Uma coisa que me faltou quando fiz licenciatura é que ninguém me disse que sala de aula é lugar de conflitos. Aliás, estudei para ser professor e ninguém me disse como administrar internamente os conflitos de interesse que se instalam normalmente na sala de aula. Devo dizer que é possível que nenhum professor meu pensasse sobre isso. Na época supunha-se que para ensinar Matemática bastava saber Matemática. Ainda hoje há quem pensa assim. Chamo isso de ingenuidade, não importa o título de quem suponha tal coisa.
Estágio naquela época consistia em apenas constatar as possíveis falhas do sistema e também da metodologia do professor. Não havia reflexão sobre os conflitos existentes. Era só preencher relatórios. Logo, estágio também não ajudava.
Saí da faculdade pesando que estivesse pronto para realizar um bom trabalho. Sabia razoavelmente a ciência e estava cheio de boa vontade. Tinha tudo, pensava eu.
Logo em seguida passei no concurso e assumi, no meio do ano, as aulas de um colega, não formado, que trabalhava há anos na mesma escola. Sabendo que ia perder a vaga para um recém-concursado ele não se deu por vencido. Deu-se ao trabalho de dizer para os alunos que estava sendo injustiçado e que o novo professor (ele nem sabia quem seria), com certeza, não saberia mais do que ele.
Quando cheguei o clima estava tenso. Os alunos diziam à meia voz de modo que eu pudesse ouvir: “tomou o lugar do outro, mas sabe menos”, “deixou o outro desempregado”. Riam de mim, imitavam os meus gestos. Eram alunos do 6º ano. Não desisti porque precisava trabalhar, mas confesso que não estava preparado para administrar, pelo menos internamente, o conflito. Penso que o leitor já imaginou o desgaste emocional.
Este é um caso específico e naturalmente não se repetiu com mais ninguém, mas outros conflitos de interesses não cedem espaço. Os alunos não têm também os seus interesses que são contrários aos nossos? Os pais sempre entendem a nossa posição? Todos os gestores escolares agem da mesma forma em relação a nós? Todas as turmas apresentam a mesma produtividade?
As turmas são todas diferentes. Mas não é só isso. O coeficiente de variação de uma turma também é diferente do coeficiente de variação da outra. Isto é, todas as turmas são diferentes, mas essa diferença não é apenas em relação a mim ou em relação à aprendizagem. Elas são diferentes também nas relações que os alunos estabelecem internamente, entre eles. O coeficiente de variação tem espectro mais amplo do que se imagina.
São dessas coisas que eu gostaria que alguém tivesse me alertado. Eu teria sofrido menos, me culpabilizado menos, gastado menos tempo me justificando, reclamado menos e, quem sabe, ousado mais.
A sociedade é um espaço de conflitos. A escola é parte da sociedade, logo, a escola é lugar e conflitos. E a sala de aula?
Todos os alunos vêm satisfeitos para sala de aula? Todos eles gostariam de estudar? Todos receberam a mesma educação familiar?
Aqui está, no meu entender, o problema do mal-estar geral entre os professores. Eles pensam que vão chegar à escola e encontrar alunos ansiosos por aprender, felizes por vê-los lá, dispostos a morrer por eles (pelos professores). Quanta ilusão! Quanta desilusão! Muitos se parecem aquelas “noivinhas” que se casam sonhando com a felicidade plena. Creio ser por essa razão que o nível de frustração é muito grande.
Professor foi contratado para ensinar quem não quer aprender, para orientar pais que não querem saber dos filhos, para incentivar e cobrar posição de colegas que já esmoreceram. Professor existe para ajudar a debelar a ignorância humana e não para administrar as belezas da ciência.
Há poucos dias um colega me disse, em tom melancólico, que professor vive na “linha de fogo”. Fiquei quieto temendo ofendê-lo, mas confesso que pensei: quem foi convocado para a guerra onde mais deveria estar? É possível que haja guerras menos trágicas do que outras, mas, ainda é guerra.
Nova Andradina, 04 de fevereiro de 2012
Antonio Sales profesales@hotmail.com
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