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domingo, 12 de maio de 2013

DISCURSOS DEMAGÓGICOS NO CONTEXTO EDUCACIONAL



Estou com um jornal panfletário na mão. Foi produzido para isso mesmo: panfletar, tentar sensibilizar a comunidade com relação à luta de uma classe profissional: os professores universitários (categoria da qual faço parte).
Um quadro na última página e grafado com letras gigantes chama a minha atenção. Leio: “Por uma educação pública de qualidade”.
Penso: pura demagogia. 
Em primeiro lugar é preciso observar que a frase é extremamente imprecisa, polissêmica. Se perguntarmos “o que é educação de qualidade” alguém sabe responder? Ela está relacionada com a participação da família na escola e o interesse do aluno? Está relacionada com a didática e postura profissional do professor? Tem relação com o baixo salário do professor ou com o aumento da drogadição e agressão dos alunos? É uma referência a uma escola bem cuidada ou a uma gestão comprometida com o pedagógico e os relacionamentos? Tem a ver com a segurança nas escolas ou com a ética profissional?
Se for tudo isso (e muito mais) será que se espera que todos os fatores sejam atacados de uma única vez ou há prioridades? Se há prioridade, essa é o salário do professor, a sua didática, o aprendizado científico do aluno ou a melhoria dos relacionamentos?
Haverá melhoria na educação pública com essa impunidade que reina no Brasil? Nesse caso, a punição dos “mensaleiros” seria um passo importante na melhoria da qualidade da educação? E a eleição de um governante truculento e de legisladores incompetentes ou sem precedentes recomendáveis teria alguma relação?
Para um sindicato que só “briga” por salários a frase tem um único significado. Deve ser por isso que a divulgam sem mais esclarecimentos.
Em segundo lugar é preciso lembrar o leitor que no Brasil o volume de alunos na Educação Básica é muitas vezes maior do que na Educação Superior. Portanto, uma campanha por “educação pública de qualidade” deveria ter como foco a Educação Básica. É aqui que está o segundo grande nó. A Universidade tem dado pouca atenção para a Educação Básica. Pouquíssimos professores de curso de licenciatura (os que deveriam lutar por uma “educação e qualidade”) estão interessados em preparar os seus acadêmicos para serem professores da Educação Básica. A ênfase deles é na pós-graduação, seduzir os acadêmicos para a “pós”.  Raros são os casos de professores que vão à “base” saber o que a escola necessita quais os problemas enfrentados, para discutir com os acadêmicos em sala de aula. Tem muitos que ainda não acordaram que o conhecimento científico é insuficiente para produzir um bom profissional (ele é um exemplo disso e não se dá conta). O conhecimento científico é insuficiente para produzir mudanças relacionais e éticas.
Alguém lembrou muito bem que o “holocausto” foi executado por pessoas com formação científica. Engenheiros projetaram as câmaras de gás, médicos aproveitaram para fazer experiências com pessoas, oficiais do Exército comandaram operações contra os que se opunham e oficiais da Polícia comandaram a execução das sentenças. A relação poderia continuar.
Só para lembrar: a explosão da usina nuclear de Chernobil foi provocada (segundo notas divulgadas) por dois engenheiros de alta competência técnica que resolveram experimentar qual a temperatura máxima suportada  por um reator.
Se o professor de licenciatura pouco está “ligando” para a melhoria da qualidade da educação pública por onde o sindicato da categoria deveria começar a sua campanha? Deveria se preocupar em sensibilizar a sociedade ou os professores? A mudança não deveria começar em casa?
Como nunca gostei de demagogia fico irritado com essa frase lançada ao ar para que cada um interprete como quiser. Por favor, sindicatos, definam o que é educação pública de qualidade para vocês.
Antonio Sales     profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 12 de maio de 2013.

