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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

PRECISAMOS DE CRÍTICOS


Suponho que nenhum professor discorda  de que  conhecimento é necessário  e nem da  importância  dos intelectuais no meio educacional. Queremos reforçar a necessidade de que se invista nos nossos jovens para que se tornem sábios, cultos e críticos.
Sei que quando se ouve a palavra “crítica”  sente-se um calafrio na espinha.  Há uma tendência geral de achar que os críticos são sempre maléficos e devem ser evitados a todo custo. Eles não devem existir, pensamos. Especialmente quando se trata de ser alvo da crítica pensamos que não deve haver lugar para ela. É como se fôssemos sobre-humanos, possuíssemos prerrogativas divinas. Parece que supomos que já sabemos tudo, que não há mais nada aprender, que se as coisas não funcionam é sempre culpas dos outros.  
Isso, no entanto, não é a verdade. Cometemos um equivoco quando rechaçamos a idéia de que deva haver professores críticos, alunos críticos e pais críticos.  O problema é que nos apegamos à pior acepção da crítica que é a censura sem fundamento, o ataque à pessoa do outro. Confundimos ironia e sarcasmos com crítica. Confundimos busca de culpados com crítica e quase nunca pensamos em crítica como sendo uma “apreciação minuciosa e fundamentada” ou “ análise”*. Com certeza, precisamos de críticos. Críticos jovens e velhos; de professores e alunos críticos.
O que faz um crítico que o torna assim necessário?
A primeira missão do crítico, neste contexto, é a autocrítica,  a análise dos seus próprios atos  e intenções. O verdadeiro crítico exerce constante vigilância sobre si mesmo. Se fôssemos críticos não temeríamos tanto a crítica.
Em segundo lugar, nenhuma crítica deve ser de cunho pessoal. Não se deve criticar alguma coisa porque não se tem simpatia para com a pessoa que está realizando, porque não gostamos do que está sendo feito ou  porque quem faz não é do “meu time”. O que uma pessoa faz não está, necessariamente, errado só porque ela não pediu a nossa opinião ou porque não gostamos do que está fazendo.
Em terceiro lugar, a crítica tem a função de alertar, de advertir, de prevenir, de corrigir.
O problema é que por não pensarmos nessa hipótese, de existir uma necessidade de crítica, de uma função para a crítica, não preparamos ninguém para ser crítico e nem o toleramos. Até mesmo impedimos que ele surja. O que é pior, confundimos crítica  ao que está sendo feito com crítica à pessoa.  Quase sempre tomamos crítica como sendo algo pessoal e, por essa razão, nos sentimos ofendidos.
De fato alguns críticos atacam a pessoa e ofendem grosseiramente. São os críticos no sentido de censuradores, sarcásticos, irônicos, ou que fazem sempre “julgamento desfavorável”
É possível separar uma pessoa dos seus atos? É possível criticar o que uma pessoa faz, escreve ou fala, sem criticar a pessoa? Há quem pensa que não, mas entendemos que é possível sim fazer essa separação. O leitor já deve ter passado pela experiência de tentar fazer algo, com a melhor das boas intenções, e descobrir que ao executar seu plano adotou uma estratégia não muito adequada e os efeitos foram totalmente contrários ao que havia sido planejado. Nesse caso o leitor não estava errado, errada estava a sua estratégia e, se alguém tivesse criticado a sua estratégia logo no início, talvez tivesse sido possível corrigir e salvar o plano, modificar as ações e evitar  o prejuízo. Nesse caso a crítica não seria à sua pessoa ou ao seu plano, mas sim à  estratégia adotada.
É possível o leitor criticar o que escrevo nestas páginas sem atacar a minha pessoa. Pode perfeitamente discordar do que estou dizendo, mas não pode partir do pressuposto de que sou mal intencionado.
Talvez os críticos que conhecemos sejam maldosos e queiram sempre nos prejudicar e, a partir dessa experiência, generalizamos e entendemos que todos são assim. Também é possível que quando criticamos não estejamos imbuídos de boas intenções e então supomos que todos sejam como nós. Talvez nos falte autocrítica e, consequentemente, a crítica externa  nos incomode.
Críticos são necessários. Eles podem evitar males de conseqüências funestas. Se forem ouvidos, podem evitar erros administrativos e didáticos. Os gestores escolares, professores e pais, se admitissem críticas (e soubessem criticar) poderiam desenvolver  um melhor trabalho e a educação poderia causar um melhor impacto na sociedade. Talvez, conseguíssemos fazer alguma diferença; possivelmente fôssemos mais mobilizados, mais éticos no agir; quem sabe haveria mais democracia na escola, mais transparência na administração, menos pressão sobre os professores e mais decisões conjuntas.
Se houvesse mais críticos talvez errássemos menos. Se fôssemos mais autocríticos talvez ouvíssemos mais e a nossa atuação fosse mais beneficiadora.
Campo Grande, 17 de dezembro de 2011.
Antonio Sales   profesales@hotmail.com
 *Ver o verbete “crítica” nos dicionários.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O PROFESSOR É CRÍTICO?


