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quinta-feira, 7 de junho de 2012

EDUCAÇÃO: MERCADORIA OU EXCLUSÃO?



Recebi um e-mail de um amigo. Ele sabe que gosto de falar de educação e me mandou um artigo de Andrea Harada Souza que está disponível em
http://ponto.outraspalavras.net/2011/12/19/da-educacao-mercadoria-a-certificacao-vazia/
A autora que é “Professora de literatura, presidente do Sinpro Guarulhos e membro da coordenação estadual da CSP-Conlutas”, tece uma crítica ao sistema de ensino superior no Brasil. Segundo ela as transformações ocorridas tanto no setor público quanto no privado se travestem de democratização por facilitar o acesso, mas é uma forma de atender a “uma proposta de privatização e barateamento da educação”.
Discorre em seguida sobre os objetivos “economicistas em detrimento dos pedagógicos nas IES privadas permitiu um fenômeno relativamente novo no Brasil: a formação de conglomerados educacionais, grandes empresas, de capital aberto e com forte participação de grupos estrangeiros em seu quadro de acionistas. A autorização para funcionamento dessa espécie de oligopólio do setor educacional tem intensificado a visão mercantil da educação superior no Brasil”.
Na realidade o objetivo é mostrar que as instituições privadas não estão preocupadas com a qualidade de ensino, com a pesquisa e com a extensão. O artigo merece ser lido na íntegra e este meu texto não tem a intenção de tecer qualquer crítica ao texto da autora que, no meu entender, fez uma análise muito interessante do atual sistema e coerente com a minha experiência de vida nos meios educacionais, exceto com relação à qualidade de ensino.
Minha questão não está centrada nas instituições embora esteja certo de que do modo como elas estão estruturadas é provável que não se consiga fazer muita coisa. Não proponho uma revolução no meio educacional porque creio que ela seria sufocada no ato de nascer. As estruturas são poderosas e ninguém cede o seu espaço sem antes mostrar o seu poder.
Como não sou disposto a enfrentamentos belicosos e não sei se estaria disposto a correr o risco de deixar “rolar a minha cabeça”, estou mais para propor uma “desobediência civil”, uma “sacanagem” à moda Ana Carolina (*).
A questão da qual me ocupo não é a empregatícia (deixei isso para os sindicatos) e também não é administrativa (se fosse ministro, secretário ou reitor, não sei se faria melhor) é a relacional e pedagógica. Vivo no pequeno mundo das questões relacionais e pedagógicas. É nesse microscópico universo que tento fazer a minha intervenção.
Aqui coloco a minha questão: se o governo ampliasse as vagas na rede pública de ensino do nível superior melhoraria a qualidade de ensino?
Hipoteticamente sim porque os alunos migrariam do setor privado para o setor público e então teriam uma educação de qualidade. Será?
Minha dúvida não é quanto à migração. Simplesmente não discutirei isso. Minha dúvida é com relação à qualidade.
Primeiramente informo que já escrevi sobre qualidade de ensino (**) focalizando a dificuldade em se definir o que é isso.  Logo, a primeira coisa a fazer é definir qualidade de ensino para cada curso da instituição, porque a aula de geometria analítica que ministro para um curso não precisa ser, necessariamente, a mesma que ministraria em outro curso. Cada curso tem os seus objetivos e a disciplina deve ter enfoques diferentes, embora a ementa seja a mesma.
Em segundo lugar é preciso saber que se nós, professores, somos vítimas desse sistema  o aluno também é. Herdamos um sistema de ensino que as instituições conservadoras não estão dispostas a abrir mão dele. Muitas continuam saudosistas e defendendo, com base na experiência pessoal de uns poucos, que no sistema antigo o aluno aprendia. Sequer questionam quantos aprendiam e quantos evadiam desesperançados.
Em terceiro lugar não está provado que o setor privado oferece um ensino de qualidade inferior ao setor público. Trabalhei nos dois e acho essa generalização muito preconceituosa. Há setores privados e setores públicos.
Em quarto lugar não é atacando o aluno que conseguiremos melhorar a qualidade de ensino. Atacar o aluno é guerra fraticida. Temos que fazer parceria com ele. Não uma parceria interesseira onde ele lutaria do nosso lado pelos nossos salários, etc. Uma parceria onde discutiríamos juntos uma alternativa que fosse menos ruim para as duas partes. Essa saída seria em termos de qualidade de ensino, evidentemente.  Se essa é a maior crítica que se faz ao sistema educacional brasileiro é para esse ponto que devemos convergir. Todo começo é pequeno. As mudanças são lentas.
Trabalhei nas redes pública e privada de ensino superior, portanto, conheço bem as duas realidades, mas não vou emitir aqui a minha opinião. Vou apresentar a opinião de um licenciado em Matemática e doutor em Estatística cujas aulas tive o privilégio de frequentar em um curso especial de Estatística que fiz. Ele trabalhara algum tempo na rede privada e agora estava na rede pública. Em uma das suas aulas ele, que sempre dialogava com a turma, se expressou mais ou menos assim: a relação que se estabelece entre professor e aluno na rede particular é muito diferente da que ocorre na rede pública. Há uma distância muito grande entre elas. Lá o aluno é o foco. Aqui ele não é nada.
Concordo com ele e sei de muitos alunos que ficam na rede pública porque não podem pagar a particular. Se pudessem iriam para lá porque recebem mais atenção.
Tive uma excelente aluna na rede privada que, por questões financeiras, transferiu-se para a rede pública. Dois anos depois nos encontramos e ela desabafou: “tenho saudades de lá”. Por que, perguntei, se aí você tem melhor qualidade de ensino? Ela retrucou: “engano. Lá eu aprendia matemática, aqui eu copio do quadro e decoro. Tenho notas boas, mas não é o que eu queria para mim. Lá, professores e alunos são humanos. Aqui, professores são desuses e alunos, seres inferiores”.
Em um encontro estadual de Educação Matemática, durante uma comunicação científica um acadêmico de uma conceituada instituição pública desabafou: “não sei por que existe a disciplina de Física no nosso curso. Sempre mandam professores contratados ministrar a disciplina. Eles chegam, copiam o livro no quadro, e mandam  a gente estudar para a prova”.
Você vê qualidade nisso?
Ainda tem gente pensando que se uma instituição investe em pesquisa ela tem qualidade de ensino. Nada a ver. Pesquisa e ensino são coisas distintas. Tem bons pesquisadores que são péssimos professores. Péssimos pesquisadores que são bons professores. Tem alguns que são bons nas duas coisas e outros que, infelizmente, não produzem nada nem cá e nem lá, mas estão na universidade pública por causa do corporativismo. Na particular ele já teria ido embora.
A questão que proponho é: compensa lutar contra a privatização do ensino superior? Não seria melhor pensar primeiro no papel do professor da rede pública?
A última questão: se no setor privado a educação é mercadoria será que no setor publico não é ferramenta de exclusão?
Campo Grande, 13 de janeiro de 2012
Antonio Sales        profesales@hotmail.com
(*)Ver no Google o vídeo Ana_Carolina.asf


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