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sábado, 11 de janeiro de 2014

UMA ESTRANHA EQUAÇÃO: 1+1=4



 Quando um mais um é igual a quatro?
Lia um livro de Yalon (*) quando deparei com essa estranha igualdade.  Ela contava a experiência com uma paciente com câncer de mama, já mastectomizada e com metástase. Quimioterapia e radioterapia também estavam em curso.
Ele pretendia iniciar um grupo de terapia paciente com câncer, em estado terminal, quando essa mulher apareceu em seu consultório.
O psiquiatra afirma que a presença dela trouxe à tona a sua fragilidade como terapeuta, fê-lo pensar na sua própria morte. Narrando o inicio do tratamento diz que semanalmente se encontravam em seu consultório os quatro: ele, ela, a morte dela e a morte dele, isto é, 1+1=4. Antes da chegada dela, ele era sozinho e se ele a deixasse no consultório ela ficaria sozinha. Os dois juntos se transformavam em quatro.
  Penso na relação professor/aluno, penso no meu trabalho. Penso na muitas vezes em que olhei para um aluno durante a aula e nós dois nos transformamos em quatro. Ele, a dificuldade dele em entender, eu e a minha dificuldade em tornar o conhecimento acessível a ele.
Tenho dificuldades em completar a corrente da transposição didática de que fala Chevallard: academia (produção da ciência), instituições sociais (interesses sociais e políticos), professor e aluno.
Mais triste ainda é quando 1+20=42. Fica pior ainda quando 1+20=50. Eu, vinte alunos, nossas dificuldades (já mencionadas), a desilusão de alguns deles e ainda alguns planos de desistência das minhas aulas.
Conheci a Mônica (nome trocado de uma acadêmica muito simpática) numa turma de primeiro ano nas aulas de fundamentos da matemática.
Sempre procuro ser muito comunicativo em minhas aulas, procurando envolver todos no processo, mas da Mônica eu só conseguia arrancar um sorriso. Um sorriso simpático, mas que me intrigava. Ele me dizia gosto da sua comunicação, do seu entusiasmo, mas não entendo nada do que dizes. Era eu, ela, a dificuldade dela, a minha dificuldade e a tolerância dela para com a minha dificuldade (1+1=5).
Na hora dos exercícios a Mirna (nome também trocado) sentava ao lado dela e tentava ajuda-la, mas ela somente sorria (1+1+1=7). No segundo semestre ela não voltou. Soube que estava se preparando para outro vestibular.
Alguns anos depois, ao visitar uma Concessionária, deparei-me com Mônica. Sorri para ela e ela sorriu para mim. Nosso sorriso lembrava algo estranho: 1+1=5.
Aproximei-me e quis saber como estava e o que tinha feito durante essa ausência. Formara-se em História, tinha desenvolvido um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com um tema apaixonante para ela e continuava trabalhando na Concessionária.
Parabenizei-a pelo sucesso acadêmico e pela felicidade que ela demonstrara ao me falar da formatura e do TCC. Por sua vez ela também procurou ser simpática comigo falando que gostava das minhas aulas pelo meu entusiasmo, minhas lições de vida durante a exposição da matéria, meu respeito pelos alunos, mas, concluiu, eu não entendia nada  da Matemática que o professor apresentava. Disse ainda que achava graça de eu ter tanto entusiasmo com um conteúdo que não significava nada para ela.
 Encontrei com Mirna e falei do encontro com Mônica. Mirna disse: “ela não entendia nada, mas dizia gostar das suas aulas. Ainda hoje quando nos encontramos ela pergunta pelo senhor”.
Na vida de um professor há situações que levam à igualdade: 1+1= muitos.
Antonio Sales
Campo Grande, 11 de janeiro de 2014.
  (*)Yalon, Irwin D. Mamãe e o sentido da vida: historias de psicoterapia. Rio de Janeiro: Air, 2008.

 


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