Translate

quinta-feira, 31 de julho de 2014

A FERTILIDADE DO PROFESSOR




Nada nos cansa mais do que uma vida sem produção. Sentir-se como um árido deserto é muito desconfortante.
Certo dia encontrei uma colega no pátio de universidade. Ela fazia o seu doutorado em linguística e se aproximou de mim perguntando: "você já se sentiu, alguma vez, sem ideias?”. Em seguida, explicou: “estou em crise porque preciso terminar a  minha tese e parece que minha cabeça ficou vazia, você já se sentiu assim?". Já, respondi-lhe. Também já passei meses sem produzir nada, sentindo-me como um árido deserto no campo das ideias. Mas, tenha ânimo colega, porque a "chuva" cairá nesse deserto novamente e você voltará a produzir de novo com muito vigor. A fertilidade voltará, garanti-lhe. Ela me agradeceu e saiu. Poucos dias depois me procurou toda feliz para dizer que estava fértil novamente. As ideias tinham voltado a fluir.
É sempre uma alegria quando nos tornamos férteis, quando as ideias fluem.
Se passar alguns dias ou semanas sem produzir nada é desgastante imaginem vinte e cinco ou trinta anos, como é o caso de muitos professores!
O professor iniciante, cheio de sonhos ingênuos, vai para a sala de aula esperando encontrar alunos ávidos por aprender, mas como a ignorância se basta a si mesma e a falta de expectativa é desestimulante, essa avidez raramente se manifesta nos alunos e o professor perde a fertilidade.
A avidez pelo conhecimento, em muitos alunos, precisa ser provocada através de ações que transformem o aluno de alguém passivo em um estudante ativo, pelo menos, em sala aula. As atividades propostas devem conter algum desafio que estimule a produção porque a infertilidade é desestimulante.
Muitos professores poupam os alunos de desafios supondo que eles se desestimularão. É o contrário que ocorre. Copiar regras e ter que memoriza-las, sem saber para que servem ou onde serão aplicadas, é que cansa e desestimula. Desafios adequados ao nível intelectual do aluno são propulsores de participação e estimuladores de aprendizagem.
Ainda hoje muitos professores de matemática ensinam aos alunos o princípio euclidiano de que o menor caminho entre dois pontos é uma linha reta sem discutir com eles em quais circunstâncias isso se aplica.  A taxigeometria mostra que não é bem assim. A vida mostra que as estradas têm curvas porque há morros, rios, propriedades privadas e outros obstáculos pelo caminho. Os terrenos são acidentados e árvores centenárias, que precisam ser preservadas, impedem a passagem e, dessa forma, curvas são necessárias e desvios são inevitáveis.
O princípio euclidiano é válido em um mundo ideal onde a terra é plana e não há obstáculo ou em pequenas distâncias como a tampa de uma mesa, por exemplo.
O desafio, nesse caso, consiste em discutir com os alunos onde aplicar esse principio e como resolver um problema onde ele não é válido. Quais alternativas que têm sido encontradas pelos engenheiros?
Visitando Lima, a capital peruana, fotografei em uma das ruas de Miraflores, próximo ao complexo comercial LARCO, em um outdoor, uma frase que traduzida é: “o que os hippies não conseguiram, os engenheiros estão fazendo: transformar a sociedade”. Pensei que ela poderia ser: o que Euclides não permite, os engenheiros fazem.
Coisas como essas, se discutidas com os alunos, suponho que tornariam a aula menos entediante e a Matemática teria mais sentido para eles.
Antonio Sales
Entre Nova Andradina e Dourados, 28 de julho de 2014.

sábado, 5 de julho de 2014

HAVENDO ENSINO HÁ APRENDIZAGEM?




A relação entre ensino e aprendizagem tem sido objeto de muita discussão.
Já se disse que a aprendizagem é resultado direto do ensino e ainda há professores que mantêm esse pensamento. Já se discutiu a dissociação entre ambos com afirmações do tipo: é possível haver ensino sem que ocorra aprendizagem e é possível haver aprendizagem sem ensino.
Penso que a segunda hipótese é verdadeira com base no fato de existirem os autodidatas.
Recentemente ouvi uma discussão, numa banca de mestrado, onde os examinadores discutiam se é mesmo possível haver ensino sem aprendizagem. Achei a discussão pertinente para a ocasião, mas fiquei sem entender algumas coisas do que disseram. Fiquei com as perguntas: sempre que alguém ensina o aluno aprende? Se aprende, o que aprende?
Como já disse no início deste texto, há quem defende que quando alguém ensina não ocorre necessariamente a aprendizagem enquanto outros entendem que se houve ensino há aprendizagem porque em todo contexto social há aprendizagem, embora, não necessariamente o que foi ensinado, mas houve aprendizagem.
A questão é: o professor, em sua aula, quer ensinar qualquer coisa? O seu trabalho é multidirecionado? Sendo o seu trabalho multidirecionado esse multidirecionamento também é intencional?
Se a multidirecionalidade for intencional então as múltiplas aprendizagens são decorrentes diretos dos seus objetivos de ensino. Sendo não intencional, isto é, se o professor não se prepara para ensinar muitas coisas então as aprendizagens diversas são efeitos colaterais e tais efeitos são sempre são desejáveis?
Imagino que quando dizem que o ensino não tem relação direta com a aprendizagem estão se referindo aos objetivos da aula, aos propósitos da sequência didática do professor. Penso ainda que quando dizem que sempre há aprendizagem estão tratando de algo não muito específico, podendo ser, inclusive, aprendizagem para a vida, isto é, de um modo de vida.
 Sei por experiência que muitas vezes, quando ministrei aula no modo tradicional de lousa, giz e saliva, saí da sala de aula com a sensação de haver apagado a lousa para a eternidade, isto é, que ninguém nunca mais se lembraria daquela aula ou saberia dizer algo sobre ela. Desejo que tenha me enganado ao pensar assim, mas confesso que a sensação  de inutilidade era muito forte quando trabalhava desde modo.
Talvez tivessem aprendido o que eu não queria que aprendessem: que a matemática é uma chatice.
Recentemente conduzi uma experiência com alunos do ensino fundamental usando tecnologia aliada ao processo de argumentação. Havia participação do
aluno, mas também certa “desordem”, um pouco de caos no trabalho. Terminada a sequência didática comentei com minha auxiliar que não minha opinião havíamos trabalhado no vazio. Ela concordou, mas, sabiamente, sugeriu que pedíssemos um relatório deles. O resultado foi surpreendente. Eles aprenderam mais do que imaginávamos que tivessem aprendido. Valorizaram o trabalho e pediram que fosse repetida uma experiência semelhante.
Havia um objetivo bem definido no trabalho, havia uma intencionalidade bem clara, e por isso foi possível avaliar se houve aprendizagem. Quando o aluno aprende o que não é objetivo do professor ensinar pode-se dizer que aprendeu com o professor?
Pode-se dizer que a aula alcançou o objetivo? Pode-se dizer que o professor contribuiu?
Ficam as perguntas.
Antonio Sales
Campo Grande 30 de abril de 2014.