Tijolo voa? Voa sim. Voa com a força do impulso que lhe dão e na direção que a mão lhe imprimiu. O problema é que o tijolo não tem alvo próprio. Ele choca-se com um objeto sem saber que ele estava lá. Se acerta não sabe porque e em que acertou e, se erra, não sabe porque errou. Ninguém ignora que tijolo voador também atinge o alvo. O único problema é que o alvo não é dele.
O editor da Revista Veja escreveu que “tijolo voador” é uma expressão usada pelos economistas para “descrever uma economia que, a despeito de um desenho tosco e disfuncional, persevera na sua caminhada para frente em razão de rara combinação de circunstâncias favoráveis”(Revista Veja, Edição 2251, Ano 45, Nº 2, 11 de janeiro de 2012).
Na carta ao leitor da referida edição da Veja, o editor dizia ainda que “no caso específico do Brasil, o tijolo voa impulsionado pela valorização internacional dos produtos de exportação, em especial o minério de ferro, a soja e a carne dádivas da natureza que o engenho pátrio soube transformar em riqueza, mas que denotam uma indesejável dependência da demanda externa por alguns poucos itens primários”.
Pensei no meu fazer como professor. Percebi que alguma coisa que faço dá certo, porque alguns alunos aprendem, enquanto outras dão errado. Isso seria considerado normal não fosse o fato de eu não saber explicar porque uns poucos aprendem, outros tantos fogem da aula e outros decoram o livro o suficiente para se enganarem pensando que aprenderam.
O problema não é isso acontecer. Quem trabalha com seres humanos não pode dar garantias do seu produto final. Há turmas que produzem mais e há turmas que produzem menos. Ser humano é assim mesmo, um tanto aleatório, movido a circunstâncias diversas e adversas. Interesses conflitantes estão em ação a todo instante. O problema está no fato de eu, como profissional, não saber e não querer saber, o quanto de mim está em cada um desses resultados. Como profissional eu teria a obrigação de pensar sobre isso, saber dimensionar, ainda que por aproximação ou estimativa, o quanto daquele resultado é meu produto.
Não posso ser apenas mais um tijolo voador.
Os estudiosos da Estatística sabem que a chamada “distribuição normal” ou “distribuição gaussiana”, representada por uma curva em forma de sino e apresentada pela primeira vez por Abraham de Moivre em 1733, comporta, em termos de porcentagem, os seguintes valores:
Distribuição | Proporção | Fora da distribuição |
Média ± 1 desvio-padrão | 68,26% | 31,74% (15,87% acima e 15,87% abaixo) |
Média ± 2 desvios-padrão | 95,50% | 4,50% (2,25% acima e 2,25% abaixo) |
Média ± 3 desvios-padrão | 99,70% | 0,30% (0,15% acima e 0,15% abaixo) |
Embora esses valores valham para grandes números, isto é, para um número grande de experimentos e a sua aplicação a pequenos números não seja recomendável, ainda assim peço a permissão do leitor (e dos estatísticos) para usar esses parâmetros em minha sala de aula.
Normalmente, dos 40 alunos que iniciam o curso eu aprovaria, no final do ano e de bom gosto, quatro ou cinco. Isto é, menos do que os 15,87% que a distribuição normal me daria como estando na parte superior ou à direita da curva. Fico pensando: será que esses 10% ou 12% que consigo aprovar com sucesso não seriam exatamente aqueles alunos que não precisariam de mim para aprender? Onde ficam os 30% ou 40% (mais do que 15,87%) que evadem ou se desinteressam porque descobrem que não vão aprender? Aqueles que descobrem que sem assistir a minha aula a vida fica melhor, menos traumática? O que eu faço como os 68% que, segundo Moivre, Lapace, Gauss e Legendre, ocupam a parte central da curva? Não são eles que precisam de mim? Por que não consigo atingi-los? Puro problema social?
Será que ficar buscando desculpas para os meus fracassos ou culpando os outros por “terem passado na frente” e impelindo-me a errar o alvo não é sintomático da síndrome de “tijolo voador”.
Não tenho respostas para essas perguntas, mas é exatamente por isso que me sinto um tijolo voador. Vou, mas não sei para aonde. Acerto, mas não sei onde e nem o porque. Se erro o alvo é culpa de quem passou na frente.
Faço muita coisa: preparo as aulas, aplico e corrijo provas, faço revisão e atendo alunos para tirar dúvidas. E, como atividades complementares, faço ainda: a) falar mal dos alunos dizendo que não querem nada ou que não estudam; b) reclamar do pouco tempo para cumprir a ementa; c) reclamar do salário; d) dizer que as famílias estão desorganizadas (a minha família não); e) reclamar da falta de apoio (apoio para quê, se não sei para onde estou indo?). Trabalho muito, sem dúvida. Infelizmente tem me sobrado pouco tempo para pensar na minha atuação profissional, avaliar a minha prática e rever os meus conceitos.
Confesso que muitas vezes me surpreendo sentindo-me um tijolo voador.
Campo Grande, 10 de janeiro de 2012.
Antonio Sales profesales@hotmail.com
Olá,na frase "...por que não consigo atingi-los? Puro problema social?" Penso, que esse não atingir é a angústia de muitos professores. Penso, que se aprende com mais facilidade o que se gosta e dá prazer. Muitas vezes o aluno está em um determinado curso, não por opção, mas por imposição: do mercado de trabalho, dos pais ou por desculpa qualquer. Bom seria, se pudéssemos atingir um número considerável de alunos positivamente, sabemos que não é assim. Eu mesma, quando terminei minha faculdade fui autodidata em conteúdos que o professor não conseguiu acertar o tijolo voador.Hoje como professora, sei que o alvo do tijolo atirado pelo professor, é para aquele aluno com maior dificuldade, mas muitas vezes é o alvo que não quer ser atingido. Precisa haver o comprometimento do professor em querer atingir, mas deve haver um comprometimento muito maior do alvo a ser atingido. As desculpas que buscamos para nossos fracassos, não é maior do que as desculpas que o aluno dá em relação ao conteúdo não aprendido. Penso assim guri. Abraços Sales, te admiro.
ResponderExcluirExcelente contribuição. Estamos pensando no problema, logo, estamos deixando de ser um "tijolo voador".
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