O
escritor português, Eça de Queiroz, tem um livro intitulado “as cidades e as
serras”. Serra em Portugal é sinônimo de
fazenda, zona rural. O livro foi escrito no século XIX e o autor fala de “selvagem”
que eu imagino se tratar de homem que vive na serra, homem do campo.
A certa altura do
livro Eça de Queiroz põe na boca de um dos seus personagens uma fala
interessante. Esse personagem diz sentir-se feliz por não ser “selvagem” porque os
“selvagens” não têm as mesmas oportunidades que ele tem. O mundo dos “selvagens”
é menor, é mais estreito, muito limitado, diz o personagem.
O homem do campo não conhece o príncipe, não
conhece os juízes, o comissário ou delegado,
logo, não tem defesa. Ele não conhece as regras do comércio então não sabe
negociar, não sabe fazer um bom negócio.
Ele
conclui que as condições de vida de um “selvagem” são inferiores às de quem
vive na cidade e as suas perspectivas em nada se comparam com às deste último.
Imagino
que a fala do personagem de Eça de Queiroz pode ser aplicada aos nossos
aldeados e a muitos dos nossos camponeses ou assentados. Muitos desses últimos passam alguns anos sem receber o financiamento
prometido, sem poder corrigir o solo para produzir, sem poder construir a casa
para abrigar a família, sem poder cercar a propriedade e comprar o “gadinho”
tão sonhado. Parece que todas as
desvantagens da vida lhes pertencem.
Finalmente
cansados de esperar vendem a propriedade para ressarcir pelo menos um pouco do
tempo gasto em cuidar dela e então recebem o apelido de improdutivos, mal
intencionados, de aproveitadores das “benesses” do governo.
Como
educador eu colocaria, em lugar de homem do campo, o analfabeto, o homem sem
escolaridade, o jovem que vive em bairros onde predominam a pobreza e o tráfico.
As crianças que vivem em ambiente
violentos, filhos de pais ignorantes e depauperados moral e economicamente.
A
limitação do seu mundo dificulta a escolha da profissão, dificulta frequentar
a escola com o mesmo interesse que teria
se vivesse em outro ambiente, diminui as possibilidades dos seus descendentes
começarem bem, limita a possibilidade de
um bom atendimento de saúde sem filas de espera, dificulta a implantação de um
prótese em caso de alguma necessidade física especial, retarda o tratamento em
caso de necessidade cognitiva ou relacional em algum filho, reduz a
possibilidade de uma cirurgia eletiva para melhorar a estética. E, conheço
casos em que se não saíssem de lá e não recebessem a “força” de amigos teriam morrido à espera de
uma cirurgia em hospitais que não tinham equipamentos para isso.
O mundo dessas pessoas é muito limitado. Há
pouca possibilidade de uma viagem cultural. O filho conhece o mar, um shopping,
uma cachoeira pela televisão e ainda assim não é orientado na escolha dos
programas. Há pouca possibilidade de um
encontro anual de familiares que moram
distantes, de ir a um cinema assistir a um bom filme, de experimentar um
prato diferente, de ter um álbum de
fotos do filho.
Um pai
mais abastado tem mais possibilidade de corrigir o filho sem usar a palmada
porque ele pode punir o filho retirando alguma benesse (ir à piscina, andar de
skate, etc.), ao pobre só restam duas opções:
tolher a liberdade ou a palmada. Ele não tem mais do que privar o filho.
Se já faltam sonhos ao filho do que mais poderá privá-lo? Se ao próprio pai faltam
perspectivas o que ele pode oferecer ao filho como alternativa?
Uma jovem
criada nessas condições contrai núpcias com outro jovem também marcado pela
falta de expectativa e o lar se torna carente de sonhos, além de carente de
bens materiais minimamente necessários ao bem viver.
Muitas
jovens, criadas nesses contextos, engravidam cedo para fugir de uma vida de
tédio, para alimentar alguma esperança através do futuro do pequeno rebento.
Esperam que esses novo ser traga harmonia no lar, o afeto do namorado, a desejada atenção dos pais, a inveja das amigas, um apoio do governo e prioridade nas filas de atendimento. Enfim, apostam todas as "cartas" do jogo da vida na vinda de um novo ser que nasce tão indefeso quanto os pais e os avós.
Esperam que esses novo ser traga harmonia no lar, o afeto do namorado, a desejada atenção dos pais, a inveja das amigas, um apoio do governo e prioridade nas filas de atendimento. Enfim, apostam todas as "cartas" do jogo da vida na vinda de um novo ser que nasce tão indefeso quanto os pais e os avós.
Não é à
toa que tais jovens, quando grávidas,
quase se despem para expor a barriga fecundada em quase toda a sua
extensão. Ali está o seu tão sonhado
futuro. Elas precisam mostrar que encontraram uma razão para viver.
Não
discutiremos aqui as consequências dessa gravidez, nos deteremos apenas nessas
poucas causas para situar o leitor nas limitações do mundo de muitos dos nossos
jovens.
Vida
selvagem, diria Eça Queiroz, vida sem
perspectivas, vida carente de afeto, carente de sonhos. Vida de quem admite que
só o futuro distante lhe trará o que
deseja e se apoia em um ser frágil
para sonhar.
Como
professores, como podemos leva-los a sonhar? Como driblar toda essa gama de
falta de oportunidades e apontar a direção da esperança para esses jovens? Quem não tem esperança não fala de esperança,
e se fala tem um discurso vazio. Quem não está bem, não pode anunciar boas coisas.
A
pergunta então é: como pode o professor sonhar para levar sonhos para a sala de
aula?
Nova Andradina, 24 de marco de 2013.
Antonio
Sales profesales@hotmail.com
Olá Sales
ResponderExcluirRespondendo suas perguntas:
Como professores, como podemos leva-los a sonhar? Como driblar toda essa gama de falta de oportunidades e apontar a direção da esperança para esses jovens?
A pergunta então é: como pode o professor sonhar para levar sonhos para a sala de aula?
Realmente o professor precisa ter sonhos pra ser capaz de levar o aluno a sonhar. A resposta já está na sua atitude na produção desse texto. Você partiu de uma obra da literatura; a ficção, se utiliza da verossimilhança pra falar sobre a realidade. É isso o professor precisa ler mais literatura.
O grande errro de Platão foi "expulsar" os poetas da sua República e deixar apenas os filósofos. Preicamos dos poetas e dos filósofos. Quando os professores começarem a ler mais e falar dessas leituras com seus alunos, sem imposição, mas como se fosse algo casual, envolvendo-os no mundo da imaginação, do sonho, aí os alunos começarão a sonhar. E esse não é um trabalho de frutos imediatos; é preciso tempo; é preciso criar essa cultura.
Genival Mota
Olá Genival
ResponderExcluirExcelente contribuição.