Translate

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

“PROFESSOR AVILTADO POR ALUNA TURISTA: TRISTE HISTÓRIA DE UM PROFESSOR”

          Recebi, ontem, um e-mail com  uma história com o título acima. A história era de um professor de Física, de Porto Alegre que, segundo o texto, em  junho de 2011 teve um “confronto” com uma aluna “turista” que não dava atenção à sua aula e ainda atendeu o  celular durante a mesma. Repreendida pelo professor foi para casa e,  poucas horas depois, sua mãe registrou BO contra o professor alegando que ele constrangera a sua filha adolescente.
O professor sentiu-se aviltado (eu também me senti incomodado) e, ainda segundo o texto, diz que vai deixar a profissão.
Não costumo dar muito crédito a essas notícias que se divulgam pela internet sem fonte bem definida. Temo que seja algum sensacionalismo barato, mas, no caso, a história perece  fazer sentido e me atrevo a tecer algumas considerações a respeito.
Primeiramente devo dizer que é lamentável que em pleno século XXI ainda encontremos famílias como a dessa moça, sem nenhum princípio ético a nortear a sua vida. Parece que o princípio que norteia a sua vida é o desejo de aviltar, tripudiar. São pessoas carentes de afeto, de atenção, de autoestima e de educação.
São pessoas que vivem no século XXI, mas ainda não se apropriaram do espírito do século: compreensão, tolerância, respeito, cidadania. O que não é de estranhar muito. O século XX foi chamado de “o século das luzes”, uma referência ao avanço da ciência, avanço do conhecimento. Apesar disso, muitos passaram toda a existência vivendo  literalmente na escuridão: sem estudar, sem gostar de ler, sem tomar vacinas e sem energia elétrica na casa. A sociedade é assim: uns vivem o espírito do século e outros nem sequer sabem em que século estão vivendo. Vivemos no século da ética mergulhados numa onda de corrupção. Vivemos no século do respeito envoltos em violência.
Estamos aqui, como professores, para que?
Em segundo lugar penso que no caso analisado a aluna, a família e o professor eram todos imaturos, isto é, despreparados para os embates da vida. Como já nos manifestamos sobre a moça e sua família, falemos agora do professor. Penso que ele não foi aviltado como professor, mas como pessoa, isto é, qualquer profissional que estivesse lidando com aquela moça naquele momento teria passado pelo mesmo vexame. Portanto, não foi o professor que foi aviltado, foi um ser humano (o tratamento que ele recebeu independe da profissão). Professor precisa deixar de se considerar vítima profissional do sistema. Todo profissional tem seus revezes: processos judiciais, caloteiros, difamação, agressões verbais ou físicas, etc. Não há profissão isenta de contratempos. Não há trabalho fácil.
Ainda bem que é assim. Ainda bem que todos os profissionais têm os seus contratempos. Se somente os “navios” comandados por professor naufragassem não daria para desconfiar de alguma coisa?
Quando o professor dá adeus ao Estado, isto é, ao exercício da profissão na rede pública, por esse motivo, está revelando o seu despreparo para o exercício da profissão. Ele não sabe gerenciar conflitos, não está preparado para o embate com a ignorância (embate para o qual ele está sendo pago). Por outro lado, ele revela ainda, por esse gesto, que estava insatisfeito com o trabalho que realizava na rede pública e isso deixa dúvidas se ele não teria sido mesmo grosseiro com a moça. Quando dois frustrados se encontram a guerra é sempre possível. Pior ainda, com culpados e prejudicados de ambos os lados.
O que me deixa reocupado é que essa história evidencia que as licenciaturas não formam professores. Formam “físicos”, “matemáticos”, “historiadores”, “geógrafos”, “linguistas”, etc.  Essas pessoas saem da faculdade sem saber o que a sociedade espera delas e sem imaginar que tipos de alunos enfrentarão. Não param para refletir sobre os conflitos que enfrentarão, sobre os interesses opostos que se manifestam normalmente. Quem já imaginou trabalhar com seres humanos sem enfrentar conflitos? Só os licenciados porque, infelizmente, nas universidades ainda se pensa que ser professor é somente ministrar aulas. Doutores, que nunca estiveram em sala de aula na educação básica, são exemplos de professores para os licenciandos. Ninguém pensa nisso?
Despreparados para a vida profissional procedem como esse professor que no fim do seu texto diz que não depende dessa profissão para viver e que exerce a profissão por gostar. Aquela ladainha toda  que estamos cansados de ouvir.  Não entendo como alguém que exerce a profissão por gostar desiste da mesma por tão pouco. Pior, desiste das pessoas. Quer exercer a profissão longe delas, longe  exatamente de quem precisa dele.  Não entendo como alguém que não precisa “disso” para viver se submete a um ritual tão desgastante por tanto tempo e reclamando o tempo todo. Está na hora de mudar, pelo menos, o discurso. Será que professor não conseguiria dizer outra coisa? Com esse discurso o professor assina, a cada dia, o seu atestado de incompetência.
A aula desse professor deveria ser um “xarope”: reclamação, esnobação do seu suposto potencial e humilhação dos alunos. Quem trabalha para “fazer favor” costuma aprontar dessas.
Não creio que a moça tenha razão. Ela tinha a opção de não vir à aula  já que era “turista”. Não creio que a sua mãe procedeu corretamente. Ela tinha a opção de vir conversar com o professor (será que o professor estaria aberto ao diálogo?). Não sou a favor desse professor porque se, segundo ele, tinha a opção de não estar ali, então, por que estava? Quem está onde não precisa estar corre o risco de ser incômodo.
No meu entender esse professor procedeu como Francesco Schettino, comandante do navio  Costa Concordia que naufragou no litoral da Toscana no dia 13/01/2012. Schettino abandonou o navio deixando 1100 tripulantes e  3200 passageiros sem a sua assistência (Veja Ed. 2253, Ano 45, Nº 4, de  25/01/2012, p. 72-76). Quando li o texto desejei ser um De Falco para bradar a esse professor: volte a “bordo” e dê exemplo, aos demais alunos,  de como se gerencia conflitos e se supera frustrações.
Ser professor no paraíso é fácil, pena que seja tarefa somente para anjos. Parece-me que as vagas estão todas ocupadas. Nós fomos convocados para sermos professores aqui, agora, no meio da turbulência, no meio dos conflitos. Se é para isso que fomos formados e contratados, qual a razão para a fuga?
 Por outro lado, será que algumas aulas, especialmente de professores esnobes, não ficariam melhores se fossem mesmo interrompidas de uma vez por todas? É melhor não saber física, matemática, etc., e agir como um ser humano (cortesia, aposta no outro) do que saber tudo isso e ser um estúpido, um troglodita, um alienado. A sociedade não precisa de “bin Ladens”.
Volta para a sala de aula, professor, e mostre que sabe algo mais do que Física. Sua história realmente é triste. Triste não pelo que a família da aluna lhe fez (ossos do ofício), mas pelo que você está fazendo. Triste pelo seu despreparo para o exercício da profissão.Triste porque você pensou que professor tem prerrogativas divinas, é inquestionável.
Campo Grande, 26 de janeiro de 2012.
Antonio Sales   profesales@hotmail.com

