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domingo, 15 de julho de 2012

O PROFESSOR É PREPARADO PARA SER PROFESSOR?



“Ninguém ensina o professor a professorar” disse o professor Ismael.
Já escrevi sobre isso. Já me reportei aos conflitos que enfrentei quando assumi a sala de aula. Já  tratei das informações básicas que me faltaram porque os professores do curso de licenciatura não me ensinaram a ser professor.
Eles não ensinaram porque não sabiam, porque também não foram ensinados. Alguém nos ensina a ser professor?
Como disse uma palestrante, certa vez em que a universidade onde trabalho resolveu realizar um encontro de professores, em abril de 2012. A convidada disse: “na universidade ninguém nos ensina a ser professor; amanhecemos dentistas e anoitecemos professores”. Não me lembro qual a formação dela. Não anotei porque no dia não me ocorreu a ideia  de escrever sobre isso, mas a frase ficou “martelando” na minha cabeça. É assim que acontece na maioria das vezes. Amanhece-se bacharel, presta-se um concurso e à tarde está aprovado para ser professor em um curso de licenciatura onde se formam os professores da educação básica.
Mas o que é ensinar a ser professor? Suponho que algum  leitor tenha pensando nas aulas de didática. Imagino que outros tenham pensado nos conteúdos específicos da ciência básica do curso ou nas disciplinas pedagógicas. Talvez alguém pense nas aulas de prática de ensino  mas, não é de nada disso que estou falando. Estou falando de uma coisa que um colega disse certa vez e eu não entendi no momento, mas que depois que ouvi a palestrante citada fez sentido.
Esse colega, professor de Matemática da educação básica, atuou um certo  tempo como professor substitudo na universidade  e um dia o ouvi dizendo: “o porfessor do curso de licenciatura não ensina professorar”.
O que é professorar? É agir como professor.
Recorro  a um exemplo  para ilustrar. Tenho um amigo grande conhecedor da Lingua Portuguesa  e que atuou como professor dessa disciplina na educação básica por vários anos. Muito sério no que fazia sempre questionava os resultados que obtinha. Cansado, resolveu mudar de área e migrou para  a área  jurídica. Com um mestrado em Lingua Portuguesa e os conhecimentos jurídicos tornou-se professor de Direito em uma universidade em que eu também trabalhava. Quando nos encontrávamos no pátio dessa grande universidade conversávamos sobre os problemas educacionais que ele bem conhecia.
 Certo dia conversávamos sobre os dilemas de ser professor  quando me contou como trabalhava  como os acadêmicos. Segundo ele os acadêmicos de Direito, no início do curso, pensam que já são advogados  e que são capazes de  ganhar todas as causas. Em virtude disso,  protestam facilmente contra tudo o que o professor propõe.  A forma que ele encontrou para ensiá-los a ter limites e mostrar que nada é tão simples é desafiando-os ( e até animando-os) a fazerem as observações por escrito, encaminhá-las ao coordenador do curso,  e se prepararem  para a réplica. Avisa-os que haverá resposta fundamentada para a reclamanção que fizerem. Explica-lhes que a cada direito que reclamarem corresponde a um direito a ser reclamado pelo outro.  
Pensei comigo: ele está ensinando a ser advogado. Como professor de advogados está ensinado o que é advogar. Está deixando claro que um advogado tem que saber que todo processo dele poderá ser questionado por outro advogado tão bem ou até melhor preparado do que ele. Isso significa que ele pode ganhar a causa, mas que também pode perder. Precisa saber que qualquer processo que interpuser  deve ser bem fundamentado. Não pode desprezar o potencial do outro. Não pode se iludir pensando que é fácil ter sucesso, que tudo corre  a seu favor, que o mundo gravita ao seu redor. Não pode se considerar superior, incontestável, mas também não pode se deixar abater diante da possibilidade perder uma causa. Fracasso e sucesso caminham lado a lado na vida desse profissional.
Disse –me que o professor não pode  coibir o acadêmico de protestar, mas também não pode iludi-lo com a ideia de que a batalha judicial é fácil de ser ganha. Não pode ignorar que ele vai ser advogado e que terá que enfrentar adversidades. Tão importante quanto saber Direito e conhecer as leis é saber ser advogado. É preciso saber advogar, saber argumentar e fundamentar os argumentos.
Na perspectiva dele tão importante quanto conhecer o Direito e as leis é conhecer os meandros do judiciário, a ética própria da profissão, o respeito ao cliente e o respeito ao outro advogado.
Fiquei pensando  e tentando juntar esses fragmentos de conversas. “Ensinar a professorar”, “amanhecer [bacharel] e anoitecer professor”, “ tão importante quanto conhecer [a ciência é saber relacioná-la com a profissão]”.
Na licenciatura dá-se aulas para o licenciando como se fosse para  formar um bacharel. Na Matemática ensinam-se regras de derivações, de integração, demonstrações, mas não se ensina “professorar”, se relacionar com os alunos, adequar a metodologia às necessidades dos alunos, questionar a proposta pedagógica do curso e do professor. Se ele aprendesse a questionar a proposta do professor não se sentiria ofendido quando fosse questionado na escola.
Não se ensina a ser profissional porque não se discute ética profissional, não se ensina a respeitar os direitos dos alunos (em qualquer nível), não se discute a adequação do projeto pedagógico do curso, a didática  do professor, o respeito nos  pronunciamentos, a necessidade de fundamentação para o que se fala. Professor se contradiz no discurso, alguns agridem com palavras e gestos, outros têm comportamento semelhante ao comportamento que condenam nos alunos e, tudo isso,  sem se preocupar  se é ético ou não proceder dessa forma.
Como o professor, enquanto acadêmico, nunca foi valorizado pelos profesores ele não sabe valorizar o aluno. Por nunca  ter aprendido a questionar ele não aceita questionamentos dos alunos. Por nunca ter sido respeitado em sua reivindicações ele tem dificuldade em repeitar.
É preciso ensinar o professor a “professorar”.

Campo Grande, 15 de julho de 2012.
Antonio Sales  profesales@hotmail.com

2 comentários:

  1. Professorar só aprendi com a prática, como já havíamos conversado sobre isto, a graduação não me deu suporte para ser professora, eu o sou por conta e risco. Espero sinceramente que hajam outros professores com a mente aberta igual a sua. Obrigada pelo aprendizado de cada dia professor. Glaucia Patricia Bravin de Sá

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  2. É verdade que algumas coisas se aprende sozinho mesmo. Sempre há o imprevisto, mas ter que percorrer todo caminho sozinho e sem indicadores de direção é difícil, não é Glaucia?!

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