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terça-feira, 11 de novembro de 2014

PROFESSORES DERROTADOS NAS URNAS



Recentemente escrevi um lamento sobre os bons professores, sobre aqueles que se esforçam para, além de iniciar o aluno nas ciências, também educar, cultivar valores, induzir a um comportamento ético. O meu lamento tinha como motivo o resultado das eleições de 2014 onde, no meu entender, a sociedade havia se revelado contrária aos valores tradicionais ao votar no partido que havia traído os próprios ideais, os ideais  que tinha defendido durante décadas.  Citei algumas evidências e  uma das citadas por mim foi o tratamento dispensado aos “mensaleiros”, o que chamei de heroificação dos mesmos, heroificação dos corruptos.
Imediatamente um amigo, pessoa culta e por quem tenho grande apreço, me alertou sobre a superficialidade do meu discurso. Para ajudar a me situar no problema indicou a leitura de um livro (1) escrito por um respeitado jornalista.
Agradeço ao amigo pelo alerta. É no confronto de ideias que nós crescemos. Quando alguém se dispõe a nos alertar de algo que, supostamente,  não fizemos bem feito é porque nos respeita. Após os eu alerta fiquei com a pergunta: como fui superficial se tomei por base um fato transitado em julgado pela Suprema Corte do País e amplamente divulgado pela imprensa?
De qualquer modo penso que vale a pena conhecer outra versão da história e, a partir deste ponto, retomo o assunto tratado tendo com referência o livro indicado.
O autor, um jornalista que, segundo ele, procurou permanecer neutro durante o processo de julgamento do mensalão, nos alerta de que este foi muito contraditório e que, portanto, os “mensaleiros” talvez não merecessem a pena que receberam  ou a carga  de condenação de que foram alvo.
Estou certo de que é possível admitir que o processo tenha sido mesmo contraditório, por várias razões. Uma delas é que normalmente as pessoas que têm  experiência na vida política brasileira são suficientemente espertas para cometer erros sem deixar marcas fáceis de serem detectadas. Normalmente os corruptos são pessoas  inteligentes e têm advogados altamente habilitados. O julgamento não devia mesmo ter sido tranquilo.  
Com razão a jornalista afirmou: “Por  diversas  vezes  se  disse  que  as  provas  eram  tênues,   que  as   provas  eram frágeis”(p.15).   E continua: “Mas  o  julgamento  deixou  de  lado  empresas  e  grupos  econômicos  que  fizeram contribuições  ao  esquema,   tão  condenáveis,   do  ponto  de  vista   legal,   como  os primeiros,   pois  em  todos  os  casos  pode-se  alegar  que  se  buscava   comprar  favores  e atenções  especiais  do  governo.   A  CPMI  dos  Correios  apontou  sete  empresas  privadas que  contribuíram  com  R$ 200  milhões  para   as  empresas  de  Marcos  Valério.   Nenhum de seus executivos foi indiciado na  Ação Penal 470”  (p.17). 
Na realidade percebe-se que o esquema era mais complexo do que podemos imaginar e que se não foi fácil condenar um grupo teria sido mais difícil se tivesse tentado abarcar o todo. Se o SUPREMO tivesse tentado abarcar o todo talvez o crime teria sido prescrito sem nenhum condenado. Essa é uma conjetura minha e estou ciente que não me cabe a tarefa de julgar. Fica mais uma pergunta: por que o partido que se sentiu tão ofendido com o julgamento  dos seus pares, não exigiu, após a punição destes, que o processo continuasse?
