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domingo, 11 de agosto de 2013

A EDUCAÇÃO BRASILEIRA ESTÁ DOENTE



Embora seja possível discordar do Ioschpe1 em muitos momentos, tenho percebido que ele faz um bom retrato da educação brasileira. As propostas dele é que, por vezes, são questionáveis.
Seu último texto publicado na edição 2331 da “Veja” ele apela para que a presidente “Dilma, não desperdice nossos recursos nesse sistema educacional”. Ele prova com dados estatísticos que países com bem menos investimentos proporcionais ao que está sendo proposto no Brasil obtém melhores resultados. A China, por exemplo, investe apenas 1,9% do PIB e a Coreia do Sul, 3,8%. O País que mais investe é a Finlândia com 5,7%. Todos esses países têm educação de qualidade com menos de 10% do PIB.
Na opinião de Ioschpe tem-se que investir nas universidades para que sejam menos teóricas e mais práticas, para que preparem os acadêmicos para a docência.  No Brasil, nos cursos de bacharelado, dão-se preferência a pessoas com formação na área do curso e que tenham pós-graduação na disciplina que vão ensinar. Na licenciatura preferem-se bacharéis e não se exige pós-graduação em educação para ensinar. Observa-se, nesse caso, o absurdo de por alguém que não entende de educação, que nunca foram professores, para preparar professores.
A opinião prevalecente é que basta dominar determinado saber para ser bom professor. A experiência prova que o conhecimento não é suficiente para humanizar o homem, para torná-lo bom no trato com seres humanos que é a principal função do professor. O “holocausto” parece ser uma prova irrefutável disso, pois, as câmaras de gás foram projetadas por engenheiros de competência técnica comprovada. As experiências macabras com seres humanos, coordenadas pelo médico alemão Josef Mengele3 (o “Anjo da Morte”), nesse mesmo contexto não foram feitas pessoas sem competência técnica. Kidder2 afirma que a explosão da usina nuclear de Chernobil, que ceifou centenas de vida e provocou um desastre ecológico de grandes proporções, foi provocada por dois engenheiros de alta competência técnica. O pior é que, segundo o relatório técnico do governo russo, ela foi provocada.
Escrevi no texto anterior que a universidade brasileira é anacrônica. Como sou da área educacional estava falando da minha experiência, logo dos cursos de licenciatura. Isso significa que concordo com Ioschpe.
Acrescento que poderíamos ter menos avaliação e investir mais em qualidade. Estamos investindo em avaliar o já muitas vezes avaliado, é hora de cobrar inovação, de incentivar projetos inovadores e punir quem não se propuser a mudar. Proporcionar 1/3 da carga horária para o professor, mas exigir que ele tenha um plano de estudos e que a universidade pública atenda esse professor. Além disso, deve-se permitir que somente professores universitários com projetos inovadores na área de educação deem assessoria ao professor  da educação básica. Repetir o que já está feito, sem resultados, não vale.
Concordo com Ioschpe também quando ele diz que o sistema está mal. Penso que a escola brasileira está enferma e está enfermando professores e alunos.
Muitos professores que chegam à escola entusiasmados, com vontade de provocar  alguma mudança, dentro de pouco tempo então “sem vida”. A Síndrome de Burnout  chega muito cedo para muitos professores.  A falta de apoio da gestão, o excesso de burocracia (essa forma de exigir produção tem sido um tiro pela culatra), a sala de professores onde só se fala mal de aluno, os professore mais velhos com a “pressão arterial” quase nula, os alunos, a maioria, indo à escola por obrigação, e a falta de autonomia intelectual de muitos professores, são fatores que matam os sonhos dos poucos sonhadores. Eles passam a trabalhar pelo salário e trabalhar pelo salário só vale a pena se ele for muito bom. O professor adoece porque a escola o enferma e depois ele enferma o aluno e os outros professores que chegarem.
A educação ganharia muito mais se esses professores enfermos fossem encostados ou readaptados e fosse investido em outros com mais vida. Os gestores que não estivessem dispostos a se atualizarem teriam que passar pelo mesmo processo dos professores. 
Voltando à universidade. Os disparates que ocorrem ali não são imagináveis pelo público.
Quando vamos a um médico ele antes de nos medicar quer saber se já estamos tomando algum outro medicamento. Esse profissional aprendeu que nem sempre o medicamento que ele vai receitar é compatível com outro que o paciente esteja tomando por orientação e outro profissional.
Na universidade esse fator é irrelevante. Quando vou marcar uma prova não me interessa saber se o aluno já tem outra prova marcada para o mesmo dia. Passo-lhe um trabalho de 200 exercícios para entregar na próxima semana sem levar em conta que ele é trabalhador e tem outras disciplinas para estudar. O professor universitário é um “tratorador”. Pouco lhe importa as dificuldades (não importa a ordem) do aluno. Importa-lhe mostrar que tem poder sobre ele, que pode dar ordens. Parece que, em muitos casos, ele se tornou professor por vingança de não ter conseguido sobreviver como pesquisador.
A licenciatura, portanto, não humaniza porque nem sempre é conduzida por humanizados. A escola básica não humaniza pela mesma razão.
Como se tudo isso não bastasse está se fazendo o discurso de que a educação é a responsável pela mudança do Brasil (combate à corrupção, equidade, desenvolvimento, etc.). Temo que ela mude mesmo o nosso Brasil, mude para pior, para a barbárie. Se ela está doente, para onde levará o Brasil, se conseguir mudá-lo?
Antonio Sales               profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 04 de agosto de 2010.