Por vezes sou convidado a falar a um grupo de professores. Os que me convidam sempre têm a preocupação de me prevenir de que tenha cuidado no que vou falar porque alguns deles são muito críticos. Inicialmente fico feliz com a observação. Depois vem certo estado de depressão pelo que ouço e vejo acontecer.
Antes de prosseguir vamos ver o que o dicionário eletrônico publicado em Portugal pela Editora do Porto diz sobre crítica:
Crítica s.f. (1)arte de julgar uma obra de caráter intelectual, artístico ou literário; (2)apreciação de uma criação intelectual, artística ou literária; julgamento, análise; (3)conjunto de pessoas que exercem a atividade de crítico;(4)juízo moral ou intelectual; (5) ato de censurar; (6)julgamento desfavorável.
O minidicionário Gama Cury acrescenta: “apreciação minuciosa e fundamentada”.
Sempre que penso em crítica penso em “análise” e “apreciação minuciosa e fundamentada” e por isso fico feliz em ouvir que alguém é crítico. Fico triste depois porque só recebo censura (dos que se dizem críticos) sem ser fundamentada. A crítica que ouço é baseada nas frustrações anteriores e no desejo de culpar alguém. Sempre esses críticos querem me provar que nada dá certo, que eles são os mais infelizes de todos, trabalham no pior lugar e com o pior aluno. Só não admitem ser os piores professores  e estarem sendo o meus piores ouvintes.
Quando falo da minha experiência, como professor em classes multisseriadas no Pantanal Sul-mato-grossense, dizem: “mas naquele tempo!”.  Se falo da minha experiência nas escolas de educação básica na periferia em Campo Grande dizem: “mas não se compra com os alunos hoje”.
Não tenho tendência a ser irônico, exceto comigo mesmo e até isso tenho evitado ultimamente, portanto,  nunca vou ironizar os meus críticos (censuradores) mas gostaria que eles soubessem o que penso a respeito na hora em que ouço tais lamúrias e censuras.
Penso em dizer-lhes que não defini em que escolas eles iriam trabalhar, que não escolhi os melhores alunos para mim e os piores para eles. Aliás, muitas vezes, eles se comportam como os piores alunos que tive. Logo, não sou um privilegiado.
É exatamente por ter passado pelas mesmas dificuldades pelas quais passam que tenho vontade de falar-lhes. Vou para lhes dizer que apesar dos percalços é possível ser um profissional realizado. Também gostaria de dizer-lhes que o lugar para certas reclamações é no sindicato da categoria. Todo sindicato deveria ter contato com intelectuais que pudessem pesquisar e escrever sobre essas dificuldades que tanto angustiam os professores.
O que eu esperava de um profissional que deve ser um intelectual?
Primeiramente que analisasse se o que estou falando tem lógica ou não. Que não se prendesse ao fato de agradar ou não agradar. Agradar é uma questão pessoal, a lógica não. Portanto, esperava receber um julgamento impessoal. Que não fosse a minha pessoa que estivesse em jogo, mas a pertinência das minhas ideias.
Em segundo lugar esperava que o julgamento não fosse uma busca de desculpas por se estar vivendo um momento difícil ou decepcionado com sua a produção. Nesse caso seria melhor buscar ajuda do que ficar censurando. Convém lembrar que para buscar ajuda é preciso admitir que esteja com problemas e que faz parte dos problemas. A gente busca solução para o problema do outro somente em caso de problema físico (dor, fratura, etc.) nos outros casos busca-se solução para o seu próprio problema. Se o problema é profissional maior a razão para se incluir.
Em terceiro lugar gostaria que não me julgasse uma pessoa que vive e sempre viveu no melhor momento. Tive os meus percalços, as minhas “dores”, como qualquer ser humano. Passei noites em claro estudando como qualquer estudante que se preza. A única coisa que sempre fiz diferente de alguns é admitir que faço parte do problema e que preciso de orientação.
Fico triste, portanto, porque as críticas que recebo são apenas discursos que não contribuem, que ferem e que parecem ter o objetivo de esconder a incompetência de quem fala.
Que tipo de crítico é você? É crítico na pior acepção do termo?
Voltarei a esse tema.
Campo Grande, 17 de dezembro de 2011.
Antonio Sales    profesales@hotmail.com