Mas a minha decepção com o partido não se limita a esse fato isolado, embora tenha sido desencadeada por ele. O baixo nível da campanha eleitoral inaugurado pelo Ex-presidente da República, que é presidente de honra do partido, e desencadeando de  todo um processo de baixaria mostra que tenho razão para estar decepcionado. O nível baixo chegou ao nosso estado afetando o comportamento do candidato do partido, que era o meu preferido.
No meu texto eu deixava claro que a minha decepção é com o partido  e continuo decepcionado. Enumero aqui as razões com base na leitura do livro citado.
Na p. 18 o autor se reporta ao Presidente da época afirmando que:
  “O  que  o  PT  fez  do  ponto  de vista  eleitoral é o que é feito no Brasil,  sistematicamente”.
 A afirmação é inquestionável do ponto de vista da sua veracidade, porém, questionável quanto ao objetivo. Que a corrupção brasileira não é invenção do partido dos trabalhadores é evidente. O que há de decepcionante é o Presidente ter usado esse argumento para justificar o mensalão ou o envolvimento de membros do seu partido no mesmo. Ele que levantara a bandeira da moralidade deveria ter lamentado a situação, lamentado o fato do seu partido não ter conseguido romper com a corrente que herdara. Jamais usaria o fato para justificar-se. Não era exatamente isso que o seu partido se propunha a combater?
Quando o problema veio à tona ele disse que não sabia  de nada. O que é justificável tendo em vista que, como disse Kanitz certa vez, a corrupção é como um rio subterrâneo que corre sem ser visto. Portando, não é o que ele disse que está errado, é o modo como disse e o objetivo da fala. Procedeu como aquele pai que não quer se responsabilizar pelas atitudes dos filhos (que nós professores bem conhecemos) e usa essa expressão para dizer: se não vi não é da minha conta. A sucessora foi muito mais nobre do que ele. Ao estourar o problema da Petrobrás ela, embora também afirmasse não saber, se prontificou em punir os culpados que a justiça definir como tais.  Talvez seja uma resposta apenas eleitoreira, mas expressou, pelo menos oportunamente, indignação.
Mas o autor do livro continua afirmando que o “tratamento  mostra   a   manutenção  de  um  comportamento  convencional.   As autoridades  acusadas  como  corruptas  foram  julgadas  e  condenadas,   mas  se  manteve uma   postura   de  tolerância   em  relação  a   possíveis  corruptores,   que  têm  poder  para tentar dobrar o Estado a  seus interesses” (p. 17).
  Lamentável em todos os sentidos e pode-se perguntar: por que o partido, que estava no poder, ao invés de gastar energia heroificando os que foram condenados, não cobrou uma postura enérgica do SUPREMO no sentido de punir  também os outros envolvidos? Foi conveniente para ele? Abre brecha para justificar os seus erros futuros, assim como o fato de outros do passado não terem sido condenados autorizou o Presidente a  justificar ocorrido?
Estou decepcionado porque as falas não são de quem tem razão, mas de quem quer se desculpar. Não são falas de propostas, são falas de ataque. Não é um discurso de patriotismo, é uma fala em defesa do partido. Não são falas intelectuais, são falas populistas. Tenho pressentimentos de que, como disse Otero (2), estão usando a  democracia para acabar com a democracia “estratégia comum dos populistas na Venezuela, Nicarágua, Equador, Bolívia e Argentina”.
Quanto ao autor do livro, não tenho dúvidas da sua capacidade técnica, mas questiono a sua pretensa imparcialidade.