Referências
1 IOSCHPE, Gustavo. Dilma, não desperdice nossos recursos nesse sistema educacional. Veja, Edição 2331,  ano 46, no 30 de 24 de julho de 2013, p. 104-105.
2  KIDDER, Rushworth M.  Como escolher na vida entre o certo e o certo. São Paulo: Gente, 2007.
3 Ver Enciclopédia livre. Wikipédia.

QUE TIPO DE ALUNO OU PROFESSOR É VOCÊ?



Acabo der um texto de Stephen Kanitz*. Nele o autor afirma que nós, brasileiros, “preferimos ser obedientes e omissos do que cidadãos participantes da nossa sociedade”.
Não sei se concordo plenamente com ele, mas sei que tenho presenciado tal cena com muita frequência. Penso que com mais frequência do seria o ideal, na minha perspectiva.
 Não me coloco como exemplo,  mas tenho me esforçado para não esperar ordens. Quando alguém me alerta que falta algo procuro imediatamente analisar a lógica da observação feita e, tendo-a encontrado, procuro a parceria de quem fez para corrigir erro (se for erro), implementar ação (se for esse o caso) ou discutir uma proposta adequada. Detesto ser escravo, isto é, só fazer o que sou obrigado. Detesto admitir que outro mande em mim, que  ele me controla. Prefiro agir em liberdade.
No entanto, parece que Kanitz não está muito longe de ter razão quando afirma que “preferimos obedecer e poder ‘tirar o corpo fora’ quando tudo der errado do que assumir responsabilidade pelos nossos atos. Preferimos culpar nossos chefes pelo fracasso das nossas instituições tão evidentes, a assumir que todos somos solidários no fracasso. Preferimos obedecer a ter liberdade de ação”.
Tenho percebido que muitos colegas, principalmente da educação básica, reclamam o tempo todo das ordens recebidas, da falta de liberdade para agir, do planejamento “engessado”, e por aí a fora. Quando sugerimos uma ação alternativa, como forma de conquistar a confiança do gestor e adquirir mais liberdade, reagem negativamente dizendo que não vale a pena tentar, que não há espaço.  Vez ou outra encontramos algum professor que diz: “apesar do ‘engessamento’ ainda é possível fazer  alguma coisa diferente, ainda sobra algum espaço e eu tenho conseguido”. São ilhas nesse imenso oceano ou minha visão está enviesada?
Com relação aos alunos, a situação não parece ser mais promissora. Reclamam dos professores que os sobrecarregam com listas de exercícios e trabalhos, mas não estudam as disciplinas daqueles professores que procuram estimular a autonomia deles. Culpam o estilo de algum professor de dar excesso de trabalho, mas ficam felizes com os pontos que obtém sob essa pressão. Encontram, nessa proposta de trabalho de alguns professores, a desculpa pelo fracasso na maioria das disciplinas e isso os conforta.
Essa é uma situação que me parece estranha, que me indigna por vezes. Tenho dificuldade para entender como um ser humano e submete a uma situação dessas. Prefiro a máxima proferida por Jesus: “se alguém de obrigar andar uma milha vai com ele duas”. A primeira é a milha do dever, a segunda é a da espontaneidade, portanto, da sua liberdade. Se não podes escapar de uma situação vexatória de ser forçado a caminhar uma milha, procure caminhar outra milha para mostrar a sua determinação. A primeira milha é o trajeto do escravo, a segunda é sua escolha, portanto, a da liberdade.
O conselho de Jesus, segundo alguns estudiosos, se refere a uma prática comum nos tempo do Império Romano. Cada soldado romano, em serviço, podia recrutar qualquer homem para ajuda-lo a transportar a sua carga por uma milha e isso incomodava os judeus que odiavam os romanos. Consultado sobre o que pensava sobre isso Jesus deu o conselho que aparece em destaque.
Em outras palavras: conquiste a sua liberdade, mostre que está disposto a pagar o preço de ser livre. Quem não consegue a plena liberdade exterior deve, pelo menos, conseguir a liberdade interior. Quem não pode fugir do dever, cumpra-o com determinação. Quem não pode escolher o horário de trabalho, prepare-se para produzir o máximo no horário que lhe foi determinado.
Se não podemos determinar o nosso salário, podemos nos tornar dignos dele procurando determinar a nossa prática pautando-a pela ética, liberdade e uma proposta mais progressista. Não podendo ser um continente sejamos uma ilha, porém, uma ilha que marque presença.
Concluo evocando Kanitz outra vez: “Administradores que delegam poder, terceirizam funções, empoderam funcionários, orientam funcionários e não gritam ordens a empregados, estão na contramão da História do Brasil.
Queremos mandões, seja da direita militar ou da esquerda intervencionista do que uma empresa livre e democrática onde todos os stakeholders opinam e assumem as suas respectivas responsabilidades”.
Antonio  Sales       profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 11 de agosto de 2013.