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

“O TIJOLO VOADOR”


Tijolo voa? Voa sim. Voa com a força do impulso que lhe dão e na direção que a mão lhe imprimiu. O problema é que o tijolo não tem alvo próprio. Ele choca-se com um objeto sem saber que ele estava lá. Se acerta não sabe porque e em que acertou e, se erra, não sabe porque errou. Ninguém ignora que tijolo voador também atinge o alvo. O único problema é que o alvo não é dele.
O editor da Revista Veja escreveu que “tijolo voador” é uma expressão usada pelos economistas para “descrever uma economia que, a despeito de um desenho tosco e disfuncional, persevera na sua caminhada para frente em razão de rara combinação de circunstâncias favoráveis”(Revista Veja, Edição 2251, Ano 45, Nº 2, 11 de janeiro de 2012).
Na carta ao leitor da referida edição da Veja, o editor dizia ainda que “no caso específico do Brasil, o tijolo voa impulsionado pela valorização internacional dos produtos de exportação, em especial o minério de ferro, a soja e a carne dádivas da natureza que o engenho pátrio soube transformar em riqueza, mas que denotam uma indesejável dependência da demanda externa por alguns poucos itens  primários”.
Pensei no meu fazer como professor. Percebi que alguma coisa que faço dá certo, porque alguns alunos aprendem, enquanto outras dão errado. Isso seria considerado normal não fosse o fato de eu não saber explicar porque uns poucos aprendem, outros tantos  fogem da aula e outros decoram o livro o suficiente para se enganarem pensando que aprenderam.
O problema não é isso acontecer. Quem trabalha com seres humanos não pode dar garantias do seu produto final. Há turmas que produzem mais e há turmas que produzem menos. Ser humano é assim mesmo, um tanto aleatório, movido a circunstâncias diversas e adversas. Interesses conflitantes estão em ação a todo instante. O problema está no fato de eu, como profissional, não saber e não querer saber, o quanto de mim está em cada um desses resultados. Como profissional eu teria a obrigação de pensar sobre isso, saber dimensionar, ainda que por aproximação ou estimativa, o quanto daquele resultado é meu produto.
Não posso ser apenas  mais um tijolo voador.
Os estudiosos da Estatística sabem que a chamada “distribuição normal” ou “distribuição gaussiana”, representada por uma curva  em forma de sino e apresentada pela primeira vez por Abraham de Moivre em 1733, comporta, em termos de porcentagem, os seguintes valores:
Distribuição
Proporção
Fora da distribuição
Média  ±  1 desvio-padrão
68,26%
31,74% (15,87% acima e 15,87% abaixo)
Média  ±  2 desvios-padrão
95,50%
4,50% (2,25% acima e 2,25% abaixo)
Média  ±  3 desvios-padrão
99,70%
0,30% (0,15% acima e 0,15% abaixo)