Antonio Sales     profeslaes@hotmail.com
Campo grande, 09 de novembro de 2014.
(1)                      LEITE, Paulo Moreira. A Outra História do Mensalão: as contradições de um julgamento político. São Paulo: Geração, 2013. (E-Book disponível em: < http://www.acao470.com.br/wp-content/uploads/2013/12/A-Outra-Historia-do-Mensalao-Paulo-Moreira-Leite.pdf > Acesso em: 02 nov. 2014).

(2) OTERO, Miguel Henrique. “Bolsa Hoje, Fome Amanhã”. Veja. Edição 2398. Ano 47.  Nº 45.  05 de novembro de 2014. (Páginas Amarelas).

sábado, 1 de novembro de 2014

AOS PROFESSORES QUE FORAM DERROTADOS NAS URNAS

Na classe do Magistério conheço muitos colegas que são bons profissionais, que sonham com uma sociedade mais justa e procuram construir essa sociedade em seu trabalho diário com os alunos. Além de cumprirem os seus deveres profissionais básicos de oportunizar aos estudantes o acesso ao mundo científico e cultural, procuram construir valores. Discursam e exemplificam como seria o viver em uma sociedade civilizada onde o respeito seria o fator dominante.
São professores que mereciam subir no pódio para receber aplausos e comendas e, no entanto, esses professores sofreram um duro golpe desferido pela sociedade nas eleições deste ano, especialmente a que ocorreu no dia 26/10/2014.
Ao preferir o candidato cujo partido “heroificou” os “mensaleiros”,  aqueles que fraudaram a nação e desdenharam da justiça, a sociedade transmitiu a esses professores a seguinte mensagem: não ensinem honestidade e respeito para com as instituições democráticas. O que vale é estar no poder e usufruir das benesses dele. Isso está sobre todos os valores.
Ao preferir o candidato cujo partido incrementou o bolsa família nos últimos dias da campanha, disponibilizando grande soma de dinheiro público para beneficiar eleitores que não estavam em situação de risco iminente, a sociedade disse a esses professores: não condenem o suborno, compactuem com a compra de votos.
Ao preferir o candidato cujo partido inaugurou e incrementou o nível baixo, deselegante, da campanha a sociedade disse a esses professores: não nos falem de ética ou de respeito, preferimos a não civilização. 
Ao preferir o candidato que se negou em responder questões cruciais, como a sua posição sobre os “mensaleiros”, a sociedade disse a esses professores: não nos digam que devemos ser verdadeiros, transparentes e abominar a fraude.
Ao preferir o candidato que fugiu da oportunidade (embora cobrado muitas vezes)  de se manifestar sobre a condição dos aposentados que contribuíram, por muitos anos, com mais de um salário mínimo e hoje veem os seus soldos serem reduzidos anualmente  até se igualarem ao mínimo, a sociedade disse a esses professores: o bolsa família é suficiente, ninguém precisa ganhar mais do que isso. Por favor, não nos falem de justiça ou de direitos adquiridos.

Ao preferir o candidato cujo partido praticou o terrorismo eleitoral, a sociedade disse a esses professores: por favor, não falem de respeito aos nossos filhos porque queremos trapaça. A verdade não nos interessa.
O consolo  que nos resta, caros colegas, é que perder um batalha não significa ter perdido a guerra, embora fique bem mais difícil vencer depois. O desânimo da “tropa” pode ser contagiante. Resta-nos agora não nos deixar abater e prosseguir com o nosso ideal. Talvez não sejamos vencedores, mas, pelo menos, sejamos uma pedra que dificulte essa avalanche de mediocridade.

Antonio Sales         profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 1o de novembro de 2014.


quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O DESENCANTO COM A EDUCAÇÃO