domingo, 11 de dezembro de 2011

É NATAL E ANO NOVO

Chegou o Natal. Tem-se a impressão de que a data traz em si o milagre do renascimento. Parece que o “berço de palha”, que acolheu o menino de Belém,  se instala em todos os lares cristãos. Parece ocorrer um avivamento da fé, um aquecer dos corações, uma conversão dos pais aos filhos e dos filhos aos pais ( Ml 4:6 ). Parece que a religiosidade renasce das cinzas e traz esperança de um mundo melhor no novo ano que se aproxima. Pura ilusão.
Que os pais se aproximam dos filhos por algumas horas é verdade. O motivo é que não é aquele apregoado. O “milagre” é econômico (décimo-terceiro salário para uns e emprego temporário para outros) e comercial: férias, luzes, enfeites, músicas tradicionais, promoções. Há um desestabilizar momentâneo das emoções, um excesso de euforia e um bem-estar em poder presentear. São “fogos  de artifício” que brilham no céu por instantes e logo se esvaem.
Isso não é necessariamente mau. Um fogo de artifício, mesmo com a sua efemeridade, pode apontar o caminho para um viajante perdido ou indicar onde está quem precisa de socorro em alto mar.
Nos naufrágios familiares, nos distanciamentos entre pais e filhos esse “milagre” do Natal, mesmo efêmero pode indicar onde está a falta e ser o ponto de partida para o reencontro. Muitas vezes o que falta não é o amor, é a reflexão sobre ele. Uma reflexão solidificada por uma teoria. Essa reflexão pode ser fundamentada na religião, só não pode ser ingênua. Só não pode ser pautada pelos mitos do cotidiano.
Natal! Que venha o Natal e com ele os bons momentos em família. Os bons encontros com amigos. Que sejamos todos felizes ainda que por uns poucos momentos. Só não podemos ser ingênuos de pensar que basta o Natal para nos aproximar.
Ano Novo! Por que será que todos os nossos planos para o novo ano se esvaem em poucos dias? Por que será que o ano novo envelhece antes de terminar o primeiro mês?
Às vezes temos a impressão de que o tempo para no primeiro dia do ano. Que o tempo velho morre e nasce outro tempo. Iludimo-nos crendo no milagre da ressurreição do tempo. Mas o tempo é contínuo. O novo ano é continuação do passado. O que muda é só o calendário, essa divisão útil, porém, arbitrária do tempo.    Entro no novo ano como um velho homem. Levo comigo os meus vícios, os meus trejeitos, as minhas máscaras, as minhas mágoas, os meus mitos e medos. Levo comigo os meus ideais, a minha ética, o meu respeito pelo outro e a minha vontade de trabalhar.
Nada muda na minha vida de um instante para o outro. Tudo é um processo, uma construção. Se levo para o novo ano um bom projeto iniciado em 2011 com certeza o ano de 2012 não envelhecerá em janeiro. Se entro no novo ano  de mãos vazias, de coração machucado pela dor e de “espírito” perturbado pela falta de perspectiva, ele envelhecerá no segundo dia, quando tudo voltar ao “normal”.
O tempo é contínuo. Todo dia é novo e todo dia é  velho. A diferença está em nós.
Amigo leitor, não faça planos para o Ano Novo. Faça planos para você e tenha um Feliz Natal e um Ano Novo repleto de realizações.
Nova Andradina, 11 de dezembro de 2011.
Antonio Sales                      profesales@hotmail.com