Embora esses valores valham para grandes números, isto é, para um número grande de experimentos e a sua aplicação a pequenos números não seja recomendável, ainda assim peço a permissão do leitor (e dos estatísticos) para usar esses parâmetros em minha sala de aula.
Normalmente, dos 40 alunos que iniciam o curso eu aprovaria, no final do ano e de bom gosto, quatro ou cinco. Isto é, menos do que os 15,87%  que a distribuição normal me daria como estando na parte superior ou à direita da curva. Fico pensando: será que esses 10% ou 12% que consigo aprovar com sucesso não seriam exatamente aqueles alunos que não precisariam de mim para aprender? Onde ficam os 30% ou 40% (mais do que 15,87%) que evadem ou se desinteressam porque descobrem que não vão aprender? Aqueles que descobrem que sem assistir a minha aula a vida fica melhor, menos traumática? O que eu faço como os 68% que, segundo Moivre, Lapace, Gauss e Legendre, ocupam a parte central da curva? Não são eles que precisam de mim? Por que não consigo atingi-los? Puro problema social?
Será que ficar buscando desculpas para os meus fracassos ou culpando os outros por “terem passado na frente” e impelindo-me a errar o alvo não é sintomático da síndrome de “tijolo voador”.
Não tenho respostas para essas perguntas, mas é exatamente por isso que me sinto um tijolo voador. Vou, mas não sei para aonde. Acerto, mas não sei onde e nem o porque. Se erro o alvo é culpa de quem passou na frente.
Faço muita coisa: preparo as aulas, aplico e corrijo provas, faço revisão e atendo alunos para tirar dúvidas. E, como atividades complementares, faço ainda: a) falar mal dos alunos dizendo que não querem nada ou que não estudam; b) reclamar do pouco tempo para cumprir a ementa; c) reclamar do salário; d) dizer que as famílias estão desorganizadas (a minha família não); e) reclamar da falta de apoio (apoio para quê, se não sei para onde estou indo?). Trabalho muito, sem dúvida. Infelizmente tem me sobrado pouco tempo para pensar na minha atuação profissional, avaliar a minha prática e rever os meus conceitos.
Confesso que muitas vezes me surpreendo sentindo-me um tijolo voador.
Campo Grande, 10 de janeiro de 2012.
Antonio Sales      profesales@hotmail.com

domingo, 22 de janeiro de 2012

O PROFESSOR É CARENTE DE ESPERANÇA?