Goergen (*) começa o seu livro falando do desencantamento com a modernidade pelo que esta trouxe nos lombos de dois "cavalos  fogosos" como ele cognominou a ciência e a tecnologia. Os dois cavalos trouxeram em suas  preciosas cargas  abismos assustadores ou seja as "dicotomias individuais e sociais" tais como a pobreza e a riqueza, a fartura e a fome, a saúde e a ausência de assistência,  o excesso de informação e a precariedade da educação.
Penso que esse descantamento também ocorre com relação à educação. Esta vem carregada por uma carruagem puxada por vários pangarés mal domados, tais como: salários baixos, formação precária, ética inexistente, cultura perversa de tirar vantagem em tudo ou estar de bem sempre, sobrecarga de trabalho e excesso de responsabilidade, ausência de base material para desenvolver o trabalho, desilusão, etc.
Por um lado clamamos por mais recursos financeiros (salários) que, com certeza, nos colocará em condição de melhorar a nossa própria formação, reduzir um pouco a nossa carga de trabalho, dar melhor assistência à nossa família e dar mais contribuição à comunidade onde estamos inseridos.
Por outro lado, sentimos um frio na barriga porque temos consciência de que não são recursos financeiros para a escola ou melhores salários para os professores que levarão os alunos à aprendizagem. Temos consciência de que não sabemos o que  oferecer  à nossa comunidade. Nós que temos a função de desalienar os nossos estudantes, somos,  nós mesmos, alienados.
 Nossos discursos repetitivos, mesmo quando centrados em teóricos, revelam a nossa incapacidade de operacionalizar a educação dos nossos alunos. Nossa dependência de regras fixas e ações fiscalizadoras para que realizemos o nosso trabalho responsavelmente mostra a nossa carência de autonomia moral e, ao mesmo tempo, nossa alienação politica.
Essa alienação política está também  presente na nossa ausência nos conselhos municipais onde podemos opinar. Não vamos lá porque não sabemos da existência, porque não sabemos o que fazer, porque não temos tempo ou porque não estamos dispostos a dedicar tempo a essas coisas. Em outras palavras: não somos  politizados.
O poder público em contrapartida tenta resolver o problema baixando os famosos “pacotes” forçando a educação a não parar ou a não retroceder, mas não são "pacotes" produzidos nas secretarias, não são planejamentos controlados que produzem mudanças. O que produz mudanças é o compromisso dos sujeitos amparados por condições de trabalhos (internet nas escolas, sala de professores com espaço para exposição dos materiais didáticos, etc.). Sujeitos conscientes e comprometidos operam mudanças enquanto "pacotes" mesmo quando baixados pelos órgãos competentes, produzem lamúrias nas "almas" vazias de sentido. Há que se acrescentar ainda que ordens de trabalho sem as condições correspondentes são pouco favoráveis.
Não adianta a escola ter material didático para ficar guardado na sala da direção  por falta de espaço na sala de professores. Não ajuda diário online se a internet da escola não comporta a ação der vários professores ao mesmo tempo.
Não é preciso ser  muito  entendido para perceber que somos produtos de uma construção (ou descontração?) perversa que nos colocou na posição de vítimas, de coitadinhos, de famintos crônicos de pão e saber. Vamos para a faculdade de licenciatura por falta de opção e lá nos ensinam o que não precisamos aprender, não nos colocam frente a frente com o ser professor da educação básica (exceto no curto período dos estágios), não nos ensinam a pensar e nem nos colocam na posição de um sujeito político, de direitos. Dizendo em outras palavras, nos mediocrizam ainda mais. É lá na universidade que aprendemos a não valorizar o social e nem a gerenciar conflitos. É nessa mesma universidade que nossos direitos não  são respeitados e não temos a quem recorrer.  Professores chegam atrasados e não reclamamos porque a presença deles não nos acrescenta.
É na universidade que o professor não consegue estabelecer relações entre a ciência e o social e nos deixa desprovidos dessa importante informação e formação.
É na universidade que se aprende que não é importante ser professor, que devemos buscar outros caminhos, enveredar pela pós-graduação não como forma de aperfeiçoamento profissional, mas como meio de uma possível fuga da profissão.
É lá que temos professores que não queriam ser professores nos ensinando a "professorar". É lá que temos professores que se tornaram tal porque não conseguem sobreviver do que escolheram ser.
Esses fatores nos alienam e saímos de lá supondo que basta um bom salário para que sejamos felizes, competentes, respeitados.  Saímos de lá sem saber a quem recorrer quando as coisas não funcionam na escola.
Apesar de tudo isso se atribui à educação a responsabilidade de mudar os rumos do país e nos embrenhamos  nesse discurso sem perceber que as mudanças mais significativas são produzidas pela política. É pela militância que os grupos conseguem direitos e se impõem. É pela educação popular que  encontram os caminhos. A educação formal tem produzido técnicos (alguns necessários e importantes  como os bioquímicos, cirurgiões, engenheiros, etc.), mas não produz militância, não ensina  reverter decisões políticas e não ensina transformar a sociedade.
Precisamos aprender a ser professor.
Antonio  Sales         profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 27 de junho de 2013.

(*)GOERGEN, Pedro. Pós-modernidade, Ética e Educação. 2.ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.