sábado, 11 de maio de 2013

SER MÃE ONTEM E HOJE



Nós, do gênero masculino, temos dificuldades para entender os sentimentos de uma mãe. Nunca saberemos o que significa ser mãe, mas podemos imaginar como temos contribuído para que a sua vida seja melhor ou pior, para que a maternidade tenha mais sentido ou menos sentido.
Neste texto tento conjecturar como tem sido a experiência de ser mãe em diversos momentos da história. Tomo por base a história sagrada do cristianismo supondo que muitos, mesmo não cristãos,  tenham alguma informação sobre ela.
Buscando na antiguidade encontro nomes como Sara (esposa de Abraão), Rebeca (esposa de Isaque filho de Abraão), Raquel (esposa de Jacó neto de Abraão) e Ana (conhecida por ser a mãe do profeta Samuel). O que há em comum entre essas mulheres é que foram estéreis a maior parte da vida conjugal. Todas elas em algum momento da vida se angustiaram com essa situação. Todas deixaram escapar de alguma forma algum lamento. Lamentos explícitos ou em forma de exigência para que o marido as fecundasse ou fecundasse alguma escrava para que elas adotassem o filho.
 É possível imaginar as dores que sentiam uma época em que ser mãe era a principal (ou talvez a única) função da mulher.
A fêmea que não procriava era inútil. Essa era a lição que a natureza lhes transmitia. Ao verem a procriação sendo valorizada sentiam mais intensamente a “síndrome do útero vazio”.  O sentido da existência lhes escapava e a angústia que sentiam pela esterilidade é difícil de avaliar. Alguns maridos sofreram com elas (Abraão) outros se impacientaram (Isaque e Jacó) e  alguns, como Elcana,  não as entenderam. A “síndrome do útero vazio” trazia-lhes desespero e desejo de morte. A humanidade lhes foi ingrata ao compara-las com as demais fêmeas. Extrair lições práticas da natureza nem sempre faz bem à vida,  nem sempre é sábio.
Para completar a sua angústia, a ausência de filhos era tomada como sinônimo de maldição divina ou capricho dos deuses. Não tenho dúvidas de que o mundo já foi pior para as mães.
Viajando um pouco mais no tempo procuro imaginar o que era ser mãe nos dias Jesus.
Aliás, os homens nunca valorizam o produto do ventre feminino. Cobrava-lhes produção, mas não valorizavam os filhos. Tratava-os com grosseria. Impacientavam-se com eles e, muitas vezes, culpavam a mães pela inquietação dos filhos e pela não “moldagem” deles ao era esperado pelo pai.
 No tempo de Jesus algumas mães tiveram o privilégio de encontrar alguém que valorizou o fruto do seu útero. Consta nos evangelhos que Jesus certo dia, ao ser rodeado por mães,  tomou as crianças sem seus braços e as abençoou.
Talvez isso tenha acontecido uma única vez, mas o cronista registrou como um dos feitos importantes de Jesus. Talvez ele tenha pensado em enaltecer o seu Mestre, mas eu penso que com esse registro  ele enalteceu as mães. Enalteceu as mães porque trouxe ao mundo uma nova visão sobre maternidade, a visão de que o fruto do ventre de uma mulher é um ser humano e deve ser valorizado, respeitado. Cada sorriso que damos a uma criança valorizamos a mãe que a gerou. Cada afago, cada elogio, cada oportunidade que damos a uma criança é uma apologia à maternidade. Afagar uma criança é como acariciar a mãe que a gerou.
Valorizar um filho, promover legitimamente um filho é o melhor elogio que se pode oferecer a uma mãe.
Até recentemente, pela alta mortalidade infantil, era como se toda mulher tivesse um punhal cravado no útero. A “maldição” da morte lhes acompanhava e o pesadelo do útero esvaziado se fazia sempre presente.
Em nossos dias as perspectivas  são outras. Mulheres não precisam ser mães para serem respeitadas, e as que são mães recebem (pelo menos um pouco) do tratamento que merecem. As políticas públicas em favor das mães ainda precisam melhorar, mas a sua presença mostra que a mãe começou a viver em outro tempo.
Apesar dos avanços científicos e sociais que trouxeram uma nova luz, para toda mulher que deseja ser mãe, há uma lamentável sombra no seu caminho: as drogas. As drogas ceifam-lhes o prazer da maternidade quando a mãe já deveria começar a colher os bons frutos da sua fertilidade. Eis a sombra que nosso século trouxe às mães.
Creio ser desnecessário deixar aqui um apelo para que nos unamos no combate a esse flagelo social que faz sangrar o coração de muita mulher que sonhou em ter um útero benfazejo.
Mãe, só você pode entender o mistério que circunda a sua vida.
Parabéns pelo seu dia.
Antonio Sales       profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 11 de maio de 2013.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A CONTRADIÇÃO II




