Lê-se e ouve-se com
muita frequência que a educação (lê-se educação formal, escolar) é a saída para
o Brasil. Como professor não posso discordar desse discurso, mas posso ter reservas
com relação à eficácia da educação. Não
posso discordar no que diz respeito ao preparo técnico dos brasileiros que, sem
dúvida, porá o Brasil em condições de competir economicamente. Penso que um bom
investimento na educação tecnológica, isto é, no preparo técnico dos sujeitos,
é fundamental para um país que quer ser competitivo e melhorar a qualidade de
vida dos seus cidadãos. Médicos, paramédicos, engenheiros e professores,
tecnicamente bem preparados e equipados farão uma grande diferença.
Porém, se tivermos um
bom preparo técnico, mas não tivermos ética, patriotismo, respeito para com as
instituições, amor pelo Brasil e respeito para o povo em geral, a vida do
brasileiro continuará sem melhoras. Um médico estúpido, um engenheiro
trapaceiro, um político corrupto, um policial inseguro, uma justiça inescrupulosa
e um professor sem compromisso com a educação não proporcionam o bem-estar de
ninguém. O preparo técnico, por si, não acelera processos judiciários, não coíbe
a corrupção, não protege o cidadão, não faz a polícia presente e não protege o
meio-ambiente. Um bom preparo técnico pode aperfeiçoar a arte de matar, melhorar
a técnica do roubo e proporcionar “esconderijos” mais seguros para os
sequestradores como foi o caso do austríaco que manteve relação incestuosa com a
filha por 24 anos no porão da própria residência (1).
Minhas reservas com
respeito à eficácia da educação consistem no fato de que o conhecimento em si
não transforma uma pessoa em um ser humano. O jovem talibã que atirou em
Malala, no Paquistão, tem curso universitário completo (2), Bin
Laden também tinha formação universitária e os engenheiros que provocaram a
explosão de usina nuclear de Chernobil tinham alta competência técnica(3).
É preciso algo mais.
Uma preparação humanista ainda não está presente na maioria dos professores em
atividade e continuará por muito tempo até que eles se aposentem. Os cursos de
formação de professores no passado não tinham essa preocupação e ainda hoje a
preparação humanística do professor não é objeto de discussão nos corredores da
universidade, isto é, não faz parte do discurso espontâneo.
A ética ainda é pensada
como algo que falta na politica, a honestidade como essencial para o engenheiro
(e outros técnicos) e o bom atendimento como parte do trabalho das secretárias.
Enfim, pensamos que esses valores devem ser conservados pelo outro enquanto nós,
professores, somos simples vítimas do sistema.
O aluno deve nos respeitar,
a família deve cooperar conosco, mas em que nós podemos cooperar com a família
e como podemos demonstrar o nosso respeito pelo aluno? A nossa relação com a instituição
é respeitosa? A nossa participação política, através dos Conselhos, é
voluntária e consciente?
Não somos preparados
para a prática da mediação de conflitos, não sabemos ser confrontados sem
perder a compostura, não sabemos esperar pelo tempo do aluno e somos incapazes
com conviver com o “não”. O conflito da sala de aula, que deveria ser visto como natural e desafiador, como parte do processo democrático, nos desestimula e até
nos ofende.
É esse professor que
ainda está formando professores. É quem não saber ser ensinando quem vai ser.
Há algum progresso na visão
de como deve ser essa formação, mas é recente a preocupação com o ser professor.
Em algumas áreas ainda há muita ênfase na técnica e quase nenhuma na ética.
A educação básica ainda
está centrada na cognição com ênfase na Matemática e na Linguagem. A escola não
tem dado atenção ao saber-ser do
aluno porque os gestores e professores, em sua maioria, não sabem ser e não
pensam nessa perspectiva.
Temo que esse ufanismo
da educação não nos leve a nada.
Antonio Sales
Campo Grande, 19 de dezembro
de 2013.
Referências
(2)
YOUSAFZAI, Malala; LAMB, Christina.
Eu Sou Malala: a história da garota
que defendeu o direito á educação e foi baleada pelo Talibã. São Paulo:
Companhia das Letras, 2013.
(3)
KIDDER, Rushworth M. Como tomar
decisões difíceis ou como escolher na vida entre o certo e o certo. São
Paulo: Gente, 2007.
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