segunda-feira, 29 de setembro de 2014

UMA SOCIEDADE SEM VALORES

Algumas sociedades são marcadas pela antiguidade das suas ideias. São influenciadas por um único livro, um único ideólogo ou profeta e se mantém quase inalterada por séculos. A mulher é objeto, os homens detêm o poder, os de fora são sacrílegos. São sociedades perigosas porque dão abrigo a extremistas. Nessas sociedades a justiça é ágil, mas não leva muito em conta os direitos humanos e está a serviço do poder. A opinião pública não conta e a distribuição de renda é desfavorável ao pobre.
Há sociedades moderadas, como algumas da Europa, por exemplo. São influenciadas por muitos livros, muitos ideólogos, são participativas, e convivem com avanços e recuos em suas decisões. Há muita tensão, mas há um estado de bem-estar social, as instituições tendem a funcionar bem e desfrutam de um certo grau de respeito. A justiça é ágil, levando em conta os direitos humanos, a saúde é para todos e ocorre uma melhor distribuição de renda.
Algumas sociedades não se encaixam em nenhum desses perfis, como a brasileira, por exemplo. Aqui não convivemos com avanços e recuos explícitos em nossas decisões, porque não decidimos. Não temos opinião própria e somos capazes de fazer o chamado "voto de protesto" mesmo que seja contra o povo. Se alguém for à televisão e defender a liberação da maconha, no dia seguinte o Congresso já pode oficializar porque tem apoio da maioria. Somos o povo de quase nenhum livro, não temos ideólogos, não somos participativos. As conferências públicas sobre saúde, meio ambiente, educação, etc., contam com pouca participação popular e as decisões podem ser alteradas sem que percebamos ou nos interessemos em saber as razões. O alunos protestam contra o professor  riscando o seu carro, "matando aula" ou xingando-o e não exigindo qualidade, melhor tratamento ou reposição de conteúdo mal explicado.
Preferimos R$50,00 ou menos uma vez a cada dois anos (nas eleições) do que policiamento ostensivo nas ruas e maior segurança. Preferimos a humilhação de uma reprovação silenciosa na escola à uma manifestação pública que possa mudar o rumo da escola ou da universidade.
Seguimos a maioria quando esta vai â imprensa falar mal de policiais que fizerem enfrentamento agressivos, aceitamos que nos culpem quando o bandido nos assalta ou tire a vida de nosso próximo, mas não nos manifestamos contra à discrepância daquele que dizem que o bandido atirou porque nos assustamos ou gritamos. Aceitamos passivamente que  vítima não tenha o direito de ter medo, de se assustar ou clamar por socorro. O bandido pode planejar e fazer o que quiser, mas a vítima não pode sequer ter medo.
Sentimo-nos horrorizados quando um profissional erra mesmo que tenha sido forçado a isso por alguém ou um grupo mal intencionado, mas não nos perguntamos porque o outro provocou aquele distúrbio.
Não sou favorável a abusos de poder ou comportamento impróprio por parte de quem está sendo pago para bem atender, mas não consigo entender que ele possa ser tratado com grosseria por quem precisa do seu serviço. Ambos cometem equívocos e deslizes e são dignos de repugnância social quando assim procedem. No entanto, fico indignado quando simplesmente somos contra quem trabalha, como se ele não tivesse mais nenhum direito além do salário.
Uma coisa, porém, me intriga mais do que tudo nesta sociedade brasileira. Como se não bastasse essa indefinição de papéis que se presencia nas relações familiares e escolares, chegamos ao cúmulo de transformar bandidos em heróis. 
Recentemente ouvi de um movimento em homenagem aos 111 (cento e onze) homens que morreram no Carandiru há algum tempo, vítimas de uma invasão policial para debelar um rebelião. Uma vez que os policiais já foram julgados e condenados pelo morticínio a homenagem aos que morreram naquela ocasião mais se parece como uma forma de tripudiar sobre os policiais envolvidos no processo, como se eles fossem os únicos verdadeiros bandidos naquele confronto.
Ninguém pergunta porque os que morreram estavam presos, quem provocou o desastre (se os policiais ou os presos), se havia alternativa menos dramática aos policiais, se não estamos apenas fazendo mais um protesto à semelhança daquele dos presos; um protesto que mais irrita e que mais revela a nossa discrepância do que busca solução ou faz justiça.
É uma homenagem que transforma bandidos em heróis, apenas porque foram mortos por policiais durante uma invasão destes na cadeia onde os outros se degolavam, etc. Por que os que morreram degolados pelos colegas também não são heróis?
Penso que já sei. É porque ouvimos falar que o diálogo resolve todos os problemas, mesmo quando dialogamos com que não quer diálogo como os terroristas, os trapaceiros, os ditadores, os aproveitadores, os traficantes. Fico sem saber se somos ingênuos ou acomodados, se somos crédulos ou mentecaptos. O que sei é que deixamos acontecer e  “engolimos” qualquer opinião,  divulgamos qualquer notícia, votamos em qualquer um, rimos de qualquer engraçadinho  e nos tornamos presas de qualquer charlatão.
Essa forma de agir e de protestar, presentes em nossa sociedade, acrescidas da ação dos black blocs nas manifestações pacíficas, mostram que somos um sociedade sem valores.
Antonio Sales       profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 29 de setembro de 2014.