Escrevi sobre isso recentemente. Naquele texto focalizei a preocupação da escola com a ementa e não com o aprendizado do aluno. Como gosto de metáforas comparo esse procedimento com o daquela mãe que vendo o filho desnutrido ao invés de procurar um especialista em saúde infantil insiste em forçar a criança a comer tudo que ela coloca no prato. Não se preocupa nem mesmo em melhorar o sabor ou mudar os componentes. É a velha e carunchada crença de que comer bastante (não importa a qualidade) produz saúde. Assim é a escola. Gestores e professores têm uma mentalidade velha e carunchada sobre os problemas de aprendizagem.
Hoje quero falar de outra contradição presente no contexto escolar.
Fui orientador de Estágio Supervisionado em cursos de Licenciatura em Matemática por muitos anos. Sempre entendi que o acadêmico deve levar para escola uma proposta de trabalho diferente da que viveu lá como aluno. O que está sendo feito todo mundo já sabe. Os resultados também já são conhecidos e o grau de insatisfação de todos com esse resultado está na mídia.
Minha proposta era de que o acadêmico deveria ir à escola uns dias para cumprir o estágio de observação. Mas combinava com eles que não deveriam ir com a finalidade de observar o professor, mas de serem conhecidos pela escola e conquistarem a confiança de todos. Portanto, deveriam ser corteses, prestativos, circularem pelos corredores, conversarem com os alunos, professores e gestores e, a partir dessa amizade inicial, propor o desenvolvimento de um projeto de ensino no contra turno ou, se o professor visse conveniência, no horário de aula do professor.
Dizia-lhes que para fazer o que todos fazem não precisavam fazer estágio. Todos sabem fazer o que todos fazem e todos já sabem os resultados dessa prática. Precisávamos testar algo novo, levar uma proposta nova para a escola ainda que no final tivéssemos que admitir que também não funcionara. Se não funcionasse pelos menos teríamos tentado algo diferente.
As duplas que conseguiam voltavam do estágio com uma nova visão. Falavam abertamente do que dera certo e do que dera errado. Discutíamos os problemas encontrados sem sentimento de culpa ou de fracasso.
Mas é exatamente nesse ponto que encontro outra contradição na escola. Em algumas delas os acadêmicos não encontravam espaço para tentar inovar, para uma proposta diferenciada de trabalho. Precisava o professor-orientador ir conversar com os gestores e coordenadores da escola e gastar muita saliva. Depois desse esforço saía da audiência com a certeza de que a proposta não iria funcionar embora tivesse obtido o sim da gestão. Sabia que os acadêmicos não teriam apoio, mas respeitava a escolha deles em ficar naquela escola.
Em uma das últimas escolas que alguns acadêmicos foram estagiar eles vieram pedir socorro. Haviam combinado em desenvolver o projeto e feitos todos os preparativos para isso e agora o coordenador os chamara e lhes dissera que deveriam dar aulas de reforço para os alunos que tinham tirado nota baixa na prova de um certo professor. Deveriam ir no contra turno ensinar o que o professor não dera conta de ensinar no horário regular de aula.
Fomos negociar com o coordenador. De início ouvimos que estavam com problemas por causa do baixo rendimento dos alunos e a universidade precisava socorrê-los. Argumentamos que se o método usado pelo professor não estava dando certo, repeti-lo seria improdutivo. Éramos contra a “absorção” do conhecimento por osmose, isto é, apenas pelo contato prolongado com ele. Queríamos preparar os nossos acadêmicos para terem uma visão diferente, serem ousados, inovarem. Não queríamos que eles simplesmente se encaixassem no velho esquema que já deu provas de ser ineficiente. Eles iriam ensinar matemática sim, mas aquela que eles haviam preparado e do como haviam planejado.
Eles tinham a nossa permissão para errar, mas não tinham permissão para repetir os erros cometidos pelos outros.
Ele insistiu que precisava resolver os problemas das notas dos alunos deles e então fomos diretos: não estamos aqui para ensinar o vosso aluno, mas para ensinar o nosso aluno. Não estamos para resolver o vosso problema imediato, estamos aqui para preparar o nosso aluno para ser um profissional que não faça o mesmo que está feito e cujos resultados vocês mesmos deploram.
Essa é a contradição: a escola que deveria ser um espaço de transformação é o espaço da resistência à inovação. A instituição que deveria ser a mola propulsora de novas ideias é exatamente o sepulcro delas. Aqueles que estão insatisfeitos com os resultados são os que insistem em repetir o processo.
Novamente uma metáfora: um mesmo padeiro, com a mesma farinha e a mesma receita só consegue obter o mesmo bolo. Se quisermos mudar o bolo, precisamos mudar pelo menos a receita.
Antonio Sales                       profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 10 de maio de 2013.

