“Na prática a teoria é outra” é uma expressão quase sempre utilizada por quem busca uma saída quando se vê impossibilitado de explicar a pouca adequação dos recursos utilizados no processo. Estou pensando na minha experiência vivida como educador, nas muitas vezes que citei e ouvi a referida frase. No meu ambiente de trabalho ela ou outra equivalente não nos é estranha.
De fato há uma distância considerável entre a teoria e a prática, especialmente no âmbito da educação. Aquela sempre antecipa esta e a distância que as separa é, no meu entender e do ponto do vista da atuação profissional, bidimensional. É possível identificar outras dimensões dessa distância, porém elas não estão sob o controle do profissional. As duas grandezas que identifiquei são inversamente proporcionais.
A primeira dimensão está relacionada com o tempo. Tempo de apropriação da teoria, tempo de autoconvencimento, tempo de reelaboração de crenças, tempo de preparo de uma estratégia ou elaboração de um plano de ação, tempo de preparo do ambiente de trabalho e de constituição de uma clientela que permita ou contribua para o desenvolvimento do plano traçado. Essa grandeza nunca será nula por mais empenhado que seja o profissional.
Matematicamente podemos expressá-la como: 0< T =< t, onde T é o tempo necessário e t é o tempo disponível, isto é, o tempo que o profissional dispõe até o encerramento da sua carreira.
A segunda dimensão é o engajamento do profissional. Quanto mais engajado um profissional menor o tempo necessário (T>0) para a apropriação da teoria e sua aplicação na prática. Por outro lado, se não houver engajamento (E=0) e se outros fatores não intervierem então o tempo necessário se prolongará por todo tempo disponível (T=t) e a relação entre a teoria e a prática nunca se efetivará.
Mesmo havendo engajamento total, o que é perfeitamemte possível somente do ponto de vista teórico ou numa perspectiva idealista, a relação teoria/prática se estabelece com alguma dificuldade.
Como o nosso trabalho não é solitário e também não lidamos com seres desprovidos de interesses sempre haverá alguma resistência para que essa relação se estabeleça. Nesse caso poderíamos dizer que a relação entre teoria e a prática é possível, mas nunca será plena ou isenta de conflitos. Penso que essa relação (R) pode ser expressa como: 0=< R < P, onde P é a plenitude da relação teoria/prática. Podemos dizer que R=0 quando o engajmento do docente for nulo (E=0) e se f(ET)=R então f(0)=0, onde ET significa engajamento dado o tempo necessário e sabendo que quanto maior for E, menor será T e T>0.
Outros fatores que interferem estão relacionados com a gestão escolar, com a pressa na aplicação de uma teoria e consequente exigência de resultados imediatos e ainda com a ausência de investimentos na divulgação da teoria proposta. Sabemos que quanto menos uma teoria for divulgada menor a chance que tem de se tornar prática uma vez que a sociedade tem também as suas resitências e as gestões escolares têm as suas formas de boicotes.
Em nosso texto usamos o termo apropriação e pensamos ser oportuno informar ao leitor que o usamos com o sentido que lhe confere Chartier. Para esse autor:
A apropriação, a nosso ver, visa uma história social dos usos e das interpretações, referidas a suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas específicas que as produzem. Assim, voltar a atenção para as condições e os processos que, muito concretamente, sustentam as operações de produção do sentido (na relação de leitura, mas em tantos outros também) é reconhecer, contra a antiga história intelectual, que nem as inteligências nem as ideias são desencarnadas, e, contra os pensamentos do universal, que as categorias dadas como invariantes, sejam elas filosóficas ou fenomenológicas, devem ser construídas na descontinuidade das trajetórias históricas (CHARTIER, 1991, p 179).
Nova Andradina, 04 de outubro de 2011.
Antonio Sales profesales@hotmail.com
Referência
CHARTIER, Roger. O Mundo como Representação. Estudos Avançados, ano 11, no 5, 1991, pp.171-191.
Parabéns professor, mas fico pensando sobre que teorias insconscientes organizam a prática?
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ResponderExcluirTambém concordo com suas idéias.Acredito que o elo entre teoria e prática não é uma acontecimento instantâneo. Minhas reflexões circunscrevem-se em torno dos meios favoráveis para que os alunos se apropriem dos conteúdos. E para isso, é preciso criar estratégias que possibilite o funcionamento do processo de aprendizagem. Distante de um embasamento teórico, eu buscava estratégias em experiências de colegas, dos meus antigos professores e na minha própria concepção do processo didático. A princípio quando me aproprie de algumas teorias, não acreditava no seu potencial, quando aplicada à realidade da sala de aula. Atualmente, tenho percebido que as teorias tem influenciado o meu trabalho e direcionado as propostas em sala de aula.Com a intenção de alcançar a aprendizagem recorro na teoria. Neste caminho, venho (re)descobrindo muitas estratégias favoráveis que fomentam todo meu trabalho como educador.
ResponderExcluirVocês trazem novos objetos para reflexão e com isso enriquecem o debate. Gostaria que o amigo anônimo falasse um pouco mais sobre as "teorias inconscientes". Penso ser um assunto importante e deve ser explorado.
ResponderExcluirO depoimento do Cristiano traz revelações importante sobre o fazer docente.