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terça-feira, 8 de novembro de 2011

NINGUÉM INVESTE EM MIM?

Em meu trabalho como extensionista sempre estou em contato com professores da rede pública de ensino. Tenho encontrado verdadeiros exemplos de compromisso com a educação, de consciência do seu papel, das suas limitações e de busca por aperfeiçoamento pessoal e profissional. Por outro lado, tenho encontrado casos de alienação quase total, de ausência  de objetivos e de busca constante por  desculpas.
São os professores desse segundo grupo que inspiram muitas das minhas reflexões. Desta vez fui buscar nas minhas origens algumas explicações para o meu comportamento que, em muitas oportunidades, se assemelha ao comportamento dos professores do segundo grupo.
Resolvi analisar minha história de vida para ver se alguém investiu em mim.
Quando nasci era, como todos os bebês, um alienado. Não entendia nada (quase nada) do que se passava ao redor. Ficava sem saber para onde fora o escuro quando a luz era acesa e depois ficava procurando o claro quando a luz era apagada. Quando minha mãe em colocava no berço e se afastava devarzinho  eu supunha que tivesse me abandonado e chorava. Em termos educacionais pouco podia ser feito em meu favor além do que foi proporcionado por minha mãe.
Minha mãe investiu em mim. Ensinou-me a falar, andar, respeitar e conhecer o mundo ao redor. Era essa a educação que eu precisava na época. Minhas necessidades educacionais foram satisfeitas.
Cresci um pouco, tornei-me criança, e tive os meus direitos cerceados pela ignorância reinante no meu tempo.  Criado na zona rural, onde meus pais viviam do cultivo de lavouras sazonais, não tive a oportunidade de frequentar a escola regularmente. Hoje percebo que, para uma criança, os adultos devem abrir as portas ainda que ela não queira entrar. O adulto deve abrir a porta e incentivar a criança a entrar por ela. Estou falando das portas de oportunidades. Uso portas no sentido metafórico e, como educador, vejo investimento sempre relacionado com a educação.
Para mim eles não abriram a porta da educação formal, não abriram a porta do conhecimento institucionalizado. Não investiram em mim. Negaram-me a escola, a instrução formal. Consideraram que sabendo assinar o nome estava alfabetizado, que sabendo juntar as letras era o suficiente.
Eu tinha esses direitos, mas, possivelmente, eles não estivessem escritos ou, pelo menos, não eram divulgados. Fui lesado em meus direitos que hoje considero inalienáveis. Sinto falta deles.
Nessa fase da vida a porta deve ser aberta pelo adulto e a criança deve ser instada a entrar por ela. Criança fora da porta corre perigo. Criança não sabe em qual porta bater e não alcança a maçaneta para abri-la.
Quando criança, não investiram em mim. Que bom que os tempos mudaram e hoje se investe nas crianças.
Tornei-me adolescente e comecei observar que diante de mim estavam três portas: a) a porta que o adulto precisava abrir e insistir para que eu entrasse; b) a porta que eu deveria bater e pedir entrada e c) a porta cuja entrada eu deveria recusar. Lembro-me  que colegas e alguns adultos convidavam-me para o uso do álcool e do fumo. Experimentei beber, mas no dia seguinte achei ridículo  tudo o que fizera sob o efeito do álcool e prometi, a mim mesmo, que nunca mais provaria bebida alcoólica. Tenho cumprido a promessa e  fechei essa porta para sempre. Tentei fumar. Achava elegante, parecia adulto. Fiz isso por alguns dias até que meu pai, que era fumante, me alertou que ficaria escravo para sempre. Eu queria ser livre e fechei também essa porta.
Em algumas portas tive que bater para que se abrissem. Aos treze anos tive que procurar uma escola por mim mesmo e ainda tive que trabalhar aos domingos colhendo algodão para comprar os livros. Durante a semana trabalhava para o meu pai.
Algumas portas (não foram muitas) foram abertas  por adultos conscientes e que queriam dar oportunidade a um jovem tímido e despreparado. Eu não tinha maturidade intelectual para perceber que após aquela porta um mundo de oportunidades me esperava. Os adultos tiveram que abri-la e insistir para que eu entrasse.
Deparei-me, portanto, com três portas: uma que estava fechada, mas que foi aberta  graciosamente por um adulto. Ele, além de abrir, convidou-me a entrar e eu aproveitei a oportunidade. Outra que estava fechada, mas permitia antever o que me aguardava lá dentro, e precisei decidir por mim mesmo se queria entrar e ainda forçar a entrada. Encontrei ainda outra porta que estava aberta (escancarada) e tive que fechar definitivamente.