O primeiro texto que escrevi sobre a dificuldade que o professor tem em apostar no outro concluí o pensamento com a frase: o professor é carente de esperança.
Algum leitor pode achar estranha tal conclusão para um texto como aquele. Resolvi voltar ao assunto para explicar o significado da frase.
Para mim esperança não tem relação com o verbo esperar. Esperança, na minha concepção, vem de acreditar, investir, apostar. Esperar (ter esperança) é diferente do verbo regular de primeira conjugação, esperar. Esperar é ativo, esperar é passivo. Quem planta espera (lavrando a terra e protegendo a lavoura) colher. Quem faz um jogo espera (investindo dinheiro) ganhar. Quem espera (passivamente) tem falta de iniciativa. Quem não planta não acredita que a terra produza, logo não tem esperança.
O professor tem esperança? Ele faz apostas? Ele acredita? Ele investe?
Pensemos um pouco sobre isso. Conduzo o meu raciocínio com base na minha experiência pessoal trabalhando como e com professores por longo tempo. Tenho ouvido as suas falas espontâneas e os seus discursos arquitetados. Tenho analisado o seu comportamento à luz da ética do cotidiano, da ética do povo, do que a sociedade espera das pessoas.
Resultado das minhas observações:
1.      O professor não acredita no aluno.
Expressões como: “esses alunos não querem nada”, “os alunos cada vez aprendem menos”, “eles chegam sem saber nada”, “os alunos não estudam”, e outras equivalentes, são comuns.
Quem acredita nisso tudo não acredita que o aluno chegue a ser alguém responsável, um cidadão de bem, um empresário, um administrador, um bom professor, um escritor, ou qualquer outra coisa que valha a pena.
Para ensinar um aluno que não quer nada, e não vai aprender, não precisa preparar as aulas, atualizar os slides, alterar a ordem da ementa, estudar didática, cumprir horário de aula, aplicar provas bem elaboradas, estabelecer relações entre a ciência e a vida. Já ouviu algum professor dizendo que para o que ensina já sabe demais?
Para que pensar em mudar a organização didática se o aluno não está interessado? Para que discutir questões pedagógicas se os alunos “não estão nem aí”?
Isso me leva à conclusão de que o professor não investe na sua formação pedagógica, não pensa no seu fazer e não pensa em propostas pedagógicas. Fazer isso seria apostar no aluno, ter esperança.
Quem não acredita não tem motivação, é um professor infeliz, sem vibração. Suas aulas são “chatas”. Aulas de quem não tem esperança são “chatas”.
2.      O professor não acredita em si mesmo ou no seu trabalho.
Ele não acredita que o seu trabalho possa fazer alguma diferença nesse quadro tétrico que ele mesmo pinta (e que, às vezes, é tétrico mesmo). Não acredita que consiga inverter a situação daqueles seus alunos. Não acredita no potencial transformador do produto que oferece. Parece que o professor é um profissional pré-frustrado porque vai para o trabalho esperando não obter resultados. Será que não é por isso que obtém tão poucos resultados? Professor acomodado não motiva. Professor que não acredita não produz crença.
3.      O professor não acredita no potencial motivador da disciplina que ensina.
Parece que ele ensina uma ciência morta. Ou ele mata a ciência ao ensinar?
Rubem Alves, Malba Tahan e outros falam de professores que os ensinaram a gostar de uma disciplina porque deram vida à ciência que ensinavam.
Professor que não acredita que a ciência seja viva, não motiva. Não importa quão dura seja a ciência (Matemática, Física ou Química) é preciso dar-lhe vida, mas para dar vida é preciso ter vida. Professor sem vida não dá vida, não entusiasma, não produz e não leva esperança. Sem esperança nada muda.
Rolando Toro (apud GONSALVES, 2009) afirma que:
“Toda pessoa que pretende fazer mudanças tem que ter plenitude, estar cheia de vida, de força. A mudança não pode surgir de uma carência. A mudança surge a partir da superabundância.
A primeira obrigação que temos como criadores, transformadores, é parir-nos a nós mesmos. Dar-nos à luz. Nascer de novo. Isso é o primeiro que temos que fazer. Morrer para o corpo rígido, preconceituoso, tenso, cheio de doenças psicossomáticas, sem energia, angustiado, submetido ao ‘stress’. Morrer para esse corpo e renascer com mais energia, com mais vitalidade e, sobretudo, com mais amor, com mais ternura”.
É uma questão de vida ou morte. Ou o professor renasce ou ele morre e mata os seus alunos. É uma questão de tempo. E, na atualidade, com a velocidade com que as mudanças ocorrem, esse tempo não é muito longo.
Na perspectiva que proponho quem não acredita não tem esperança. Professor não acredita, logo, professor carece de esperança.
Campo Grande, 10 de janeiro de 2012.
Antonio Sales                                         profesales@hotmail.com

Referência
GONSALVES, Elisa. Educação Biocêntrica: o presente de Rolando Toro para o pensamento pedagógico. João Pessoa: Editora Universitária-UFPB, 2009.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

