de sua relação. É por essa razão que o autor citado afirma que a sociedade construída sem a mulher  é fria e competitiva.
Agora que a mulher conquistou o seu espaço alimento a esperança de que a sociedade seja mais humana.
Parabéns, Mulheres!
Campo Grande,  10 de março de 2012
Antonio Sales      profesales@hotmail.com
Referência
TOURNIER, Paul. A Missão da Mulher. São Paulo: Vértice; Editora dos Tribunais, 1988.

sábado, 3 de março de 2012

A CURVATURA DA VARA: ALUNO OU PROFESSOR?

Há algumas décadas, os mais vividos ainda se lembram, quando um aluno chegava em casa dizendo que foi punido na escola os pais ( a maioria deles) tomavam imediatamente ao partido da escola. Alguns mais rigorosos ainda surravam o filho sem mesmo ouví-lo.
Esse procedimento, relembrado com saudade pelos professores, se fundamentava na crença fortemente arraigada de que os que ocupavam  posições de responsabilidade na sociedade eram  nobres de caráter. Reis eram herdeiros da divindade e barões, marqueses, professores, juízes  etc. eram inquestionáveis benfeitores da humanidade. Eram valentes, destemidos, verdadeiros, inteligentes. Tais pessaos eram dotadas de uma tal  integridade moral que as tornavam  imparciais, íntegras, justas. Eram pessoas que nunca erravam.
Em tal cultura parece evidente supor que o aluno sempre estivesse errado, que  o pobre não tivesse direito à voz, que a mulher deveria se contentar em trazer os chinelos para o senhor seu amo ( o homem era por natureza herdeiro de um autoridade sobre ela) e o negro nascesse para a escravidão. Tais pessoas nada tinham a reclamar uma vez que não eram nobres, logo, eram merecedoras de punição a priori. Na realidade, elas erraram ao nascer.
Criança estava sempre no lugar errado. O mundo era dos adultos e, ainda assim,  não de todos eles.
Felizmente,  o tempo passa e traz mudanças. As  mudanças chegaram  e agora é a vez dos que não tinham vez. Fico feliz em ver as mulheres e o negros sendo tratados com a dignidade que merecem. Fico feliz em ver os alunos, as crianças,  tendo vez.
Se com relação aos negros e às mulheres (adultos) já chegamos a um acordo, exatamente por serem adultos e saberem cada um as suas responsabilidades, o mesmo ainda não aconteceu com relação aos alunos da educação básica. Em alguns aspectos as mudanças em relação a eles provocaram a chamada “curvatura da vara”. Penderam excessivamente para o outro lado. 
Muitas mudanças são lentas e, infelizmente, nem sempre acompanhadas de  equilíbrio.  O equilíbrio é uma etapa posterior e, em muitos casos, difícil de alcançar. Com relação ao direito das crianças o equilíbrio ainda não ocorreu exatamente por serem crianças e não saberem ainda dimensionar os seus limites.
Se antes o professor sempre tinha razão agora é o aluno que sempre tem razão.
É preciso refletir sobre isso com cuidado.
Não é mau tomar posição imediata a favor do aluno.  Antes de apurar os fatos é melhor proteger o mais fraco. Antes protegia-se o mais forte. Estava errado. Na dúvida  deve-se sempre poscionar-se a favor do mais fraco.
O problema, portanto, não é acreditar no aluno. O pronblema é não fazer averiguação dos fatos, é ouvir só um lado. O problema é empurrar o problema para “debaixo do tapete” e acalmar a consciência só porque foi a favor do mais fraco.  Na dúvida, a favor do mais fraco mas a dúvida não  pode ser prolongada demais.
O problema, na realidade, é a acomodação, a irresponsabilidade dos adultos.
Alguérm dirá, mas se eu for à escola cada vez que meu filho sofrer alguma sanção eu não consigo trabalhar mais. Engano. Se da primeira vez que isso acontecer, você for à escola se informar, apurar os fatos e depois tomar posição ao lado de quem estiver certo possivelmente precisará ir apenas uma vez na escola porque a partir dai o aluno e os professores tomarão mais cuidado. O problema, prezado pai ou mãe, é que você não saber o que fazer e os professores não estão dipostos a ajudar.
É preciso que  escolas e pais dialoguem, se aproximem. Vejo porém uma dificuldade em conseguir essa aproximação que seria benéfica para todos. Por um lado os professores não abrem mão de serem os que estão agindo corretamente sempre. Nas reuniões de pais isso fica bem evidente. Os alunos, na fala dos professores, estão sempre errados,  são sempre os desinteressdos. Subentende-se que os pais não estão fazendo  o “dever de casa”.  Nunca um professor admitiu ter cometido o erro de não elaborar uma técnica didática propriada. Ele nunca precisa atualizar os seus conhecimentos, nunca se posiciona  como disposto a colaborar com os pais. Estes é que devem sempre colaborar com os professores repreendendo os seus filhos, cuidando do cumprirmento das tarefas, etc.
 Como é possível um diálogo quando um lado está sempre certo e o outro sempre errado? Quando um só espera resultados favoráveis e o outro só tem obrigações a cumprir, e ainda acumula a culpa de algo não dar certo, é possível o diálogo?
 O profissional sabe dizer aos pais, claramente, o que espera deles e o que pode fazer por eles? O profissional já chamou um pai e se colocou à sua disposição
para ajudá-lo na educação do seu filho?
Educação é tarefa da família dirá alguém, assunto que comentarei num próximo  texto. Por hoje insisto que professor deve ajuadar os pais na educação dos filhos. Se ele não sabe como fazer tudo bem, que admita isso. Mas, dizer que não é sua obrigação ajudar é irresponsabilidade.
Por último a questão intrigante: por que os professores, que na maioria são mulheres e muitos são negros, têm saudades daquele  tempo?
Nova Andradina, 19 de fevereiro de 2012.
Antonio Sales  profesales@hotmail.com