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domingo, 13 de novembro de 2011

EXISTE CRIME PEDAGÓGICO?


Nunca tinha lido nada a respeito. Nunca ouvira falar em crime pedagógico. Será que já está definido por algum teórico?
Como me surgiu essa ideia de crime pedagógico?
Certa vez conversava com um colega que é coordenador de matemática do programa “Além das Palavras” de uma escola pública. A nossa conversa era informal, mas sabendo que me preocupo com questões relativas da ética profissional ele começou a falar dos problemas que encontrava, como coordenador, para conseguir com que certos professores fizessem adesão ao programa. Contou a cena vivida certo dia e que o deixou abatido.
Segundo ele a professora Marcolina (nome fictício) era contratada  e já estava na escola há vários anos substituindo alguém que estava em outra função. Marcolina oferecia resistência a qualquer proposta que se lhe fizesse  e quando era pressionada chantageava dizendo que podiam manda-la embora porque ela não iria aderir. Era desaforada. O resultado é  nunca aderiu a nada e nunca é foi mandada embora.
Lembrou, incusive, que já havia me convidado para conversar com ela certa vez e que depois da minha saída ela se juntara a outras  e protestava contra a minha avisita à escola renegandotudo que eu dissera ,  saber qual e ainda explicações sobre motivo de se convidar alguém de fora para opinar sobre o trabalho dela.
Não me lembro bem do incidente mas, pelo meu modo de agir, sei que  não me intrometi no trabalho dela. Apenas devo ter falado sobre didática da matemática e, com certeza, sugerido formas de abordagens ou de organizar uma  atividade didática.
Mas a história é a seguinte: ele sempre procurava acessorar essa professora no seu horário  semanal de planejamento  mas ela sempre fugia dos encontros marcados. Nesse dia ele foi visitar a sua sala de aula e a cena que viu o estarreceu. Ela estava ensinando geometria. O quadro estava cheio de informações sobre geometria e os alunos estavam copiando.  Ele previu que quando os alunos terminassem de copiar também teria terminado o horário de aula e então concluiu: é uma aula do tipo “cala boca”. Ela enche o quadro e põe os alunos para copiar para não ter que explicar nada.
Indignado com a história retruquei: isso é um crime pedagógico. Pronto,  havia “criado” essa categoria e agora preciso ver se já existe definição para ela.
Para mim essa professora comete um crime pedagógico e as pessoas que a mantinham no cargo eram seus comparsas. Pessoas em alma, sem respeito para com as crianças. Pessaos que veem-nas “massacradas”, têm o nada fazem por comodismo.
Já encontrei professores universitários que se recusam discutir questões pedagógicas. Um chegou alegar que no seu tempo de acadêmico havia um “professor que era um troglodita” e mesmo assim era respeitado. Só não falou por quem era respeitado. Segundo ele hoje ainda deveria ser assim. Usou em defesa dessa posição a “teoria” da vocação para o magistério. Tem professor que não consegue melhorar, disse ele. Tentei argumentar mas ele interrompeu a conversa. Precisava sair. 
Defender uma prática troglodita em pleno século 21 é, no meu entender, um crime pedagógico.
Certa vez, em uma reunião com um candidato a reitor, propús que incluísse  no seu programa  administrativo a capacitação de professores. Expliquei que ela não deveria ser confundida com outra já existente na instituição, uma capacitação de pesquisadores que, erroneamente, recebe o nome de capacitação docente. A proposta teve rejeição imediata. Argumentei que ser professor e ser pesquisador são atividades distintas. Houve “concordância” mais para desviar o assunto.
Fiquei pensando: até quando seremos coniventes com o crime pedagógico?
