Estava revisando um texto que havia escrito recentemente, em parceria com uma colega cujo nome não declino aqui por não ter solicitado a sua permissão, quando deparei com a frase: “Dessa forma, supúnhamos que estaríamos contribuindo para a humanização do professor”. A frase foi inspirada em Paulo Freire e fiquei me perguntando: o que significa isso que escrevemos? O que é humanizar o professor?
Os meus leitores já sabem que gosto de exemplificar o que escrevo ainda que os exemplos sejam hipotéticos.
Fiquei pensando na possível experiência de uma garota da primeira metade do século passado. Naquela época assuntos relacionados com a sexualidade eram tabus. Raramente uma mãe conversava tal assunto com a filha. Escondia-se até mesmo a gravidez da mãe e das vizinhas com a estória da cegonha. Fico imaginando quando aparecia, para essa menina, a menarca. Devia ficar assustada, supondo-se portadora de algum mal, alguma infecção ou ter se machucado sem saber. Somente após conversar com alguma colega mais experiente e saber que esse não era um problema particular, algo específico dela, mas um fenômeno físiológico de todas a mulheres, ela sentir-se-ia aliviada a até orgulhosa, talvez. Orgulhosa por ser parte legítima daquele grupo que tinha o mesmo fenótipo que ela.
A esse fenômeno social de sentir-se parte, isto é, perceber-se com as mesmas características do grupo (classe social, gênero, espécie ou profissão) à qual pertence, chamo de humanização. Sentir-se humano é ter conciência de que certas características (problemas, necessidades e privilégios) não são particularidades suas. Elas pertencem a todos do mesmo grupo. Nesse caso, a conversa com a colega contribuiu para humanizar a garota.
Quando adolescente passei pelo processo de mudança de voz. Minhas irmãs zombavam de mim e comecei entrar em processo de isolamento. No dia em que meu pai se posicionou dizendo que aquele era um processo normal cessou a zombaria e eu saí do isolamento. Senti-me normal, humanizei-me, senti-me homem como os outros. A fala do meu pai humanizou-me. Fiquei sabendo que eu não era uma aberração da natureza.
Quando acontece um acidente trágico, e algumas vidas são ceifadas, os familiares costumam dizer: “por que com o meu filho?”
É evidente quem em um momento como esse é melhor não dizer nada, mas se fosse para dizer eu diria: isso aconteceu com vocês porque vocês são humanos. A morte em um acidente trágico não é “privilégio” ou desgraça de uma família ou pessoa específica. Pode ser a “sorte” de qualquer um. Uma família humanizada, supostamente, teria outro tipo de lamento. Saberia que o seu filho não estava marcado para morrer daquela forma, o acidente não foi “feito” exclusivamente para ele.
Suponho que essa introdução tenha contribuído para o entendimento da palavra humanizar neste contexto.
Pensemos agora no professor. Parece-me que muitos se sentem um ser à parte da especie humana. Um aleijão social. Sentem-se vitimas exclusivas do sistema, os únicos marcados para serem desrespeitados e pensam que é a única profissão desvalorizada pela sociedade. Na esfera individual, então, os lamentos vão mais longe. Cada professor sente-se o único cobrado pelo sistema ou chamado a prestar contas pelos gestores.
Em meus textos neste blog tenho procurado mostar ao professor que muitos problemas são próprios da categoria. Tenho procurado humanizá-lo, mostrando-lhe que todos enfretam os mesmos problemas. Os chamdaos “ossos do ofício”. As diferenças ficam por conta da intensidade e da forma de administrar tais problemas. A intensidade depende do contexto e do tempo.
Temos visto a imprensa, frequentemente, “malhar” a polícia, os políticos, os membros do judiciário, clínicas, escolas particulares e assim por diante. Não vou emitir juízo de valor sobre o que a imprensa faz, quero apenas lembrar o professor que não é só ele que está na “mira”de alguém. A sociedade está cobrando de todo mundo. A forma de cobrar pode até ser diferente, mas há pressão por toda parte. Sofrer pressão não é “privilégio” do professor, embora muitos gostariam que fosse para terem do que reclamar.
Cada profissão tem os seus problemas específicos, mas os tem. Um caminhoneiro poderá não ter que prestar contas a alunos, pais de alunos ou sistemas de ensino, mas terá que trocar pneus pesados ao longo e rodovias, algumas sem acostamento e com pouco movimento. Precisa ficar vários dias ausente da família e ainda corre o risco de ser vítima fatal de um assalto ou acidente. São problemas próprios da profissão. Toda pessoa tem suas dores. São diferentes das minhas dores, mas são dores.
Não estamos defendendo a permanência desse estado de coisas. O que pode melhorar deve ser melhorado. Devemos lutar por melhorias. Nossa proposta é apenas dizer: o magistério não é a única profissão com problemas. Você, colega, não é o único a enfrentar dificuldades. Não é o único a errar no exercício da profissão. Não é o único profissional ou pessoa que é cobrado pelo resultado do seu trabalho.
Você pode ser o úncio que não assumiu a profissão porque assumir uma profissão é uma questão de escolha. Humanizar-se é questão de consciência e também de escolha, portanto, você pode também ser o único não humanizado, a não sentir-se parte da espécie humana.
Entendo que nos cursos de formação de professores precisam trabalhar na perspectiva de humanizar o professor. Para complementar o pensamento aqui expresso recomendo: http://eticadocentesales.blogspot.com/2012/02/sala-de-aula-lugar-de-conflitos.html
Nova Andradina, 11 de fevereiro de 2012
Antonio Sales profesales@hotmail.com
Olá sales, e colegas que acompanha o blog. O tema proposto é interessantíssimo e aqui vai a minha contribuição.
ResponderExcluirQuando penso em ser uma pessoa mais humana é acreditar que o meu semelhante passa pelas minhas mesmas dificuldades. E nas nossas salas de aula isso não é diferente, olhar para os nossos alunos como semelhantes atribui valores recíprocos e o aprendizado flui naturalmente.
Aqui fica para refletir uma citação de Paulo Freire
“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.
Paulo Freire (1921 – 1997)
Amigo Eder, obrigado pela contribuição. Suas palavras são repletas de significado.
ResponderExcluirParabéns professor, seus textos são muito bons!!!!!! Eles tem me ajudado muito no artigo que estou escrevendo. Todas as idéias que eu tenho, eu sei que procurando no seu blog, vou encontrar minha inspiração. Parabéns pelo trabalho, pela clareza e objetividade nos textos.....enfim, sucesso!!!! Obrigada....Mari Fraga.
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ResponderExcluirSintom-me feliz em ser útil, Mari
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