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quarta-feira, 23 de maio de 2012

NASCER AOS 80 ANOS


A ciência médica tem feito considerável progresso no que diz respeito à reprodução humana assistida. Casais que não conseguiam ter filhos hoje conseguem tê-los. Ciência é para isso mesmo: nos proporcionar  qualidade de vida.
Hoje quero falar de uma outra reprodução assistida. Estou pensando na formação profissional. Penso que formar um profissional é uma reprodução assistida. Ele vai se constituindo enquanto aprende com os seus mestres. Mestres que se mantêm em processo de aprendizagem  formam profissionais com vocação para o aprendizado. Mestres obsoletos tendem a formar profissionais obsoletos. Mestres inovadores, ousados, autônomos contribuirão para formar profissionais inovadores,  ousados e autônomos. Uma questão de “genética” social, também denominada imitação.
A gestação de um profissional na área acadêmica é mais longa do que a gestação de uma criança e o útero é a universidade. A universidade precisa ser arejada com ideias inovadoras, precisa correr em suas “veias” sangue  constamente oxigenado pelas novas teorias. Precisa passar pela crítica do fazer pelo fazer. O professor universitário, especialmente o professor de licenciatura, não pode ser um “tijolo voador”.
Pensemos agora na gestação de um professor. Ele passa quatro anos sendo submetido a um regime escasso em oxigênio. Por que afirmo isso?
Tenho observado que na sala de aula repetem-se frequentemente aos seus ouvidos velhas concepções de escola e aluno, concepções já há muito superadas,  e crenças sobre o estudo que já não mais deveriam existir.
Ainda se acredita que se aprende resolvendo  muitos exercícios, apresentados apenas com o objetivo de “fixar” e não de compreender. Exercícios que exigem repetição e, quase  sempre, pouco estimulantes do raciocínio.
A concepção de que basta saber o conteúdo para ser  professor ainda está sendo defendida por muitos. A comunicação do professor com o quadro ainda está presente. Ainda se ensina partir de definições a priori.
Dessa forma, o acadêmico é exposto à metodologia da reptição, ao ato de memorizar e repetir na prova. Ainda está copiando do quadro quando já é possível não mais perder tempo com cópias. Ainda está seguindo modelos quando há muito se propõe que deve ser ensinado a pensar.
Enfim, o acadêmico de licencitura ainda é exposto a uma metodologia de oitenta anos atrás (ou mais). Quando ele se forma, quando nasce como profissional, com que idade ele nasce? Sua constituição profissional é de que época?
Nova Andradina, 23 de maio de 2012.
Antonio Sales  profesales@hotmail.com