PROFESSOR SABE FAZER APOSTAS?-II

Não faz muito escrevi neste mesmo espaço que o professor não saber fazer apostas, referindo-me a aposta no ser humano. Na oportunidade lembrei que apostar no ser humano é também um jogo porque é repleto de incertezas. Não podemos garantir o resultado da nossa aposta, não podemos comprometer antecipadamente o produto. Pode resultar em uma completa desilusão, mas, ainda assim, precisamos apostar no ser humano. Não é feio ser decepcionado por alguém; feio é não se decepcionar por não ter investido.
Ser professor é tarefa para seres humanos. Seres que têm sensibilidade, que acreditam no outro, que investem no futuro da sociedade porque apostam agora nos jovens. Mais do que sensibilidade o professor precisa ter coragem de correr o risco de uma decepção. Uma? Não, muitas decepções. É preciso ter coragem de correr o risco de ser decepcionado a cada dia.
O ser humano é assim. Ele pensa diferente. Cada um tem os seus próprios sonhos, desejos, interesses e metas. Não existe uma fôrma. Não existe um padrão. Não há uma base canônica.
O professor é o profissional que mais precisa apostar no ser humano e é o que menos sabe e menos está disposto a apostar. No primeiro texto citei dois exemplos que ilustram o que significa apostar. Minha experiência com formação inicial e continuada de professores dá-me a garantia de que eles não sabem apostar. Essa tem sido a minha luta: convencer-me e convencê-los da necessidade de correr esse risco.
Mas, por que o professor não sabe apostar?  Há coisas na vida que se aprende pelo exemplo. O professor tem exemplo de apostas?
Não sei como se passa a formação nas outras áreas do conhecimento, mas sei que em Matemática é preocupante o que acontece com relativa frequência. Alguns professores nem consideram o aluno como ser humano. Não dão direito a voz. Não dão direito a uma explicação do conteúdo. Não dão direito a uma troca de ideias com os colegas durante a aula para desfazer algum mal entendido da disciplina.
Não dão direito a uma explicação? Sim, é isso mesmo. Vivi essa experiência e ainda ouço alunos falando que o professor X age assim. Como age o professor X? Copia o livro no quadro e depois apenas lê o que transcreveu. Pronto, essa é a explicação. Se isso é ser professor, se isso é explicar, se isso é ensinar, então qualquer um poder ser professor até de Javanês. E aquele professor que começa pelos exercícios mais difíceis, para que o aluno se convença que não sabe?
Na realidade isso é uma demonstração de falta de respeito para com o ser humano. O professor deve ser alguém que estabeleça relações entre a linguagem científica e linguagem do aluno. Deveria ser o intérprete, mas, nem sempre é.
Se é nesse contexto que se forma o professor de Matemática que vai dar aulas na educação básica, o que ele aprende de aposta no ser humano?
Como se isso não bastasse ainda encontramos professores que acreditam e defendem que devem provar para o aluno que ele (o aluno) não sabe nada. Precisa? Quando o aluno se matriculou na disciplina ele já não estava admitindo não saber? Será que o que precisamos não  é provar que conosco ele consegue aprender?
Há professores que nem ficam tristes porque o aluno reprova ou desiste. Conseguiram provar que o aluno não sabe. Há os que ficam tristes porque o aluno não aprendeu, porque o aluno não acompanhou os outros e por isso, talvez, fique com uma chance a menos. Esses últimos são os professores humanos.
Já trabalhei em locais onde alunos de outras áreas, durante o último ano do curso, falam o ano todo de formatura e participam de eventos. Os alunos de Matemática, por sua vez, ficam cabisbaixos, sem estímulo para participar de eventos porque estão desiludidos. Não se veem como vitoriosos. Sentem-se como alguém que está se formando sem saber, sem merecer. Sabem que se não decorarem o livro (que foi copiado no quadro) não conseguirão se formar. Sabem que tudo aquilo não os ajudará em nada porque ninguém estabeleceu relação entre o que ensina e a futura profissão dele. Não ouvem uma palavra de credibilidade no potencial presente e futuro dele.
Como o licenciado em Matemática pode aprender a apostar no ser humano?  Violência gera violência dizem os estudiosos da matéria.
O professor da educação básica não aposta no aluno não é por falta de vontade, é por não saber apostar. Uma aposta não é uma certeza. Não é garantia de retorno. Apostar é oferecer uma oportunidade que pode não ser aproveitada. Como o professor trabalha com o imediato, com a resposta da prova, e seus modelos não o ajudam, suas esperanças se esvaem.
Quando esse professor foi aluno como ele foi tratado? Apostaram nele? Alguém lhe disse que suas dificuldades em algumas disciplinas não representavam, necessariamente, fracasso? Foi-lhe dito que aprendizagem é um processo que estava apenas começando ali?  Quando ele se saiu mal em alguma prova, foi compreendido e estimulado ou foi humilhado?
Ficam as questões?
Campo Grande, MS, 09 de janeiro de 2012.
Antonio Sales                     profesales@hotmail.com

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

PROFESSOR SABE FAZER APOSTAS?

