Recebi um e-mail de um amigo. Ele sabe que gosto
de falar de educação e me mandou um artigo de Andrea Harada Souza que
está disponível em
http://ponto.outraspalavras.net/2011/12/19/da-educacao-mercadoria-a-certificacao-vazia/
O título do artigo é: Da educação mercadoria à certificação vazia
A autora que é “Professora de literatura,
presidente do Sinpro Guarulhos e membro da coordenação estadual da
CSP-Conlutas”, tece uma crítica ao sistema de ensino superior no Brasil.
Segundo ela as transformações ocorridas tanto no setor público quanto no
privado se travestem de democratização por facilitar o acesso, mas é uma forma
de atender a “uma proposta de privatização e barateamento da educação”.
Discorre em seguida sobre os objetivos “economicistas
em detrimento dos pedagógicos nas IES privadas permitiu um fenômeno
relativamente novo no Brasil: a formação de conglomerados educacionais, grandes
empresas, de capital aberto e com forte participação de grupos estrangeiros em
seu quadro de acionistas. A autorização para funcionamento dessa espécie de
oligopólio do setor educacional tem intensificado a visão mercantil da educação
superior no Brasil”.
Na realidade o objetivo é mostrar que as instituições privadas não estão
preocupadas com a qualidade de ensino, com a pesquisa e com a extensão. O
artigo merece ser lido na íntegra e este meu texto não tem a intenção de tecer
qualquer crítica ao texto da autora que, no meu entender, fez uma análise muito
interessante do atual sistema e coerente com a minha experiência de vida nos
meios educacionais, exceto com relação à qualidade de ensino.
Minha questão não está centrada nas instituições embora esteja certo de
que do modo como elas estão estruturadas é provável que não se consiga fazer
muita coisa. Não proponho uma revolução no meio educacional porque creio que
ela seria sufocada no ato de nascer. As estruturas são poderosas e ninguém cede
o seu espaço sem antes mostrar o seu poder.
Como não sou disposto a enfrentamentos belicosos e não sei se estaria
disposto a correr o risco de deixar “rolar a minha cabeça”, estou mais para
propor uma “desobediência civil”, uma “sacanagem” à moda Ana Carolina (*).
A questão da qual me ocupo não é a empregatícia (deixei isso para os
sindicatos) e também não é administrativa (se fosse ministro, secretário ou
reitor, não sei se faria melhor) é a relacional e pedagógica. Vivo no pequeno
mundo das questões relacionais e pedagógicas. É nesse microscópico universo que
tento fazer a minha intervenção.
Aqui coloco a minha questão: se o governo ampliasse as vagas na rede
pública de ensino do nível superior melhoraria a qualidade de ensino?
Hipoteticamente sim porque os alunos migrariam do setor privado para o
setor público e então teriam uma educação de qualidade. Será?
Minha dúvida não é quanto à migração. Simplesmente não discutirei isso.
Minha dúvida é com relação à qualidade.
Primeiramente informo que já escrevi sobre qualidade de ensino (**)
focalizando a dificuldade em se definir o que é isso. Logo, a primeira coisa a fazer é definir
qualidade de ensino para cada curso da instituição, porque a aula de geometria
analítica que ministro para um curso não precisa ser, necessariamente, a mesma
que ministraria em outro curso. Cada curso tem os seus objetivos e a disciplina
deve ter enfoques diferentes, embora a ementa seja a mesma.
Em segundo lugar é preciso saber que se nós, professores, somos vítimas
desse sistema o aluno também é. Herdamos um sistema de ensino que as
instituições conservadoras não estão dispostas a abrir mão dele. Muitas
continuam saudosistas e defendendo, com base na experiência pessoal de uns
poucos, que no sistema antigo o aluno aprendia. Sequer questionam quantos
aprendiam e quantos evadiam desesperançados.
Em terceiro lugar não está provado que o setor privado oferece um ensino
de qualidade inferior ao setor público. Trabalhei nos dois e acho essa
generalização muito preconceituosa. Há setores privados e setores públicos.
Em quarto lugar não é atacando o aluno que conseguiremos melhorar a
qualidade de ensino. Atacar o aluno é guerra fraticida. Temos que fazer
parceria com ele. Não uma parceria interesseira onde ele lutaria do nosso lado
pelos nossos salários, etc. Uma parceria onde discutiríamos juntos uma
alternativa que fosse menos ruim para as duas partes. Essa saída seria em
termos de qualidade de ensino, evidentemente. Se essa é a maior crítica que se faz ao
sistema educacional brasileiro é para esse ponto que devemos convergir. Todo
começo é pequeno. As mudanças são lentas.
Trabalhei nas redes pública e privada de ensino superior, portanto,
conheço bem as duas realidades, mas não vou emitir aqui a minha opinião. Vou
apresentar a opinião de um licenciado em Matemática e doutor em Estatística
cujas aulas tive o privilégio de frequentar em um curso especial de Estatística
que fiz. Ele trabalhara algum tempo na rede privada e agora estava na rede
pública. Em uma das suas aulas ele, que sempre dialogava com a turma, se
expressou mais ou menos assim: a relação que se estabelece entre professor e
aluno na rede particular é muito diferente da que ocorre na rede pública. Há
uma distância muito grande entre elas. Lá o aluno é o foco. Aqui ele não é nada.
Concordo com ele e sei de muitos alunos que ficam na rede pública porque
não podem pagar a particular. Se pudessem iriam para lá porque recebem mais
atenção.
Tive uma excelente aluna na rede privada que, por questões financeiras,
transferiu-se para a rede pública. Dois anos depois nos encontramos e ela
desabafou: “tenho saudades de lá”. Por que, perguntei, se aí você tem melhor
qualidade de ensino? Ela retrucou: “engano. Lá eu aprendia matemática, aqui eu
copio do quadro e decoro. Tenho notas boas, mas não é o que eu queria para mim.
Lá, professores e alunos são humanos. Aqui, professores são desuses e alunos,
seres inferiores”.
Em um encontro estadual de Educação Matemática, durante uma comunicação
científica um acadêmico de uma conceituada instituição pública desabafou: “não
sei por que existe a disciplina de Física no nosso curso. Sempre mandam
professores contratados ministrar a disciplina. Eles chegam, copiam o livro no
quadro, e mandam a gente estudar para a
prova”.
Você vê qualidade nisso?
Ainda tem gente pensando que se uma instituição investe em pesquisa ela
tem qualidade de ensino. Nada a ver. Pesquisa e ensino são coisas distintas.
Tem bons pesquisadores que são péssimos professores. Péssimos pesquisadores que
são bons professores. Tem alguns que são bons nas duas coisas e outros que,
infelizmente, não produzem nada nem cá e nem lá, mas estão na universidade
pública por causa do corporativismo. Na particular ele já teria ido embora.
A questão que proponho é: compensa lutar contra a privatização do ensino
superior? Não seria melhor pensar primeiro no papel do professor da rede
pública?
A última questão: se no setor privado a educação é mercadoria será que no setor publico não é ferramenta de exclusão?
Campo Grande, 13 de janeiro de 2012
Antonio Sales
profesales@hotmail.com
(*)Ver no Google
o vídeo Ana_Carolina.asf
(**) Ver www.uems.br/semana/2010
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