*Administrador pela Harvard. Ex-articulista da VEJA e professor aposentado da USP.  Escreve “Artigos para se pensar” no  http://blog.kanitz.com.br.
O texto citado é: Por que Preferimos Gestores a Administradores? e o acesso foi em 11/08/2013

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DO PROFESSOR



As condições de trabalho de um profissional interferem diretamente na sua produtividade e no seu bem-estar.
A Revista Atuação, da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul, em sua Edição nº 4, de agosto de 2012, na seção sobre saúde discorre sobre o tema “quando o corpo sente”. Ao lado das doenças provocadas pelo uso do giz, uso excessivo da voz, sobrecarga de trabalho apresenta  um gráfico sobre as “situações que causam incômodo ou sofrimento no trabalho” conforme uma pesquisa de 2010 conduzida pela  APEOESP.
Em primeiro lugar no ranking está a “dificuldade de aprendizagem” dos alunos. Para 75,5% dos professores das Redes Estadual e Municipal de Campo Grande, MS, este é o fator que mais os faz sofrer.
O fato de o professor sentir-se incomodado com o baixo rendimento do aluno é um fator positivo. Muito triste seria se o profissional não estivesse preocupado com o aprendizado do aluno, ou se sentisse prazer na miséria intelectual do aluno. O fato de o baixo rendimento escolar o incomodar traz um pouco de esperança.
Por que não traz muita esperança? O que há de negativo nessa informação? O fato dela ser tão antiga quanto a profissão e ninguém ter encontrado solução ainda faz diminuir a margem de esperança.
Muitas propostas foram feitas, mas parece que nenhuma  foi operacionalizada  ou entendida em sua plenitude. O que causa desconforto em quem pensa no problema é o fato de não  estar dando certo e se continuar fazendo como antes.  Alguns até zombam das novas tentativas porque elas não trazem resultados imediatos. Recai-se naquele adágio popular: “o sujo zomba do mal lavado”.
O “mal lavado”, que neste é caso aquele que tentou algo diferente e não deu certo, tem o mérito de ter tentado. Devemos parabeniza-lo pela iniciativa e instamos para que não desista de investir em novas alternativas, apesar da zomba de alguns colegas de do pouco resultado aparente.
Há quem zombe das tentativas dizendo que “antigamente” os alunos aprendiam  pelo método que usam e por isso não vão mudar. Com uma mentalidade tacanha dessas não dá para mesmo esperar melhora na educação. Ignoram esses mentecaptos que antigamente a escola não era para todos, era somente para os que queriam estudar, isto é, para alguns.
Com o nível de raciocínio usado por esses profissionais alienados é possível propor absurdos tais como:
1.                      Que se volte a realizar cirurgias sem anestesia porque antigamente alguns sobreviveram a uma cirurgia sem anestesia;
2.                      Que se tratem as infecções com ventosas porque no passado alguns sobreviveram com esse tratamento e sem antibióticos.
São pessoas como essas que atravancam o processo de experimentação de novos métodos. Algumas são professores e outras são gestores de grande influência e prestígio.