Nessa época aprendi que já não podia esperar tudo dos outros. Alguma coisa era tarefa minha, cumpria a mim o agir por conta própria, procurar, insistir, bater e entrar quando a porta se abrisse. Chegara a hora de começar as escolhas, começar ir delineando os traços do meu destino. Eu investi em mim e mais alguém investiu em mim, embora não muito (a época era outra, as perspectivas eram outras e as crenças eram outras, mas houve investimento).
Tornei-me adulto e muita coisa da minha adolescência se repete. Continuo fechando portas que se escancaram e me convidam ao ilícito, ao comodismo, à busca de desculpas pela minha incompetência, etc. Continuo achando quem abre portas desinteressadamente procurando ajudar-me (não são muitos, mas há). Encontro quem abre portas porque sabe da minha competência, da minha responsabilidade e da seriedade com que cuido das tarefas que me são designadas. Encontro portas fechadas a “sete chaves” que preciso quase arrebentar para obter acesso ao interior do aposento. São portas que somente se abrem mediante projetos bem elaborados.  Porém, uma vez transposta essa porta, descobri que há investimentos à disposição. Pessoas e instituições estão prontas por investir em quem consegue abrir tal porta. Os investimentos, nesse caso, não são na pessoa, mas nos projetos.
São pessoas e instituições que não querem investir no vazio ou no acomodado. Não querem investir em quem não decidiu para onde ir. Mas há investimentos e sempre que tive projetos alguém investiu neles.
Dessa forma, devo dizer que não investiram em mim na infância. O que me trouxe prejuízos incalculáveis porque essa foi a época da minha vida que dependia exclusivamente dos outros.  Poucos investiram em mim na adolescência porque eu não prometia muito: era tímido e sem preparo (fazia-me falta o preparo negado na infância).  Ainda não tinha projetos bem definidos e também por causa das perspectivas da época. Nessa fase da vida algumas portas foram abertas porque eu persisti em bater. Aprendi com isso que eu deveria investir em mim e aproveitar as oportunidades que aparecessem. Deveria definir o meu projeto de vida, mostrar disposição para colaborar, preocupar-me também com o progresso da instituição para a qual trabalho e volver os meus olhares em busca de um bem que pudesse beneficiar algo ou alguém mais além de  mim.
Hoje, quase ninguém investe em mim. A maioria das portas que se abrem são resultados do meu autoinvestimento. Somente não acho isso natural porque me foi negado tal investimento na infância. Caso contrário era isso mesmo que eu esperava que acontecesse: nessa fase da vida eu deveria ser capaz de ter projetos bem definidos.
Apendi que para um adulto a sociedade deve oferecer oportunidades mas não, necessariamente,  atender as suas necessidades em particular. Metaforicamente: a terra não pode ser desértica, mas as pessoas não precisam prover água para os meus animais. Se quiser saciar-lhes a sede devo cavar uma cisterna.
Tenho perguntado aos professores que reclamam da falta de investimento neles: qual é o seu projeto? Para que você quer investimento? O que você fará com a oportunidade que lhe for dada?
Como educador e trabalhando com educandos e educadores penso em investimento sempre relacionado à educação e oportunidades de trabalho. Quanto às questões salariais e outros direitos penso que devem ser discutidas no âmbito dos sindicatos e associações. Eles têm melhor preparo para isso.
Entendo que na fase inicial da vida, na infância, os investimentos devem ser exclusivamente na pessoa. Eles não devem depender de projetos pessoais da criança. Na segunda fase, adolescência e juventude, os investimentos devem ser divididos entre a pessoa e os seus projetos. É preciso saber se o jovem quer seguir carreira acadêmica ou técnica, por exemplo. Na fase adulta os investimentos devem ser, prioritariamente, nos projetos.
O adulto que não tem projetos, que permanece na infância intelectual, requer cuidados especiais. É preciso investigar se lhe foi negado o direito na infância (faixa etária) e então a sociedade deve redimir-se dessa dívida. Mas nenhuma infância é permanente. É preciso ter projetos.
A você, professor, que reclama falta de investimento fica a pergunta: qual o seu projeto?
Dourados, MS, 30 de outubro de 2011.
Antonio Sales    profesales@hotmail.com   

Um comentário:

  1. Tenho muitos projetos, mas no âmbito profissional meu maior projeto é ser uma professora de excelência, reconhecida por mim e pelos meus alunos, favorecendo a eles os conhecimentos (de conteúdo e mundo) necessários para que caminhem com as próprias pernas, assim como faço com minha filha, invisto para que saiba futuramente caminhar com independência.
    É fato que não oferecemos ensino de qualidade aos nossos alunos, mas acredito nas projeções futuras que enfantizam diferentes perspectivas para educação brasileira e faço questão de fazer parte desse processo...


    Lidiane Ap. Breguedo

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