Aposta está sempre associada a jogo. Fazer uma “fezinha” na loteria é uma aposta. Como educador, porém, não penso nesse tipo de aposta. Penso na aposta que se faz no ser humano. É também um jogo porque nunca se sabe se vai dar certo ou não. Quem trabalha com o ser humano não pode dar garantias. Ele não é como o tijolo, o concreto ou a máquina que ficam nos locais onde foram colocados. Na maioria das vezes ele nem mesmo obedece “aos comandos”. Ele traça o seu próprio destino. Apesar disso é preciso apostar no ser humano. É o único jogo que eu recomendo: apostar no ser humano.
Professor sabe fazer apostas? Parto do pressuposto de que ele é o profissional que mais deveria apostar. Tem a maior chance de erro porque trabalha com o intelecto, com a razão das pessoas procurando levá-las à autonomia no pensar. É um risco muito grande, mas é o risco que todo professor deveria ter orgulho de correr.
Professor sabe apostar? Está preparado para isso? Quer apostar?
Como sempre trabalho com exemplos, para ilustrar, vou a dois casos vivenciados por mim.
Tenho um clarinete e gosto de tirar alguns sons dele, mas não sou clarinetista. Não me apresento em público e ensaio cerca uma hora por semana apenas. É o meu “aperitivo” que fica guardado na “geladeira” e uma vez por semana  tomo um “gole”. Nada mais do que isso.
Não faz muito eu estava numa fila e na minha frente estava um senhor de meia idade muito simpático, com jeito de inteligente. Puxei conversa. Era formado em Administração de Empresas, mas músico por profissão. Com vários cursos na área exercia o cargo de regente na Banda Municipal. Falava do seu trabalho com os jovens com um brilho nos olhos e um largo sorriso de satisfação. Falou dos jovens que se tornaram instrumentistas respeitados sob a sua batuta.
Empolguei-me e inventei de falar do meu hoby: um clarinete de marca Weril de 13 chaves que aprendi soprar sozinho e de onde, de vez em quando, tiro alguma melodia. Enfatizei que não sei tocar e não me apresento em público.
Ele olhou para mim com olhar de simpatia e disse: “essas pessoas que dizem não saber são as que me surpreendem”. Convidou-me para comparecer nos seus ensaios e ensaiar com o grupo. Estavam sem clarinetista naquele momento. Ele me ajudaria a corrigir alguns possíveis vícios no uso do instrumento e eu me tornaria o clarinetista da banda.
Estou sem tempo no momento para tanta dedicação e não pude aceitar o convite, mas fiquei feliz porque ele apostou em mim. Acreditou que eu tivesse potencial e apostou em mim.
Homem inteligente ele! Sabe apostar nas pessoas. Duvida da incapacidade humana e aposta na capacidade até mesmo de um estranho. Está no lugar certo: trabalhando com jovens. O poder público está empregando bem o dinheiro que paga a esse homem.
Segundo exemplo. Não sou um expert em informática educacional, mas já trabalhei a disciplina “informática no ensino da matemática” e me dei muito bem. Discuti e exemplifiquei com os acadêmicos como alguns softwares grátis podem ser utilizados no ensino fundamental. Tinha orientado um grupo de acadêmicos estagiários no desenvolvimento de um projeto onde um software grátis estava sendo trabalhado com alunos do ensino fundamental. O trabalho foi um sucesso. Os acadêmicos voltaram do estágio muito empolgados com a experiência. Em certo momento fui trabalhar com professores que têm alguma experiência no uso das salas de tecnologias educacionais (STEs). Fui para discutir com eles a postura de um professor frente às novas tecnologias e abrir um debate sobre a utilização delas nas diversas áreas do conhecimento. 
Quis ser cortês e respeitar a experiência deles. Comecei dizendo que não tinha domínio sobre a tecnologia (e acho que, exceto os especialistas na área, ninguém pode dizer que tem). Aquela conversa de quem quer ser modesto no início e deixar o pouco de competência para depois. Queria fazer surpresa, mas foi o fim do meu trabalho.
Por mais que eu me esforçasse e providenciasse bons textos para o debate, alguns professores insistiram que não estavam aprendendo nada porque, segundo eles,  eu havia admitido que não sabia. Toda uma experiência de vida não foi levada em conta porque eu, querendo ser discreto, disse que não tinha domínio sobre a tecnologia. Foi o suficiente para destruírem o meu trabalho. Não apostaram em mim. Usaram a minha fala como desculpa.
Professor não sabe fazer apostas. Não sabe apostar nem em si mesmo. Quando se faz uma proposta nova ele retruca: “não dá certo”. É triste a situação do professor.
É lamentável que um profissional que precisa viver de apostas não consiga apostar nem em si mesmo. É triste que alguém que é pago para apostar se recuse em fazer apostas.
Há um trabalho muito grande a ser feito em favor dos professores: ensiná-los a apostar. Professor carece de esperança.
Esclareço que a minha afirmação de que o professor não sabe apostar não se prende ao dois exemplos dados. Discutirei com mais detalhes nas  próximas postagens. Esclareço ainda que o texto é mais provocativo do que afirmativo.
Campo Grande, MS, 25 de dezembro de 2011.
Antonio Sales            profesales@hotmail.com

sábado, 7 de janeiro de 2012

OS CRÍTICOS DEVEM SER BEM VINDOS?

