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sábado, 18 de agosto de 2012

O TOSCO



“Tosco”(*) é o título de um livro escrito pelo “Filósofo, Teólogo e Psicólogo” Gilberto Mattje. Trata-se de uma narrativa agradável cujo personagem central é um menino, produto de uma gestação moralmente tumultuada, sendo o pai um bêbado e a mãe uma “biscate”. Finalmente ele recebe o apelido de Tosco, o “mal-acabado”.
A estória muito interessante descreve a trajetória  turbulenta do garoto pelos meandros das drogas e da violência e que tem um final feliz com a amizade do professor Jeferson, de Educação Física, que resolve investir no rapaz.
A mensagem direta é clara. Ele se tornou rebelde por culpa da família desestruturada e permaneceu longo tempo assim porque a escola não soube lidar com o problema.
A mensagem indireta também não deixa margem para dúvidas. Quando o professor resolver fazer algo pelos seus alunos, investir neles, a droga cede espaço e a paz reina soberana. Aliás, o problema é a escola e a família, os professores e os pais. Ninguém mais precisa fazer nada, nem mesmo o adicto e violento, para que o problema seja resolvido. O Estado está isento. O aparato judiciário, enfim, poderá descansar em paz porque a escola  dará conta do problema. Basta o amor, o afeto ou amizade do professor e da família.
Não tenho a intenção de negar essa possibilidade de cura pelo afeto especialmente porque suponho que o autor, com o preparo intelectual que tem, deve ter embasamento científico para o que escreve. Li e recomendo a leitura. Sugiro que se experimente a tática do professor Jeferson e de outros exemplos do livro. Que ela seja posta em prática por todos integrantes da escola. Nunca se perde por apostar no ser humano ainda que não resulte no esperado.
Quero, no entanto, levantar  algumas questões que o autor não respondeu e talvez não tenha mesmo sido essa a sua intenção. Sua intenção, ao que parece, era mostrar uma das múltiplas faces da violência  e da cura. Foi feliz no que se propôs.
Minha intenção é mostrar outras faces do mesmo problema. O caminho para as drogas e para rebeldia não é único. A motivação para permanecer  doente ou para procurar cura também provém de  múltiplas fontes. Embora eu acredite no poder do amor, creia fortemente na força propulsora da amizade e no valor da aposta no ser humano, não acredito na existência da deusa Panacéia. Não considero prudente isentar a família e a escola de responsabilidades, mas também não considero justo colocar nas mãos deles a solução para todos os problemas do gênero.
Não sou psicólogo e não tenho experiência direta no trato com pessoas adictas. Sou voluntário, faz alguns anos,  do “Grupo de Apoio Amor Exigente” que trabalha com  a família dos adictos procurando aliviar o fardo que pesa sobre os ombros delas.
Muitas vezes coube-me a tarefa de fazer  o “primeiro acolhimento” e dar as boas vindas ao casal que vem à reunião do grupo em busca de apoio. Tenho recebido pais que chegam carregados de culpa porque foram “bons” pais. Procuraram tratar o filho com carinho, protegê-lo, e agora se perguntam: onde erramos? Famílias bem estruturadas deram, na concepção deles, uma atenção extremada, confiaram demais no filho, e agora se sentem traídos.
Às vezes o adicto  é filho único. Outras vezes é o querido caçula. Há casos em que é o único menino num grupo de meninas ou vice-versa ou tem certa fragilidade física, etc. O certo é que o trataram muito bem e o “estragaram”.
Conforme se pode ver o meu pressuposto de  que o caminho para as drogas não é único se confirma na prática. Conhecemos pessoalmente casos de jovens gestados em lares marcados pelo vício do álcool e pelas desavenças que, no entanto,  detestam o vício, detestam a vida que levaram e querem constituir uma família diferente da que viveram. Felizmente, os motivos para não usar drogas ou para sair delas também são múltiplos. O curioso é que, muitas vezes,  os motivos alegados por uns  para evitar são os mesmos alegados por outros para usar.  
Conheço pessoalmente, pela minha vivência no Grupo de Apoio, muitos pais que salvaram o filho adicto com medidas  duras, com o corte de privilégios. Cercado pela união da família e vendo a posição firme do chefe da casa ele pediu tratamento e se recuperou. Fato interessante: uma vez tratado retoma o diálogo com os pais  e confessa que era um chantagista, um aproveitador da bondade deles.
Onde quero chegar?
Quero afirmar que garantir que o afeto ou a amizade é suficiente, por si só, para recuperar um adicto e mudar a postura de um violento é simplismo. Outras medidas precisam ser tomadas e para quem faz um trabalho coletivo, como é caso dos professores, é praticamente impossível diagnosticar a necessidade de cada um: se é de afeto ou de pulso firme. Soma–se a isso o que já foi mencionado em texto anterior  que a sociedade não permite ao professor tratar o aluno com firmeza, colocá-lo no lugar de aluno.
Sabendo que o professor tem essa limitação, essa ausência de autonomia, os alunos agressivos zombam, chantageiam e abusam.
Interessante destacar que existem autores (KANITZ, 2009; NUÑES, 2005; HERE 2009) que não veem no  afeto a força suficiente para curar esse mal. Os casos devem ser tratados individualmente.
Campo Grande, 21 de julho de 2012.
Antonio Sales  profesales@hotmail.com
Referências
HERE, Robert. Psicopatas no divã. Veja. Edição 2100, Ano 42, Número 13, 1º/4/2009 (Páginas amarelas). (O autor é psicólogo canadense especialista em psicopatias)
KANITZ. Stephen. Violência Simétrica. Disponível em: <  http://blog.kanitz.com.br/2009/06/viol%C3%AAncia-assim%C3%A9trica-ii.html  acesso em 187/06/2009
NUÑES, Miguel Ángel. Amores que matam. Tatuí (SP):Casa Publicadora Brasileira, 2005.
(*) MATTJE, Gilberto Dari. Tosco. Campo Grande, MS: Gráfica Alvorada, 2009.