sábado, 10 de dezembro de 2011

INVERSÃO DE VALORES


Este texto foi postado em outro blog meu em 10/08/2011. Penso que ele merece uma análise pelos meus colegas de profissão, especialmente pelos que cultivam o raciocínio circular.
Não é raro ouvir alguém dizer que vivemos em uma sociedade cujos valores estão na ordem inversa. Alguns fundamentalistas religiosos procuram intimidar os jovens para que não estabeleçam relações com pessoas que não sejam da mesma fé por entenderem que  tais pessoas vivem sob a influência dessa sociedade de valores invertidos.
Embora eu também já tenha repetido esse discurso alienante, confesso que sempre tive dificuldades em identificar o que há de errado com a sociedade, ou com esses discursos, em relação aos valores. Repetia o discurso porque era mais alienado do que sou hoje e achava que a voz dos líderes religiosos era a voz de Deus.
Não imaginava que havia todo um complô, inconsciente para muitos, para manter a juventude sob controle. Um controle pelo medo e pela ignorância.
Hoje quero convidá-lo a pensar sobre essa questão.
 Se for verdade que presenciamos uma inversão de valores então é de se supor que em algum tempo no passado esses valores estiveram ordenados e forma correta. Nesse caso podemos perguntar: Quando ocorreu isso? Em que ordem estavam os valores quando se apresentavam corretamente ordenados? Em que a “inversão” atual é prejudicial?
Que  algumas pessoas tenham os seus valores pessoais invertidos em relação ao contexto social onde vive parece ser fácil de observar. É para evitar que essa distorção se alastre que existe a educação. A igreja também deveria contribuir com a educação para que tivéssemos menos pessoas vivendo na contramão dos valores sociais vigentes.
Uma coisa são os valores pessoais, outra coisa são os valores defendidos pela sociedade. Como educador penso na sociedade. A educação deve preparar o indivíduo para viver sem sociedade. Tenho que pensar nos valores sociais e me nortear por eles.
Dizer que a sociedade como um todo está com os seus valores invertidos é uma expressão dúbia, nebulosa, porque não se diz em relação a que, ou em relação a qual época, se faz a afirmação. O que saiu do lugar e o que ocupou o seu espaço? Isso nunca é dito.
Tudo que não tem uma referência não permite uma avaliação. Se não é apresentada uma referência como saber se o discurso está  ou não correto?
Da minha parte, fico tentando adivinhar o que querem dizer com isso. Procurei pensar como seria a ordem correta dos valores e para isso percorri meus fragmentos de  história. Como não sou acadêmico da área de história ou de sociologia não possuo texto completo ou algum autor de referência. Tenho que trabalhar com os fragmentos que minha precária cultura escolar me proporcionou.
Mesmo com essa deficiência intelectual, e bibliográfica, penso que é possível tecer algumas considerações sobre um assunto tão importante. Não discutirei o que é valor e como ele se constrói. Vou direto ao ponto: o discurso  da inversão.
1. Desde que se tem notícia, ou o que os meus fragmentos históricos me contam, os homens (gênero masculino) sempre ocuparam posição de destaque em relação à mulher. Ele dava ordens, podia repudiá-la e podia “educá-la”, isto é, domesticá-la à chicotadas. Na família ele era o chefe e ela era a subalterna. Ele o livre e ela, a dependente. Talvez encontremos algumas exceções ao longo do tempo, mas são “pontos fora da curva”. A regra era: o homem mandava e mulher que tinha juízo obedecia. Penso que essa era a ordem “correta” no relacionamento entre homem e mulher. Era a ordem historicamente construída a partir dos primeiros seres humanos.
A superioridade do homem era um valor inquestionável, um bem inestimável. Algo que o homem não queria e nem poderia perder.
Em algum ponto da linha do tempo, porém, alguma coisa começou a mudar e hoje ela fala de “igual para igual” com ele, tem identidade própria, administra empresas e já chegou à presidência de alguns países.
Ora, se a ordem “correta” dos valores é o homem mandar e a mulher obedecer então há uma inversão aí, não há? Hoje ela manda e milhões de homens obedecem.
2. Naqueles tempos de valores ordenados “corretamente” a criança não era objeto de preocupação. Se fosse um filho homem, ainda trazia um pouco de esperança e alegria para os pais. Se fosse “ela” restava a expectativa de arrumar um bom casamento, com alguém que pagasse um dote.
Escola, para que? Criança tinha era que trabalhar para pagar o seu alimento e ajudar a pagar o alimento dos irmãos menores.  Direitos? Ela (a criança) tinha sim o direito de apanhar em silêncio ainda que fosse espancada por simples capricho do pai.
A ordem “correta” da relação era a hierarquia: homem, mulher, filhos.
Tem algo diferente hoje. Criança tem direitos, ela estuda e tem que ser tratada com respeito. Será essa uma das inversões tão questionadas?
