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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O UFANISMO DA EDUCAÇÃO



Lê-se e ouve-se com muita frequência que a educação (lê-se educação formal, escolar) é a saída para o Brasil. Como professor não posso discordar desse discurso, mas posso ter reservas com relação à eficácia da educação.  Não posso discordar no que diz respeito ao preparo técnico dos brasileiros que, sem dúvida, porá o Brasil em condições de competir economicamente. Penso que um bom investimento na educação tecnológica, isto é, no preparo técnico dos sujeitos, é fundamental para um país que quer ser competitivo e melhorar a qualidade de vida dos seus cidadãos. Médicos, paramédicos, engenheiros e professores, tecnicamente bem preparados e equipados farão uma grande diferença.
Porém, se tivermos um bom preparo técnico, mas não tivermos ética, patriotismo, respeito para com as instituições, amor pelo Brasil e respeito para o povo em geral, a vida do brasileiro continuará sem melhoras. Um médico estúpido, um engenheiro trapaceiro, um político corrupto, um policial inseguro, uma justiça inescrupulosa e um professor sem compromisso com a educação não proporcionam o bem-estar de ninguém. O preparo técnico, por si, não acelera processos judiciários, não coíbe a corrupção, não protege o cidadão, não faz a polícia presente e não protege o meio-ambiente. Um bom preparo técnico pode aperfeiçoar a arte de matar, melhorar a técnica do roubo e proporcionar “esconderijos” mais seguros para os sequestradores como foi o caso do austríaco que manteve relação incestuosa com a filha por 24 anos no porão da própria residência (1).
Minhas reservas com respeito à eficácia da educação consistem no fato de que o conhecimento em si não transforma uma pessoa em um ser humano. O jovem talibã que atirou em Malala, no Paquistão, tem curso universitário completo (2), Bin Laden também tinha formação universitária e os engenheiros que provocaram a explosão de usina nuclear de Chernobil tinham alta competência técnica(3).
É preciso algo mais. Uma preparação humanista ainda não está presente na maioria dos professores em atividade e continuará por muito tempo até que eles se aposentem. Os cursos de formação de professores no passado não tinham essa preocupação e ainda hoje a preparação humanística do professor não é objeto de discussão nos corredores da universidade, isto é, não faz parte do discurso espontâneo.
A ética ainda é pensada como algo que falta na politica, a honestidade como essencial para o engenheiro (e outros técnicos) e o bom atendimento como parte do trabalho das secretárias. Enfim, pensamos que esses valores devem ser conservados pelo outro enquanto nós, professores, somos simples vítimas do sistema.
O aluno deve nos respeitar, a família deve cooperar conosco, mas em que nós podemos cooperar com a família e como podemos demonstrar o nosso respeito pelo aluno? A nossa relação com a instituição é respeitosa? A nossa participação política, através dos Conselhos, é voluntária e consciente?
Não somos preparados para a prática da mediação de conflitos, não sabemos ser confrontados sem perder a compostura, não sabemos esperar pelo tempo do aluno e somos incapazes com conviver com o “não”. O conflito da sala de aula, que deveria ser visto como natural e desafiador, como parte do processo democrático, nos desestimula e até nos ofende. 
É esse professor que ainda está formando professores. É quem não saber ser ensinando quem vai ser.
Há algum progresso na visão de como deve ser essa formação, mas é recente a preocupação com o ser professor. Em algumas áreas ainda há muita ênfase na técnica e quase nenhuma na ética.
A educação básica ainda está centrada na cognição com ênfase na Matemática e na Linguagem. A escola não tem dado atenção ao saber-ser do aluno porque os gestores e professores, em sua maioria, não sabem ser e não pensam nessa perspectiva.
Temo que esse ufanismo da educação não nos leve a nada.
Antonio Sales
Campo Grande, 19 de dezembro de 2013.

Referências
(1)                  http://pt.wikipedia.org/wiki/Josef_Fritzl
(2)                  YOUSAFZAI, Malala; LAMB, Christina. Eu Sou Malala: a história da garota que defendeu o direito á educação e foi baleada pelo Talibã. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
(3)                  KIDDER, Rushworth M. Como tomar decisões difíceis ou como escolher na vida entre o certo e o certo. São Paulo: Gente, 2007.




