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domingo, 4 de dezembro de 2011

RACIOCÍNIO RIZOMÁTICO

O que é um rizoma? O minidicionário Gama Cury da Editora FTD, publicado em 2001, assim o define: “Rizoma s.m. (Bot.) Caule subterrâneo, cuja face inferior produz raízes adventícias e cuja face superior emite rebentos que vêm à superfície”.
Traduzindo isso para a linguagem popular diríamos: que rizoma é a “raiz” de plantas como a bananeira e as gramíneas, por exemplo. Ele (o caule) percorre o subsolo (oculto aos olhares displicentes) e vai “soltando” brotos onde menos se espera. O curioso é que cada broto transforma-se em uma nova planta independente da planta-mãe. Pode-se cortar ou arrancar a planta que o originou e o broto não se “incomoda”, não sofre abalo.
É importante ainda lembrar  que o rizoma não tem direção  definida do ponto de vista de quem olha da superfície, isto é, nunca se sabe por antecipação onde aparecerá o novo broto. Assim é o raciocínio rizomático. É difícil saber aonde ele vai “parar”.
O raciocínio linear, por sua vez, tem uma direção definida. É possível prever a conclusão logo no início do discurso. É o raciocínio cultivado pelos matemáticos. É empregado também na escrita, especialmente nos textos técnicos. Todo texto escrito em papel tende a ser linear. Um parágrafo leva ao outro, uma ideia leva à outra e o leitor vai seguindo passo a passo e fazendo conjeturas sobre o final.
O raciocínio circular tem um foco central e gira sempre em torno dele. É muito comum entre os professores. Eles elegem uma ideia básica e toda conversa gira em torno dela. Por exemplo, uma frase muito comum é: “o aluno não quer nada com nada” ou suas variantes do tipo: “aluno não estuda”, “ aluno não tem educação”. A partir dessa ideia central ele constrói toda a história do seu fracasso profissional, das suas frustrações. A conversa adquire contornos já conhecidos por todos nós. Uma hora ele diz: “Fazer isso vai ser trabalho perdido porque o aluno não quer estudar”.  Outra hora ele afirma: “como o aluno não quer estudar então isso não dará certo”.
Às vezes a gente ouve: “não vou participar de cursos de atualização porque não ensinam a gente trabalhar com esse aluno que não quer nada”. Depois: “se o aluno não quer nada, para que vou fazer curso de atualização pedagógica ou estudar mais?”.
É preciso romper com o raciocínio circular se quiser avançar.
Tenho vontade de desenvolver o raciocínio rizomático. Tenho muita dificuldade em operacionalizá-lo. O meu raciocínio é linear e já foi circular. Melhorei bastante ao linearizar o meu raciocínio. Pelo menos ele avança em alguma direção.
Nessa época das Tecnologias da Informação e da Comunicação já é possível exemplificar o raciocínio rizomático: o hipertexto.
O leitor vai lendo e de repente aparece um link. Ele pode continuar a leitura até o próximo link ou dar outra direção ali mesmo porque ao abrir o primeiro link ele se deparará com outros links e talvez nunca mais volte ao texto original.
Fico pensando onde e quando acontece o raciocínio rizomático em sala de aula.
Como professor de Matemática quantas vezes não entrei em sala com uma organização didática esquematizada conforme o meu raciocínio linear. Desenvolvia todo o processo da aula e depois ia frustrado para casa porque saía da aula com a sensação de ter falado no vazio.
Comecei a pensar no que poderia estar acontecendo e imaginei a seguinte cena:
Eu, professor, todo entusiasmado falava e escrevia sobre fatoração de polinômios, por exemplo. O aluno, por sua vez, estava pensando na bronca que levaria à tarde quando o pai chegasse a casa embriagado. Havia um “link”, invisível para mim, entre a minha aula e a sua miséria. Ele pensava em como aquilo tudo poderia livrá-lo daquela vida que levava. Quando os polinômios o tornariam independente do seu pai?
Outro exemplo: o professor falando de Pedro Álvares Cabral e a sua esquadra e o aluno pensando em como seria o seu final de semana sem a merenda escolar. O “link” seria: o que será que eles comiam enquanto viajavam?
Poderia acontecer também dos sentimentos passionais se aflorarem quando um garoto via entrar na sala uma jovem professora. Ou ainda, será que uma adolescente sobrecarregada de hormônios e entediada com a família não poderia estar vendo  no professor o cavaleiro que a arrebataria daquela situação?
O que dizer de alguns gestos repetidos do professor, aqueles chamados “tiques nervosos”? Será que eles não são “links” para um raciocínio rizomático? E as reclamações do professor, que “links” será que elas formam?
Uma vez um aluno disse que admirava muito certo professor. Perguntei pela razão dessa admiração e a resposta foi inusitada: “esse cara é inteligente, veja só a mulher bonita que ele arrumou”.
Comecei imaginar para onde ia o pensamento daquele acadêmico quando o tal professor entrava em sala. Sua presença era um “link” para o pensamento do acadêmico.
Foi na década de 1980, mas ainda hoje me recordo os detalhes da cena que vou descrever. Dava aulas no sétimo ano e percebi desde o primeiro dia uma aluna “ausente”. Nada do que eu falava parecia lhe interessar. Arrumei exemplos, fiz perguntas e  tudo em vão. Um dia, lá pela terceira semana de aula, ela interrompeu a minha exposição da matéria dizendo: “professor, posso fazer uma pergunta?”. Fiquei todo feliz. Havia conseguido “acordar” a moça. Preparei-me para responder com classe e elegância a pergunta dela e, então, ela perguntou: “professor, o senhor rinsa o cabelo?”. Fui pego de surpresa e, como até hoje não sei o que é “rinsar”, respondi-lhe que não. Ela voltou para o seu mundo e na próxima semana não apareceu mais.
Fico pensando: será             que se eu tivesse perguntado para o que é “rinsar” ou para que serve “rinsar” não teria conquistado ela para as aulas de matemática? Pura especulação, mas teria tentado fazer um link.
É dessa forma que eu imagino que, muitas vezes, acontece na sala de aula. Nasce mais “grama” dos “rizomas” do que conhecimento sistematizado. São muitos os links.
Saindo desses links acidentais podemos pensar nos links planejados pelo professor. Por exemplo:
1. Pode-se contextualizar, isto é, relacionar o que está sendo estudado com alguma coisa do cotidiano.
2. Podem-se estabelecer vínculos entre aquele tema que está sendo abordado e outros temas da mesma disciplina.
3. Pode-se estabelecer vínculo entre o passado e o presente. Fazer a contextualização histórica.
4. Pode-se praticar a interdisciplinaridade.
Ao fazer assim estaremos estimulando o raciocínio rizomático.
Campo Grande, 03 de dezembro de 2011.
Antonio Sales   profesales@hotmail.com

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