sábado, 12 de maio de 2012

ÀS MÃES



Dias das mães. O comércio aproveita para oferecer os seus produtos e ampliar as possibilidades de vendas. Há mal nisso? Penso que não. Nessa sociedade cada um cumpre um papel e o comércio tem o seu papel também. Um importante papel. Imagine uma sociedade sem comércio! 
Não podemos condenar o comércio simplesmente pelos atrativos e ofertas que oferece. Ninguém que trabalha com integridade e traz contribuições para a sociedade deve ser alijado, condenado, por trabalhar. Se os nossos filhos estão podendo comprar mais, parabéns para nós. Que deem presentes para as mães. Elas merecem. Vamos orientá-los a comprar o necessário, mas é bom que tenham opções.
É certo que devemos defender um consumo sustentável, mas isso é questão de educação para a cidadania. O comércio, por sua vez,  não pode enganar, mas pode fazer propostas decentes, promoções, etc.
Mas hoje quero falar das mães e para as mães.
Não entendo o que significa ser mãe. Foi-me negado o privilégio da maternidade, mas me foi concedido o privilégio de ser pai. Sei o que é ser pai, sei como se sente  um pai, mas imagino que não é a mesma coisa que ser mãe.
Ela carrega o filho no ventre e o alimenta com o seu corpo. Isso deve fazer uma diferença significativa entre maternidade e paternidade.
Não sei nem mesmo qual a intensidade da "cólica" produzida pela "síndrome do útero vazio", aquele útero que por anos se preparou, mensalmente,  para  receber um  filho e não  o recebeu. Suponho até mesmo que haja uma depressão de origem uterina. De onde seria ela proveniente? Do sentimento de inutilidade do útero? Do vazio existencial desse útero?
Um filho produzido em outro útero supre essa carência? Não sei.
Paul Tournier, psiquiatra suíço, diz que o ventre influencia  nas decisões das mulheres. Para dizer isso ele tomou por base o depoimento de muitas mulheres intelectuais. Ele afirma que as mulheres pensam também com o ventre.
Mas há muitas mães:
Há a mãe do filho indesejado, não panejado. O filho que foi resultado de um sêmen que penetrou no seu corpo sem a sua permissão. O filho que foi gerado por descuido ou o resultado de um sacrifício feito para agradar um homem que não merecia o seu agrado.
Como é carregar essa criança no ventre por tanto tempo e depois cuidar dele como se desejado fosse? Alguém sabe dizer como isso é possível? O que significa viver "amarrado" a alguém cuja presença não desejou? É possível nutri-lo com prazer?
Como se pode o amar o indesejado? Só ela sabe dizer.
Há a mãe do filho planejado. Qual a sensação de produzir, abrigar, nutrir com o próprio corpo uma vida que surgiu como resultado deu um desejo, de um sonho, de um planejamento? Recebi hoje (no dia em que escrevo) o e-mail de uma aluna se justificando pela sua ausência na minha aula. O seu filho deve nascer por esses dias, talvez esteja nascendo hoje (dias das mães). Desejei-lhe sucesso no parto. A aula  é assunto que se discute depois. Na última aula que esteve presente a sua barriga denunciava um parto iminente e o seu sorriso era contagiante.  Fiquei imaginando como será a sua alegria ao ver o bebê sorrindo ou mesmo ouvir o seu primeiro choro. Qual o significado de acompanhar os seus  primeiros passinhos? E de vê-lo depois seguindo o seu próprio caminho? Quem pode compreender a grandeza dessa vida que o gerou e nutriu? O que significa tudo isso?
Há a mãe do filho que nasce. Seu útero nunca mais será vazio. Nunca mais ela sentirá a "cólica" proveniente “do útero vazio”.  A maioria das mães tem esse privilégio.
Há a mãe do filho que não nasceu. Esse útero è vazio ou não vazio? O filho que não chorou preenche o vazio do útero? O filho que morreu antes de vir à luz confere à mulher o status de mãe? Só ela sabe dizer.
Há a mãe que, na ausência do pai, assume também a paternidade e, sem descuidar do afeto, cuida ainda dos aspectos formativos e protetores que caberiam ao pai cuidar. Nesses casos, fazem tripla ou quádrupla jornada.
Há a mãe do filho desejado que "dá certo". Filho que se torna homem (ou mulher) bem sucedido nos empreendimentos econômicos ou intelectuais e, sobretudo, que age nos moldes da moralidade.
Há a mãe do filho desejado que “não dá certo". Aquele filho que se desvia pelo caminho das drogas, da corrupção, da embriaguez, da marginalidade, etc. Que foge ao ideal da sociedade e da família.
Tenho acompanhado alguns desses casos. Tenho visto a dor dessas mães, mas não sei dimensionar a sua profundidade ou extensão. Sei que há muito sentimento de culpa, mas não sei se há algum misto de frustração, ódio ou rancor.
Na realidade não sei o que sentem essas mães. Quisera saber para ajudar mais, para compreender, para sorrir ou chorar com elas no tempo certo.
A mulher que por altruísmo, ou por interesse econômico, empresta a barriga para que outra mulher possa ser mãe também é mãe?
Diante de tanto mistério como me posicionar? Diante de tanta grandeza e de tanta importância de alguém para a vida humana o que me resta dizer?
Feliz Dia Das Mães!