domingo, 5 de maio de 2013

O PROFESSOR TEM PROBLEMAS?



O pensador francês Gastón Bachelard afirmou que em sua experiência nunca viu um professor mudar a sua prática. Estou propenso a crer que ele exagerou um pouco. Entendo que dizer que nenhum professor muda a sua prática é uma afirmação muito pesada, mas devo reconhecer que ele tem suas razões para isso. No seu tempo (1884-1962) os professores, marcados pelo tradicionalismo que concentrava o poder nas mãos do professor, que lhes dava toda a razão, não sentiam nenhuma ameaça, não tinham problemas e não tinham razão para mudar. Ninguém muda sem uma razão para isso.
Ainda hoje muitos professores não têm problemas. Quando questionados porque as turmas não se saem muito bem em suas disciplinas respondem: não têm base, não têm interesse, a família não ajuda etc. O problema é somente dos alunos, nunca do professor. No entender desse profissional não há problema didático envolvido, não há problema relacional, não há falta de sentido naquilo que ensina, não há descaso do professor. Nada disso passa pela sua cabeça, logo ele não tem problemas.
Isso faz lembrar o tempo em que não havia delegacia da mulher. O homem chegava em casa "chapado" dava uns pescoções na mulher, umas chicotadas em cada filho e ia dormir tranquilo. No outro dia, enquanto bebia no bar com os amigos, gabava-se de que não tinha problemas em casa. Era verdade o que dizia aos amigos. Sua mulher tinha problemas com ele, seus filhos tinham problemas com ele, mas ele realmente não tinha problemas com eles. Seus problemas somente começaram aparecer quando foi criada a delegacia da mulher. As políticas públicas em defesa da mulher e das crianças criaram problemas para ele, incomodaram-no, e ele começou a mudar de postura.
Um filho drogado cujos pais pagam todas as suas contas e deixam-no pegar o que quiser em casa não tem problemas nem com a droga, nem com os traficantes e nem com família. Ele nunca sairá das drogas porque tudo está dando certo para ele. Não há razões para mudança quando não há incômodo.
Um drogado que a família pressiona, que não paga as suas contas começará ter problemas com o tráfico, pedirá ajuda e aceitará a internação.
Quem não tem problemas não muda, não busca saída.
Na educação básica as Secretarias de Educação e o Conselho Tutelar estão criando problemas para o professor e, por essa razão, o professor da educação básica começou a mudar, pelo menos no discurso. Geralmente as mudanças começam pelo discurso.
E no ensino superior? Nesse nível o professor ainda não foi incomodado. Muitos ainda mantêm o autoritarismo dos tempos antigos e uma didática ultrapassada, entre outros inconvenientes. É preciso incomodá-los? Sem dúvida! Eles estão formando os profissionais.
 O que fazer para incomodá-los?
Alunos organizados e bem esclarecidos poderiam recorrer ao colegiado com mais  frequência; recorrer  ao judiciário por perda de tempo, por aulas mal organizadas, por abusos em relação a provas e notas, etc. Se isso acontecesse haveria mudança.
Professor sem problemas não muda. Ninguém muda sem ser incomodado.
Ninguém deixa a zona de conforto sem ser pressionado.
Nova Andradina, 30 de abril de 2013.
Antonio Sales                  profesales@hotmail.com