domingo, 24 de novembro de 2013

SE O MÉDICO FOSSE PROFESSOR



Meu cérebro é inquieto. Mesmo não tendo sobre o que pensar, insiste em pensar. Pensa ainda que seja sobre inutilidades.
Estando cansado de pensar em coisas importantes resolvi pensar sobre como seria a vida de um médico (e de seus pacientes) se ele recebesse a mesma formação que um professor recebe ou se pensasse como pensa um professor. Quando falo em formação não estou me referendo ao conteúdo científico especifico de cada profissão. Entendo que cada profissão tem uma formação científica específica.
Estou pensando na formação ética, nas orientações sobre comportamento, naqueles aspectos da formação que escapam à discussão da ciência de referência de cada profissão.
Com base na minha experiência como professor de cursos universitários concluí que se um médico tivesse a mesma formação que eu recebi ele receitaria o mesmo remédio, e a mesma dose, para todos os pacientes. Foi assim que eu sempre fiz e que vejo alguns colegas fazendo. Ministram o mesmo conteúdo e do mesmo jeito para engenheiros (das diversas especialidades), administradores, licenciandos em matemática, turismólogos, arquitetos, estudantes das áreas de computação e onde mais existir a disciplina.
O professor leva à serio a recomendação de tratar a todos iguais, mesmo que haja idiossincrasias bem definidas e os sujeitos esperem que sejam respeitadas. O professor de Matemática, especificamente, não faz adaptações de conteúdo e nem de forma de abordagens. Alguns chegam a dizer que não sabem o que os alunos de certo curso vão fazer com aquele conteúdo, mas sabe que devem estudar para não serem reprovados.
Se um médico recebesse a mesma formação que eu recebi por preceito e por exemplo, ele se sentiria ofendido cada vez que um paciente vomitasse o remédio que ele indicou. Se o paciente tivesse reação alérgica ao medicamento indicado então esse médico teria vontade se sufocar o paciente. Mais ainda, esse médico se recusaria a tratar de um paciente cujos pais negligenciaram.
Se um médico recebesse a mesma formação que eu recebi por preceito e por exemplo, ele não saberia fazer nenhuma indicação para o pai de um adicto, não saberia a quem denunciar maus tratos a seus pacientes e ficaria bravo cada vez que um paciente  não reagisse ao tratamento indicado.
Se um médico recebesse a mesma formação que eu recebi por preceito e por exemplo, ele não teria dúvidas de que todo paciente morre por que quer morrer. Acharia culpa em todo mundo, inclusive no defunto, mas se recusaria em avaliar a sua atuação ou desejar que um novo medicamento (ou técnica cirúrgica) surgisse no mercado. Ele diria: quando me formei era assim que se fazia e assim continuarei fazendo.
Será que esqueci de alguma coisa?
Será que fui bem formado?
Antonio Sales
Nova Andradina, 23 de Novembro de 2013.

sábado, 16 de novembro de 2013

EDUCAÇÃO: ESTIMULAR O MÉRITO OU A COMPETIÇÃO?



