Quando se trabalha com estatística e precisamos recorrer a uma regressão linear é possível perceber que, em muitos casos, os dados, quando colocados em ordem, ficariam muitos próximos de uma reta. Outras vezes eles ficam muitos dispersos mais parecendo uma nebulosa e, outras vezes, a maioria dos pontos ficam quase alinhados e um ou outro fica disperso . São os pontos fora da curva. Esse fenômeno não se observa apenas na estatísticas, mas foi o exemplo mais fácil que encontrei.
O que isso tem a ver com a educação, com a ética profissional?
Durante algum tempo da minha vida desejei especializar-me em Matemática Aplicada. A razão que tinha para isso é que lá eu, supostamente, aprenderia a modelar alguns problemas do cotidiano de algumas empresas e até mesmo de outras ciências. Na realidade eu supunha que aprenderia a modelar todos os propblema econômicos, tecnológicos, etc. O que me fascinava mesmo era a ideia de por ordem no que existe ou por em ordem o que existe. Eu queria explicar a ordem e dizer porque funciona. Poderia também ser Matemática Pura pois nesse mundo de aplicação ou de pureza eu trabalharia com as regularidades, com a “moda” e descartaria os pontos fora da curva. Trabalharia somente com os objetos matemáticos que atendessem aos meus interesses, que servissem para os fins que eu desejava obter.
Como educador o meu mundo não era organizado como eu queria. Eu não podia simplesmente eliminar os “pontos fora da curva”. Isso me angustiava porque o mundo perfeito dos meus sonhos ficava cada vez mais distante. Meu sonho hitleriano dificilmente se concretizaria na educação.
Platão postulou um mundo perfeito a priori e Hitler um mundo perfeito a posteriori. O sonho de Hitler era atingir a perfeição social pela eliminação dos inconvenientes, pela eliminação dos “pontos” que julgava estarem “fora da curva”.
Na matemática pura ou aplicada eu posso (tenho a possibilidade) de cultivar o espírito de eliminação dos inconvenientes. Percebi que na educação isso me era vedado. Percebi que ser humano não se descarta. Mesmo aqueles alunos que aprendem pouco ou que se mostram pouco simpáticos têm que ser tolerados e trabalhados. E como dão trabalho! Eu não sabia ( e até hoje não sei) o que fazer com eles, mas percebi que para ficar na educação eu precisaria pensar no caso e para isso fui fazer minha pós-graduação em educação. Não aprendi muito mas aprendi que precisa ver o mundo de forma diferente e isso mudou a minha realidade pessoal. Nem sempre consigo manter essa ideia de inclusão, mas preciso mantê-la. Sou desafiado a isso constantemente. É o desafio da educação.
Com o tempo percebi que é mais fácil ser matemático do que educador. Ser matemático só não é mais fácil por causa dos muitos professores que sabem apenas escrever no quadro para que os alunos copiem. Por causa daqueles professores que atuariam melhor se exercessem a função de copistas. São eles que dificultam o avanço de muitos que poderiam aprender. São eles que não contribuem para haja mais matemáticos. Eliminam até muitos pontos da curva.
Para complicar esses professores “adotam” para os alunos os livros mais complicados, menos didáticos, e usam para preparar a sua aula os autores mais fáceis, com exercícios mais fáceis e ainda assim muitos deles apenas escrevem no quadro o que o autor disse. Se fossem professores de matemática ( e não copistas) talvez um número maior de alunos optariam por seguir a carreira de matemático.
Penso que isso acontece também em outras disciplinas escolares. Já me falaram de um professora de Geografia que passava uns questionários para os alunos que eles não conseguiam responder com o livro indicado. Isso continuou até que uma aluna descobriu, na casa de uma amiga, o livro de onde ela tirava as questões. Pronto. Todos conseguiam agora responder o questionário. O engraçado é que a professora ficou pensando que estavam “ aprendendo" com ela.
Parece que entre nós, professores, há mais pontos fora da curva do que na própria curva. Ou é acurva que se transformou em pontos fora da curva?
Agora vou fazer o exercício de pensar a educação como se eu fosse ora um matemático (M) ora como educador (E). Aprendi pensar como matemático com os meus professores de faculdade e com alguns colegas. Fiz também disciplinas como aluno especial em mestrados de engenharia e administração. Aprendi pensar como educador nos meus cursos de pós-graduação.
M: Por que tenho que me ocupar com esses alunos que chegam sem saber nada?
E: Se a sua mãe tivesse pensado isso quando você nasceu, onde você estaria hoje? Alguém apostou em você exatamente quando você não sabia nada. Quem já sabe não precisa de nós.
M: Por que o professor anterior não o ensinou?
E: Por que você não o ensina agora e mostra a sua superioridade intelectual e técnica em relação ao outro?
M: Se o outro professor não sabe ensinar não é problema meu.
E: E quando você não consegue ensinar os seus alunos de quem é o problema?
M: Esse menino não é meu filho. A família que cuide dele?
E: E por que a família trouxe ele para a escola? Será que não foi por supor que um profissional fizesse por ele melhor do que ela está conseguindo fazer? Por que você leva o seu filho ao médico?
O resumo de tudo o que eu disse é: como educador não posso excluir. Tenho que trabalhar pela inclusão ainda que ela me pareça impossível. Como educador não posso alimentar o espírito exclusivista.
Tarefa difícil, mas é para issos que estou sendo pago!
Campo Grande, 10 de março de 2012.
Antonio Sales profesales@hotmail.com
É interessante pensar nestas questões, as vezes nos falta essa identificação e, neste sentido, penso que a formação inicial e continuada pode (ou não) colaborar, pode ou não estimular no professor (ou futuro professor) esta identidade com o curso, como ocorre com um militar ou religioso que tem "cara" de militar ou religioso, afinal o que se pretende formar? matemáticos? educadores? ou só mais um ponto fora da curva?
ResponderExcluirTenho pensado muito (e compartilhado com meus colegas professores) algumas reflexões levantadas pelo prof Sales aquí no blog ou nos momentos em que podemos discutir temas relativos a educação, me lembro da alusão ao médico, que busca a cura do paciente sem perguntar ao mesmo se é isso que deseja. Compartilho também dessa ideia, de que assim deve se posicionar um educador, indivíduo mais experiente do grupo e mediador do processo. “Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança, desde que me tornei homem, eliminei as coisas de crianças”(1Cor 13 11).
Abraços aos compamheiros de luta pela Educação Matemática.
Prof. José Wilson
Abraços Colega José Wilson
ResponderExcluir