domingo, 10 de agosto de 2014

CONTEÚDOS DE ENSINO

Zabala(*), escreve que o ensino formal está centrado em conteúdos cognitivos e, de forma muita explícita, afirma que esse conteúdo é constituído de certos saberes tradicionais.
No campo da matemática ainda hoje se ensina fração como se ela fosse essencial à sobrevivência do sujeito ou necessária à sua intelectualidade. Gasta-se um tempo considerável ensinando racionalizar frações como se necessário fosse para entender outros conteúdos ou como se uma fração irracional não fosse número. O verdadeiro sentido de se proceder a racionalização não é discutido nem nos cursos de graduação, mas ela é ensinada no nível fundamental de forma mecânica e como uma obrigatoriedade. É como se o intelecto fosse mais o importante da vida e como se os alunos não tivessem corpo, vizinhos, irmãos, amigos, etc., e até alguns conflitos para serem administrados.
O próprio Zabala discute a necessidade de se aprender conteúdos atitudinais. Esse termo não é estranho à maioria dos professores, estranho é o processo de ensino desses conteúdos. Sempre que se fala sobre eles percebe-se no olhar do professor um vazio que interroga: como?
Alguns chegam a pensar que isso é tarefa dos pais. É certo que cabe a eles parte dessa tarefa, mas a escola tem também o dever de ensinar esses conteúdos porque é ali, na sala de aula e no pátio da escola, que o aluno tem contato com uma maior diversidade de pessoas e com os conteúdos formais. Ali, no espaço escolar, ele vive uma dimensão mais ampla dos seus relacionamentos interpessoais e intrapessoais. É nesse espaço que mais se faz necessário discutir e ensinar conteúdos atitudinais.
Uma atitude necessária e talvez a primeira que o professor deve ensinar está o gosto pelo estudo, em seguida vem o respeito pelo outro, a valorização do espaço escolar, e assim por diante. O olhar vazio do professor, quando se trata desse assunto, tem razão de ser. É difícil ensinar o que não se sabe. É difícil imaginar um método de ensinar o que não se aprendeu. Ensinar o que sabemos já não é fácil, imagine termos que ensinar o que não sabemos. O professor gosta de ler, de estudar, de conversar sobre temas científicos? Se não gosta não conseguirá ensinar o aluno a gostar. O professor valoriza o espaço escolar? Como poderá ele ensinar o aluno a respeitar esse espaço? O professor respeita o aluno (aqui respeito tem uma dimensão mais ampla do que o sentido que lhe é atribuído normalmente), o pai do aluno, os colegas? Como poderá ensinar respeito ao outro?  Se o professor, mal e superficialmente, sabe o conteúdo cognitivo como poderá ensinar outra coisa? Se ele apenas sabe repetir o que está no livro, sem questionar a pertinência do que está ensinando e, muito menos, sente-se capaz de discutir o significado histórico e social do que faz, como pode ensinar conteúdos atitudinais? A insegurança do professor, a sua falta de preparo para por em pauta questões como: qual o sentido do que faço? Para que serve isso que faço, além de garantir o meu sustento? Haverá algum prejuízo para o aluno, e se houver prejuízo qual a ordem desse prejuízo, se ele não aprender esse conteúdo que estou ensinando? E  outras questões mais. .
 Essa incapacidade de se incomodar com isso o tornam inapto para ensinar atitudes. Outra condição necessária para ensinar atitudes reside na capacidade de acreditar no potencial da maioria dos seus alunos para serem pessoas de bem e se tornarem bons cidadãos. Zabala fala de que ele precisa acreditar "sinceramente" no potencial do aluno para sentir-se livre para investir nele.
Para ampliar a discussão sobre o ensino da matemática em sua forma menos recomendada pode-se destacar que além de centrarmos no ensino de conteúdos cognitivos, dentre eles focalizamos os conteúdos factuais e procedimentais. Somos peritos em definir e exigir que memorizem toponímias e técnicas de resolução, mas temos dificuldades para discutir conceitos e princípios.
Antonio Sales                                   profesales@hotmail.com
Dourados, 10 de agosto de 2014.