Nova Andradina, 10 de maio de 2012.
Antonio Sales       profesales@hotmail.com

sábado, 5 de maio de 2012

EDUCAÇÃO É COISA PARA A FAMÍLIA?-II



Ao escrever sobre os vários temas  tenho consciência da dificuldade que alguns deles  apresentam para serem operacionalizados. Não quero que os colegas suponham que eu daria conta, tranquilamente, de operacionalizá-los.  Sei que em muitos casos  a operacionalização não depende somente do professor. O contexto social no qual atua oferece as suas  barreiras, a cultura geral da nossa população ainda é de valorizar mais outros profissionais do que o professor. É possível que muitos pais acreditem mais no que disser um médico do que no que disser um professor sobre a educação dos seus filhos.
Tenho consciência que esse tema que estou abordando (a escola  orientar os pais na educação dos seus filhos) é um desses temas difíceis de serem operacionalizados. Apesar de ter essa consciência sinto-me no dever de escrever sobre a responsabilidade do professor em ajudar as famílias na educação dos filhos. Não desisto da ideia.
Alguns leitores, após a leitura do primeiro texto, fizeram observações interessantes. Um alertou para o fato de que deveria começar pela formação do professor porque ele não está preparado para essa tarefa.
Ninguém está preparado e nunca estará se não começar. Sem se envolver no processo ninguém se prepara. Penso que a formação  é um segundo passo. Primeiro surgiu a necessidade da escola para depois pensar na formação do professor. Não creio que tenham criado a escola para dar emprego algum professor  formado. Primeiro apareceu  a dor  de cabeça para depois se pensar em produzir o remédio. É sempre assim.
Esse discurso de que primeiro tem que preparar o professor para depois trazer inovação para a escola parece-me muito frágil. Primeiro o problema, depois a solução. Solução emergencial (“quebra-galho”) no início e depois se teoriza e forma o profissional.
É assim que concebo a dinâmica da sociedade.
Outro leitor  assim se expressou:
 “[...] na sociedade contemporânea aqui no Brasil o professor precisa ser três em um, MESTRE  dominar a matéria, EDUCADOR  proporcionar meios para o aluno assimilar e CIDADÃO considerar em seu trabalho a [legislação]” .    
Raciocínio perfeito. Tão perfeito que se aplica a todas as profissões.  Entendo que todo profissional que se preza leva em conta esses três fatores.     
Um professor que não é cidadão não forma cidadãos. Um professor que não conhece a legislação pertinente não sabe o que fazer diante da indiscplina.
Tenho visto professores se referirem ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) com uma expressão de nojo: pronunciam ECA como se  tivessem alertando de que se trata de uma “caca” como se faz com crianças quando se quer produzir nojo, por algo,  nelas.
Lamento que nós não conheçamos o ECA.
Por não ser jurista não posso julgar a pertinência dessa lei e, nem mesmo, apontar possíveis falhas ou inconvenientes nela. Mas creio que as há, já que nada é perfeito. Acredito até na necessidade de uma atualização na mesma uma vez que a sociedade é dinâmica e alguns anos já se passaram desde a sua formulação.
No entanto, é a lei que está posta e até que se mude é por ela que devemos nos pautar. Precisamos, portanto, conhecê-la.
 Ao visitar uma escola a diretora que estava às voltas com problemas com alunos indisciplinados  me recebeu perguntando o que fazer quando se vai corrigir um aluno e ele cita o ECA em sua defesa.
Iniciei a conversa propondo que ela pensasse nas seguintes questões: o aluno cita o Eca ou faz referência [vaga] a ele? Ele conhece o ECA ou aposta na nossa ignorância? Ela tinha um ECA sobre a mesa para mostrar ao aluno que ela também o conhecia? Já havia pedido a algum aluno para mostrar onde estava escrito o que ele havia dito?  Já havia promovido uma discussão com os professores sobre o ECA? Já  havia convidado um especialista para falar aos professores sobre o ECA?
Na Universidade onde coordeno Estágio Supervisionado temos convidado,  todos os anos,  um especialista ou uma instituição para falar aos estagiários sobre o tema e não temos encontrado dificuldades em conseguir. Já tivemos palestras com o Juiz da Vara da Infância e da Juventude, com o Promotor da mesma vara, com instituições que  trabalham com proteção da criança e com conselhos tutelares. Essas palestras têm sido muito produtivas. Penso que estamos preparando o aluno para conhecer a legislação. E isso pode ser feito em qualquer escola desde que os professores compareçam para participar.
É preciso começar por algum lugar. O que não podemos é cruzar os braços e ficar chorando “na beira da estrada”.
Antes de concluir convido o leitor a consultar o que escrevi em  http://eticadocentesales.blogspot.com.br/2011/10/os-direitos-da-crianca-e-do-adolescente.html

Nova Andradina, 03 de maio de 2012.
Antonio Sales              profesales@hotmail.com