Recentemente participei de um curso à distância. Durante o mesmo foram propostos vários temas para discussão on line. Em determinado momento um colega afirmou que um dos problemas da educação brasileira está no fato de não ser estimulada a competição. Discordei dele dizendo que era a favor da meritocracia (valorizar o mérito), mas não da competição.
Como o colega não respondeu à minha provocação fiquei sem saber se ele concordou, se não entendeu a minha posição ou se achou que eu estivesse apenas querendo ser contra dizendo a mesma coisa com outras palavras. Fiquei pensando: e se alguém disser que mérito e competição são sinônimos ou têm uma relação tão estreita que são indistinguíveis?
Enquanto pensava nessas coisas recebi a revista Veja (Edição 2347, ano 46, no46, de 13/11/2013) e nas páginas amarelas li a frase: “Quanto mais competição, melhor”.
A entrevista é com o Dr César Camacho criador da Olimpíada de Matemática que afirma também que “quem não gosta de sistemas que premiam o mérito, em geral, sabe que não reúne as condições para se sair bem”. Fiquei perplexo! Será que mérito é inseparável da competição? Falar em mérito é o mesmo que falar em competição e vice-versa?
Continuo pensando que não. Ainda penso que mérito e competição não são, necessariamente, complementares ou iguais.
Por exemplo, se meu amigo é um excelente marceneiro, tem preço compatível com o poder aquisitivo da região e atende bem os seus clientes ele tem mérito. Se eu resolvo abrir uma marcenaria nas proximidades serei seu concorrente (estarei competindo), mas se eu abrir uma oficina mecânica e me tornar excelente profissional, com preços de serviços compatíveis com o poder aquisitivo da região e atender bem os clientes também terei mérito sem estar competindo com o meu amigo.
Mais um exemplo: se numa cidade dois médicos, um cirurgião e um anestesista, fizerem uma parceria para aperfeiçoar o atendimento à população eles terão mérito, mas não estarão competindo entre si.
Por outro lado, a competição pode não ter relação com mérito. Duas pessoas mal intencionadas podem competir entre si para ver quem defrauda mais. Há competição, mas não há mérito.
No caso da educação penso que é possível falar em meritocracia sem falar em  competição. No caso da Olimpíada de Matemática, pode-se muito bem falar em mérito sem falar em competição.  Pode-se premiar o melhor em Matemática sem com isso dizer que ele é melhor do que o outro. Até mesmo porque o outro que tirou em segundo ou terceiro lugar em Matemática pode ser melhor cidadão ou o melhor em Biologia, por exemplo. O bronze em Matemática poderia ser ouro em Química se houvesse olímpiada dessa ciência.
Mas, pensando no magistério, sabemos que um professor pode ser  um “show“ nas aulas de Matemática e por isso ser apreciado pelos alunos e admirado por todos enquanto o outro é mestre em orientar os pais na educação dos filhos nas reuniões de pais da escola. É ele quem consegue aproximar os pais da escola e vice-versa fazendo surgir uma parceria produtiva criando, inclusive, um contexto favorável ao “show” do outro. Ambos têm mérito e podem ser bons parceiros de trabalho, sem competição.
Penso que o sistema não precisa estimular a competição, mas sim valorizar o mérito. Estimular iniciativas diversificadas no contexto escolar e avaliar o mérito de cada iniciativa. O que não pode é pagar todos, quer se empenhem quer não, com o mesmo salário, com os mesmos incentivos. Nem mesmo pode nivelar a todos por baixo.
Há muitas formas de ser um bom professor, de contribuir para uma boa educação e todas essas ações têm mérito. O que não vale é ficar procurando culpados para justificar a baixa produtividade, encolher-se para nada fazer além do mínimo obrigatório, trabalhar 60 horas por semana como desculpa de que não tem tempo para fazer melhor ou então não trabalhar com a desculpa de que todos ganham o mesmo salário. Para quem trabalha 60 horas o sistema poderia propor que apresentasse um projeto relevante para ocupar as 20 horas extras que trabalha. A não apresentação do projeto o isentaria do direito de se desculpar pelo baixo rendimento ou falta de compromisso com a escola. O que acontece é que em alguns lugares o mérito está na quantidade de horas passadas no local de trabalho e em outros não há mérito em nada.
É mais difícil premiar a meritocracia do que a competitividade. Na competitividade leva-se em conta um único critério e na meritocracia, vários.
 O futebol é um exemplo de competividade. O critério é o número de gols. O melhor jogador é aquele que marca mais gols. A defesa que evita a invasão do adversário não tem mérito, não é aplaudida.  O futebol é injusto. Não queremos um modelo injusto para a educação.
Na política partidária há competição. Algumas vezes a politica brasileira é injusta, ridícula e vergonhosa exatamente por ser competitiva. Se tivéssemos uma política, e consequente gestão pública, centrada no mérito muitos projetos iniciados na gestão anterior teriam continuidade ainda que o gestor fosse do partido adversário. Muitas propostas do executivo seriam aprovadas (ou rejeitadas) no legislativo ainda que ele tivesse minoria (ou maioria) e independente de contrapartidas de cunho pessoal. Mérito não é competição.
Estamos cansados de injustiça. Queremos a valorização de quem trabalha e por trabalho estamos entendendo compromisso, envolvimento, participação em debates sobre os problemas da educação, apresentação e desenvolvimento de propostas relevantes. Enfim, trabalho é transpiração.
Tenho duas experiências concluídas de trabalho em equipe que produziram bons resultados. Não havia competição entre nós, havia parceria e compromisso. Havia o desejo de fazer o melhor. Uma ocorreu, faz algum tempo, quando trabalhei como técnico na Secretaria de Educação de uma grande cidade deste Estado. A outra é recente e ocorreu em duas ocasiões em que orientei os estágios de Matemática e de Segunda Licenciatura. Uma terceira está em andamento na produção de trabalhos de pesquisa em grupo.
Penso que são trabalhos de mérito sem competição. Há cooperação, envolvimento. O mérito é de todos.
Na competição um ganha e os outros perdem. No estímulo ao mérito todos podem ganhar. Na competição estimula-se o individualismo. Na meritocracia, a cooperação.
Antonio Sales
Nova Andradina, 15 de Novembro de 2013.









domingo, 20 de outubro de 2013

REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO ELEITORAL BRASILEIRO E O PAPEL DO PROFESSOR.