(*) ZABALA, Antoni. A pratica educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2008.


quinta-feira, 31 de julho de 2014

A FERTILIDADE DO PROFESSOR




Nada nos cansa mais do que uma vida sem produção. Sentir-se como um árido deserto é muito desconfortante.
Certo dia encontrei uma colega no pátio de universidade. Ela fazia o seu doutorado em linguística e se aproximou de mim perguntando: "você já se sentiu, alguma vez, sem ideias?”. Em seguida, explicou: “estou em crise porque preciso terminar a  minha tese e parece que minha cabeça ficou vazia, você já se sentiu assim?". Já, respondi-lhe. Também já passei meses sem produzir nada, sentindo-me como um árido deserto no campo das ideias. Mas, tenha ânimo colega, porque a "chuva" cairá nesse deserto novamente e você voltará a produzir de novo com muito vigor. A fertilidade voltará, garanti-lhe. Ela me agradeceu e saiu. Poucos dias depois me procurou toda feliz para dizer que estava fértil novamente. As ideias tinham voltado a fluir.
É sempre uma alegria quando nos tornamos férteis, quando as ideias fluem.
Se passar alguns dias ou semanas sem produzir nada é desgastante imaginem vinte e cinco ou trinta anos, como é o caso de muitos professores!
O professor iniciante, cheio de sonhos ingênuos, vai para a sala de aula esperando encontrar alunos ávidos por aprender, mas como a ignorância se basta a si mesma e a falta de expectativa é desestimulante, essa avidez raramente se manifesta nos alunos e o professor perde a fertilidade.
A avidez pelo conhecimento, em muitos alunos, precisa ser provocada através de ações que transformem o aluno de alguém passivo em um estudante ativo, pelo menos, em sala aula. As atividades propostas devem conter algum desafio que estimule a produção porque a infertilidade é desestimulante.
Muitos professores poupam os alunos de desafios supondo que eles se desestimularão. É o contrário que ocorre. Copiar regras e ter que memoriza-las, sem saber para que servem ou onde serão aplicadas, é que cansa e desestimula. Desafios adequados ao nível intelectual do aluno são propulsores de participação e estimuladores de aprendizagem.
Ainda hoje muitos professores de matemática ensinam aos alunos o princípio euclidiano de que o menor caminho entre dois pontos é uma linha reta sem discutir com eles em quais circunstâncias isso se aplica.  A taxigeometria mostra que não é bem assim. A vida mostra que as estradas têm curvas porque há morros, rios, propriedades privadas e outros obstáculos pelo caminho. Os terrenos são acidentados e árvores centenárias, que precisam ser preservadas, impedem a passagem e, dessa forma, curvas são necessárias e desvios são inevitáveis.
O princípio euclidiano é válido em um mundo ideal onde a terra é plana e não há obstáculo ou em pequenas distâncias como a tampa de uma mesa, por exemplo.
O desafio, nesse caso, consiste em discutir com os alunos onde aplicar esse principio e como resolver um problema onde ele não é válido. Quais alternativas que têm sido encontradas pelos engenheiros?
Visitando Lima, a capital peruana, fotografei em uma das ruas de Miraflores, próximo ao complexo comercial LARCO, em um outdoor, uma frase que traduzida é: “o que os hippies não conseguiram, os engenheiros estão fazendo: transformar a sociedade”. Pensei que ela poderia ser: o que Euclides não permite, os engenheiros fazem.
Coisas como essas, se discutidas com os alunos, suponho que tornariam a aula menos entediante e a Matemática teria mais sentido para eles.
Antonio Sales
Entre Nova Andradina e Dourados, 28 de julho de 2014.