No texto anterior falamos da necessidade de pessoas com espírito e capacidade para a crítica. Isso pode parecer assustador e abrir portas aos mal intencionados, aos agressivos e irônicos. Pessoas que se dizem críticas e são de fato, mas na pior acepção da palavra.
O leitor deve se lembrar  que no mesmo texto procuramos esclarecer o papel da crítica. Nesta oportunidade queremos reforçar que nenhuma crítica deve ser à pessoa ou ter a intenção de prejudicar quem quer que seja. A crítica deve  ter por objetivo  ajudar, alertar, evitar erros. 
È possível que nos mantenhamos arredios a essa idéia de que necessitamos de críticos porque ainda  temos uma concepção arcaica com relação  a essa ação e ao significado dessa  palavra. Na concepção atual crítica não significa, necessariamente, ataque impiedoso ou uma atitude impensada e, na maioria das vezes,  desprovida de bom senso. Por  crítico entende-se aquele que é capaz  de  julgar uma ação  pelos seus méritos. Pressupõe-se a existência de princípios éticos norteando a ação de criticar. Da mesma forma que se espera que  a instituição, ou pessoa, cuja ação esteja em julgamento  também seja crítica e tenha princípios éticos.
Ser crítico é ter consciência de que sempre é possível estar iludido pelos sentidos ou pelas concepções. É ser consciente de que é possível que alguém encontre  uma outra forma de ver e atuar, não necessariamente, melhor ou pior do que a adotada por nós.
Crítico é quem busca saber os objetivos e as causas. Não é  quem, norteado por idéias preconcebidas, busca ver erros em tudo, mas é aquela pessoa que pede prestação de contas, que busca saber motivos e compreender aonde se quer chegar.
Porém, mesmo sabendo disso, frequentemente não recebemos bem a crítica. Ela nos incomoda porque  mostra a nossa fragilidade. O crítico toca em nossa ferida, golpeia o nosso ponto fraco. A crítica é a flecha que atinge o “calcanhar de Aquiles”.
Ninguém gosta de ter sua fragilidade exposta e é por essa razão  que nos incomodamos tanto quando alguém nos critica. Nossa tendência é de nos protegermos a qualquer custo, mesmo que seja a custa de defesa de  erros.
Almejamos  estar acima da crítica e, às vezes, ao nos julgarmos fora de sua área de importunação descobrimos, para nosso profundo pesar, que o nosso  “calcanhar de Aquiles” é maior do que imaginamos. Pode acontecer descobrirmos que somos uma deformação com o “calcanhar” quase do tamanho do corpo.
Se fôssemos mais humildes   e admitíssemos  não sermos heróis (na concepção grega) seríamos menos afligidos por ela  e  não sofreríamos tanto com a sua presença. Tudo seria diferente se tivéssemos a consciência de que  ninguém pode se considerar  intocável; que ninguém está isento de erros.
Como não vivemos numa teocracia nenhum ser humano pode se arvorar em um enviado especial do Céu e com dificuldades para errar.  Podemos, sem dúvida alguma, nos considerar bem intencionados o que não nos isenta da possibilidade de cochilos morais, arroubos de zelo, manifestações de  intolerância, excessos de cuidados com a permanência na posição, exagero em beneficiar familiares e até mesmo o risco de se considerar o guardião supremo da honra  e protetor único das verdades que acreditamos. Com relação o este último item há ainda a possibilidade de nos posicionarmos no extremo oposto.
Mesmo numa teocracia ou com uma aproximação maior da ação divina os erros são possíveis e a História Sagrada está repleta de exemplos.
Diante disso, ninguém melhor do que uma pessoa com espírito crítico para nos alertar e nos colocar de volta no devido lugar. Portanto,  supomos não ser prudente fazer silenciar a voz dos que nos alertam e nem  deixar a nossa juventude sem o desenvolvimento de sua capacidade  de observar, inquirir, questionar. Prudente é formar neles o hábito da crítica, lembrando dos critérios expostos em textos anteriores de que o crítico primeiro deve se autocriticar e somente depois direcionar a sua atenção para fora.   É importante ter sempre presente que ele mesmo é passível de julgamentos impróprios.
Todo profissional que se preza interessa saber se o seu trabalhão está sendo útil ou não.  Ser avaliado por alguém, provido de bom senso, é salutar e contribui para evitar erros decorrentes de idiossincrasias.
Campo Grande, 18 de dezembro de 2012.
Antonio Sales  profesales@hotmail.com