Não tomarei por base a legislação vigente, mas as minhas observações dos fatos.  Por não ser um cientista social ou político falo como um observador leigo.
Tenho a impressão de que nos últimos pleitos retrocedemos no processo eleitoral. Penso que alguns comportamentos, no meu entender, retrógrados vêm se fazendo presentes sem que o povo se dê conta ou leve a sério.
Um comportamento por mim observado, já em vias de repetição, consiste em alguns eleitos ficarem “sujando” o antecessor como forma de justificar as ações rústicas e truculentas que tomarão. Para “sujar” o antecessor citam cifras vultosas e deploram ações que eles próprios praticaram ou praticam, quando no poder, sem pedir desculpas à população.
Ressaltam os defeitos do antecessor como forma de justificar a incompetência para fazer melhor ou falta de coragem para tomar posição contra  a corrupção. Discursar apontando culpados é mais fácil do que agir punindo esses culpados ou ferindo a própria carne.
Outro comportamento observado consiste em priorizar ações que geram mais publicidade do que merecem. Como  exemplo cito a construção de uma praça que ficará no abandono ou aos cuidados de malfeitores por falta de uma assistência do poder público através de um vigia.
O que se vê, normalmente, é o vigia ser contratado somente depois que a praça foi dominada pelos que a depredaram e posaram-se como donos do lugar. É evidente que, nesse caso, os malfeitores oferecerão tal resistência que não será mais vencida por um único homem. Mas, infelizmente, primeiro esperam deteriorar, esperam a população se desestimular do uso, se  ausentar, e depois fingem cuidar.
É uma forma irresponsável de agir, de gastar dinheiro no que não traz benefícios e só aumenta a falta de educação do povo.
Após esse processo todo de ausência culpam a população de falta de cuidado. Provavelmente isso acontece porque culpar a população pela depredação ou falta de interesse fica mais barato e justifica omissões.
Fica a pergunta: para que construir praças que não serão cuidadas e, consequentemente, não utilizadas pela população? Será que esperam que a escola também vá até a praça inibir malfeitores e estimular a prática da educação?
Um terceiro comportamento que no meu entender é retrógrado, corrupto mesmo, consiste no fato de apoiar mais as grandes empresas do que os pequenos empreendedores.  Exemplificando: uma empresa de ônibus que não atende bem a população com os seus horários é mantida por anos a fio em detrimento de pequenos empresários que poderiam oferecer melhor assistência.
Talvez isso aconteça porque com as grandes empresas seja mais fácil negociar patrocínios. Suponho que seja muito importante saldar dívidas eleitorais, logo, quem não pode contribuir com dinheiro deve contribuir com sacrifício. Votou, pague o preço.
Um quarto comportamento observado por mim com muito desprazer é o desequilíbrio entre os investimentos em obras físicas e os investimentos em proteção direta ao cidadão. Talvez porque nos primeiros as placas sejam mais visíveis e, consequentemente, produzem mais votos. Infelizmente o povo parece não ter aprendido dimensionar a sua própria necessidade. Talvez falte ao povo o hábito de refletir e discutir se seria preferível ter segurança numa rua sem asfalto ou ter asfalto numa rua sem segurança.
Nas campanhas também são visíveis os comportamentos imbecilizantes do povo. Um amigo informou-me que numa cidade do interior paulista um candidato tinha como slogan uma frase que dizia que para mudar o contexto era preciso mudar o jeito de votar. Sugeria, dessa forma, que votar nele seria votar diferente, votar na mudança. No entanto, não apresentou proposta, não disse por que se candidatava ou qual a sua bandeira de luta. Muita gente não percebeu que não havendo propostas não há mudança.
É estarrecedor pensar que haja quem, em pleno século XXI, esteja mais interessado em ludibriar, com um sorriso hipócrita e uma frase sem sentido, um povo sofrido e carente até de afeto.
São comportamentos assim que me reportam a tempos passados, remotos, quando o pobre era objeto de exploração exatamente pela sua pobreza. Nessa lógica o fraco deve ser espezinhado, enganado, usado como adubo para discursos, ora vazios e ora truculentos, e como degrau para se chegar aos cofres públicos.
A essas alturas o leitor pode estar perguntando: onde o professor entra nessa discussão?
É certo que ele não pode e não deve defender esta ou aquela proposta de algum candidato ou partido em sala de aula, mas pode discutir o que é uma proposta, quando uma proposta é útil e viável, o que a população deve esperar dos candidatos e assim por diante. Qual deve ser a prioridade: asfalto ou segurança? Os asfaltos têm escoamento das águas pluviais? A educação do povo se faz somente na escola ou também através da presença do poder público nas praças, nas filas e nas ruas?
A pretensa neutralidade do professor mais beneficia os corruptos do que ajuda na escolha dos melhores.
Antonio Sales
Maio de 2013