Muitos pensam que pesquisar sobre X é a mesma coisa que educar usando X. Posso saber muito sobre X e não estar preparado para ser um educador utilizando X. Isso acontece porque não ensino X para X. Normalmente quando X é meu objeto de pesquisa ele não é o meu objeto de educação, não é o meu educando. Posso pesquisar X, sendo X o meu aluno mas, raramente, o uso  para ensinar a ele mesmo. Quando a pesqusia tiver terminado ele terá passado.
Preciso conhecer relativamente bem X, mas preciso conhecer também as relações que as pessoas podem estabelecer com X, e as relações que X provoca entre as pessaos.
Portanto, preciso conhecer X, mas preciso conhecer também A e P. Por extensão preciso entender também um pouco de S. De preferência, entender  de Sa, onde A=alunos, P=pessoas, S= sociedade e Sa=sociedade atual.
O professor deve estar inserido no contexto educacional atual para que o seu ensino não seja alienante. Precisa conhecer sobre pessoas, saber levar em conta a suas frustrações e necessidades. Precisa levar em conta as exigências da sociedade atual, o que ela espera  do seu educando. Ninguém é pago pela sociedade para fazer o que quer. Somos pagos para cumpirir funções sociais e essa  sociedade deve ser “ouvida” na hora de planejarmos nossas ações. Quando se fala de educação a sociedade é ouvida através das pesquisas educacionais.
O professor que não leva em conta esses fatores está cometendo um crime pedagógico.
Paulo Freire afirma que “educação é uma forma de intervenção no mundo”(FREIRE, 2010, p. 98). Afirma ainda que ela não pode ser indiferente a qualquer hipótese. Seja a hipótese  da “da reprodução da ideologia dominante ou a da sua contestação, a educação jamais foi, é,  ou pode ser” indiferente (FREIRE, 2010, p. 99).
Para Freire a educação é ideológica e, por essa razão, cheia de armadilhas. A ideologia pode esconder fatos, distorcer a percepção, levar-nos a concordar com frases que afirmam que “a cada dia que passa os jovens aprendem menos”, que “os alunos faltam à aulas porque não têm interesse” sem nos perguntarmos se não fazemos parte das causas dessa falta de interesse. Essa ideologia impede que perguntemos  se esse “aprender menos” não é falso ou, sendo verdadeiro, se não contribuímos para isso com a nossa pedagogia troglodita.
O  crime pedagógico é produto de uma idelogia. Ideologia de falta de respeito pelo outro. É a falta de consideração para com o investimento social na educação que leva a pessoa a agir com indiferença.
Alguém conhece a definição de crime pedagógico?
Comte Bittencourt (BITTENCOURT, 2003), um deputado estadual do Rio de Janeiro (ou ex-deputado), escreveu em 2003, na sessão opinião do “Globo”, um artigo sobre esse tema, mas ele tratou do défit educacional. Seu foco foi o poder público e consiedrou como crime pedagógico a falta de escolas, de professores, enfim, a falta de investimento público na educação.
O meu enfoque é outro, é a postura do professor.
Dacanal (2009) que se apresenta como “Jornalista, professor e economista” usa o termo para ridicularizar a preocupação com a motivação dos alunos, com uma proposta pedagógica que contemple o prazer de estudar e bsuca de significado. Defende o trogloditismo com base em um único exemplo acertado que talvez até seja hipotético dado o teor do texto. O artigo  não merece uma análise. Trogloditas devem ter espaço no magistério? Precisamos aprender com eles? Não há, nesse universo, gente melhor preparada?
Aguardo contribuições.
Nova Andradina, 12 de novembro de 2011.
Antonio Sales   profesales@hotmail.com


FREIRE, Paulo. A Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
BITTENCOURT, Comte. Crime Pedagógico. Postado em 25 de agosto de 2003. Disponível em <http://comte.com.br/2003/08/25/crime-pedagogico/ > Acesso :  nov 2011.
DACANAL,  José Hildebrand. Eu sou um imbecil. Postado em 10 de junho de 2009. Disponível em  < http://www.endireitar.org/site/artigos/ensino-em-casa-homeschooling/377-eu-sou-um-imbecil > Acesso em:  12 nov 2011.

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