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O PROFESSOR É CRÍTICO?-II


Ao continuar as minhas considerações sobre o tema é oportuno que recorramos ao que foi dito anteriormente.
Procurei informar ao leitor quanto à minha concepção de crítica e porque ela se faz necessária. Sempre penso em crítica na acepção mais positiva do termo, isto é, como “apreciação minuciosa e fundamentada” ou “ análise”:  Entendo que ser crítico é estar sempre alerta (mesmo sem ser escoteiro).  É não aceitar imposições, não aderir a nenhuma proposta cujos objetivos não estejam claramente expostos, não concordar com qualquer dogma sem uma análise profunda.
Encontrei nos evangelhos um exemplo interessante, embora saiba que nem sempre é prudente misturar textos considerados sagrados com discussões dessa natureza. Jesus, segundo o evangelho, foi um crítico, na mais completa acepção da palavra. Quando lhe perguntaram se era lícito pagar tributo a César Ele, não se sentiu insultado, não agrediu e não fez calar o interlocutor. Pelo contrário, analisou profundamente a missão de quem O interrogava, as implicações da Sua resposta, e colocou as coisas no seu devido lugar, com ética e respeito (Mat. 22:17-22).
A crítica é importante para evitar que questões não fiquem suficientemente claras ou não devidamente explicadas. Nesse contexto, um professor ou expositor crítico não apresentaria uma proposta superficial como expressão da verdade. Não justificaria os resultados do seu trabalho somente culpando os outros. Não fugiria do debate responsabilizando o aluno por tudo. Um público crítico não riria de piadas inoportunas, não se contentaria com superficialidades e nem com promessas impossíveis de serem cumpridas. Não rejeitaria e nem aceitaria, a priori, nada que é novo. Não reelegeria determinados políticos e nem aclamaria qualquer um que se apresentasse como candidato a seu representante.
Criticar, nesta concepção, é avaliar, analisar criteriosamente, evitar opiniões apressadas e não concordar com tudo que se diz.  Ser crítico é não aceitar tudo o que se diz sem antes passar pelo crivo da razão. É não condenar uma idéia simplesmente porque não está de acordo com o que está sendo pensado. Ser crítico é permitir que o outro expresse sua opinião e, antes de emitir uma opinião contrária ou condenar, proceder  uma análise.
Uma situação crítica1 é aquela em que  os rumos não estão plenamente definidos e crítica é a pessoa que está atenta a isso. Na esfera das ciências humanas os pontos críticos são imprecisos, e muito sutis, tornando necessária a presença de um espírito crítico, verdadeiramente arguto, para evitar extremos perigosos e abusos de qualquer ordem ou imprudências.
Repudia-se a crítica porque os sarcásticos, os irônicos, os censuradores e os agressivos são tomados como exemplos de críticos. Entende-se que os críticos colocam empecilhos no nosso caminho, mas parece-me que essa não é a verdade. Entendo que os que criam obstáculos não são críticos - são contra. Os agressivos não são críticos, são desprovidos de civilidade. Os irônicos não são críticos, são indelicados. Eles não criticam, atacam. Esses críticos não procuram analisar o contexto, as intenções, o texto que está sendo lido e a mensagem que está sendo exposta. Opor-se simplesmente não é crítica é falta de competência para julgar. Tem-se a impressão de que, em determinados momentos, falta a esses críticos até o senso do ridículo dadas as contradições que apresentam.
Não sei meu amigo leitor se, depois destes artigos, consegui provocá-lo ao ponto de torná-lo crítico, pelo menos em relação aos meus textos e ao meu ponto de vista - que é um ponto de vista. Estou provocando você que me lê, como indivíduo, que desconheço pessoalmente, mas que sei que é um ser pensante e crítico.
 Você acha que se fôssemos mais críticos, mais conscientes, nosso país estaria como está e algumas instituições faliriam de forma tão vergonhosa como acontece? Será que muitos conflitos entre patrões e empregados não seriam minimizados em virtude de cada um saber o seu devido lugar? Será que a relação entre professor e aluno não seria menos sofrida se criticássemos mais a nós mesmos e menos aos outros?
Campo Grande, janeiro de 2012.
Antonio Sales   profesales@hotmail.com