No início da década de 1990 fomos encarregados de reformular o projeto pedagógico de um curso de ensino médio profissionalizante sem saber que  logo mais seria  extinto com base na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação que estava por chegar. Preocupados em proporcionar ao estudante uma ementa condizente com o que ele realmente utilizaria no exercício da profissão fomos, pessoalmente, consultar o conselho da classe, à qual ele pertenceria, sobre quais seriam os conteúdos mais apropriados. Fomos recebidos por um conselheiro que num gesto de descaso foi dizendo: “professor lasque logaritmo e trigonometria nesse pessoal; esses alunos têm que passar pelo que nós passamos. Não poupe eles de nada que é difícil”.
Quem não estava lá para discutir o que era fácil ou difícil, mas o que seria útil para o profissional, saiu com um retrato da escola que muitos alunos têm.
Mas, se os alunos não estão aprendendo, e isso está incomodando o professor, porque esse professor insiste me continuar utilizando a mesma pedagogia de antigamente? Por que a mesma didática se está provado que não funciona? Se ela, como afirmou Chevallard, produz irresponsabilidade no aluno, por que continua sendo a forma principal de trabalho?
Algumas possíveis razões:
Muita coisa do que fazemos é mera repetição do que vivemos e o nosso professor é formado por uma universidade anacrônica.  Há muito anacronismo no professor universitário lotado em curso de licenciatura. O professor formado por eles dificilmente vai mudar alguma coisa. A universidade, que deveria ser a vanguarda, no que diz respeito à formação de professores está na retaguarda. É o que temos observado, especialmente, nos cursos de exatas. Esse anacronismo é tão tradicional quanto o resultado devastador que atormenta o professor.
Se a universidade não provoca o debate, não incomoda o acadêmico como podemos esperar que este, depois de formado, incomode a sociedade ou se sinta incomodado?
O anacronismo provoca falta de criatividade.
Uma segunda razão seria o comodismo. É mais fácil repetir do que inovar. Há certo bem-estar em permanecer fiel à tradição. Ela nos ancora.
Um terceiro fator é a própria gestão escolar. Há gestores que estão empenhados em administrar o prédio e o nome da escola; o aspecto pedagógico da escola é adendo na perspectiva dele. Tudo fazem para esconder as mazelas que se ocultam entre as paredes, mas não se preocupam em dialogar com os pais, com os professores, com alguns professores universitários que estão buscando a vanguarda e com os alunos. Não dialogam com a pedagogia e oferecem obstáculo à inovação. Talvez ajam dessa forma pelo mesmo motivo que os professores continuam repetindo o modelo que não funciona. Na gestão também é mais fácil sentir-se ancorado pela tradição e os gestores são produtos da mesma universidade que forma os professores.
Esconder mazelas ainda é mais fácil do que inovar ou admitir que o projeto falhou.
É dessa forma que caminha a educação brasileira em muitas escolas e universidades: escondendo mazelas, buscando culpados, cobrando resultados de um modelo falido, avaliando o já tantas vezes avaliado, estranhando os resultados tantas vezes encontrados, forçando o profissional a produzir “numa terra árida” e já muitas vezes cultivada sem sucesso.
Um ambiente assim pode ser saudável? É possível ser feliz em um contexto tão perverso?
A pergunta mais importante, porém, é esta: é possível fazer algo diferente?
A resposta é surpreendente: é possível. Já existe modelo alternativo dando resultados.
Antonio Sales    profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 1º de agosto de 2013.