3. Os reis, príncipes, nobres e senhores feudais podiam tudo. O povo não podia nada. Eles tinham servos, cavaleiros de honra, ditavam as regras e tinham direito à lealdade dos seus súditos. Ao povo cabia ter que se contentar em cumprir ordens, dever favores, aceitar humilhações, enfim, viver de favores. Hoje o povo faz greve, recorre à justiça, requer salário digno e atenção básica de saúde, pede segurança e escola para os filhos. Talvez essa inversão de valores esteja incomodando. Talvez achem estranho que os “nobres” devam favores ao povo.
4. O que se passava nos arredores dos palácios era sigilo. Somente os mais chegados sabiam da humilhação que as mulheres passavam nos haréns. Os nobres (não) se enriqueciam ilicitamente. Eles (não) praticavam a corrupção. Ninguém ouvia falar da exploração sexual de meninas. Uma ou outra mulher “fofoqueira” deixava escapar alguma coisa, transmitindo o seu grito sufocado de socorro para ouvidos que não ouviam. Hoje a imprensa escancarou as portas do palácio, denuncia a corrupção e expõe perante o público as mazelas da “nobreza”.  Será isso uma inversão de valores?
5. Os reis herdavam o trono por determinação divina. Eles eram os filhos dos deuses e a voz deles era a voz de deus. Hoje, no regime democrático, a “voz do povo é  a voz de deus”. A seta indicadora de direção está invertida, não está? Agora  a ordem é outra, não é mais aquela ordem “correta”.
6. Os reis eram os mandatários supremos. Destituíam a quem eles queriam, sufocavam rebeliões, massacravam multidões. O trono era inatingível pelo povo. Hoje, os “caras pintadas” saem às ruas e forçam o impeachement de um presidente. Isso está na ordem “correta”?
7. No passado os pais eram os sábios da família. Eles conheciam o mercado, faziam negócios, iam à cidade, etc. Portanto, os únicos bem informados e os donos da verdade em casa. Atualmente os filhos estudam e questionam a sabedoria dos pais. Essa inversão de incomodar um pouco, não?
8. Os pais (os homens) faziam o que queriam e eram inquestionáveis. Vemos na atualidade filhos pequenos questionando os pais quando ultrapassam o sinal vermelho ou não usam o cinto de segurança. Valores invertidos, sem dúvida.
Quando ingressei na carreira do magistério logo me vi envolto em debates sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e sobre  a proteção de animais. Estranhei profundamente tudo isso. Parecia que o caos estava se instalando. Estavam brigando por direito dos animais e por direitos dos alunos, mas,  e os direitos da gente onde ficavam. Gente para mim eram o professor e os pais. Aluno não era gente, criança não era gente. Proteger animal não era coisa de gente. Eu não entendia que a proteção dos animais vai além da discussão ecológica, no seu aspecto físico, tem muito a ver com a ecologia social. Quem acaricia um cão dificilmente chuta uma criança. Que protege um animal terá mais facilidade para cuidar do seu próximo. Uma sociedade que protege os indefesos animais, por certo, protegerá os seres humanos também.
Espera-se que uma criança protegida da violência seja uma defensora da paz. Crescerá sem ódio, sem desejo de vingança e, supostamente, defendendo as outras crianças.
Os valores estavam, de fato, se invertendo naquela época e apanharam-me de surpresa. Os seres humanos estavam sendo violentados nas favelas cariocas e as ONGs defendendo os animais? Tudo parecia confuso, mas hoje está claro que sempre se começa por algum lugar. Hoje eu sei que algo tem que ser feito para quebrar a rotina, mudar a ordem vigente para iniciar um novo caminhar. Eles quebraram a ordem e agora a diferença já pode ser vista.
Talvez o leitor consiga se lembrar de outros casos de inversão de valores que possam estar incomodando e provocando esses discursos nebulosos e também possa estar se lembrando de alguma experiência sua em que foi preciso quebrar a ordem vigente para mudar o rumo da história.
É evidente que existem dezenas de outros fatores e inúmeras inversões que parecem não ter surtido os feitos esperados. Hoje, por exemplo, somos muito mais estressados. Bem, isso é o que dizem. Tenho cá minhas dúvidas. Será que o homem, chefe de família, que servia a um feudo não tinha estresse? Será que a vida sem perspectiva e a provável investida do senhor “contra” a sua esposa, enquanto ele trabalhava, não lhe dava estresse? Talvez não porque sem conhecimento não há conflitos íntimos (ver artigo sobre conhecimento e certeza), a ignorância anestesia, mas era isso que queríamos para nós? Será que não preferimos o estresse?
Bem, o certo é que não havia “volantes assassinos”, “cruzamentos perigosos”, bêbados no volante, etc., mas será que o que existia não era pior? A “peixeira”, a espingarda e as tão comuns vinganças familiares que dizimavam famílias seriam algo melhor do que os acidentes de hoje?
O certo é que não estamos bem. Muito há ainda para melhorar, mas, o leitor acha mesmo que estamos piores? Todas as inversões foram para pior?
Eu não gostaria que minha filha e minhas irmãs tivessem vivido naqueles tempos tão saudosos para muitos. Prefiro vê-las neste tempo de valores invertidos. Fico feliz em pensar que meu neto nasceu agora, na sociedade de valores invertidos. Tenho inveja de quem consegue inverter certos valores.
Antonio Sales   profesales@hotmail.com
Nova Andradina 10 de julho de 2011