“Ninguém ensina o professor a
professorar” disse o professor Ismael.
Já escrevi sobre isso. Já me reportei
aos conflitos que enfrentei quando assumi a sala de aula. Já tratei das informações básicas que me
faltaram porque os professores do curso de licenciatura não me ensinaram a ser
professor.
Eles não ensinaram porque não sabiam,
porque também não foram ensinados. Alguém nos ensina a ser professor?
Como disse uma palestrante, certa vez em
que a universidade onde trabalho resolveu realizar um encontro de professores,
em abril de 2012. A convidada disse: “na universidade ninguém nos ensina a ser
professor; amanhecemos dentistas e anoitecemos professores”. Não me lembro qual
a formação dela. Não anotei porque no dia não me ocorreu a ideia de escrever sobre isso, mas a frase ficou
“martelando” na minha cabeça. É assim que acontece na maioria das vezes. Amanhece-se
bacharel, presta-se um concurso e à tarde está aprovado para ser professor em
um curso de licenciatura onde se formam os professores da educação básica.
Mas o que é ensinar a ser professor?
Suponho que algum leitor tenha pensando
nas aulas de didática. Imagino que outros tenham pensado nos conteúdos
específicos da ciência básica do curso ou nas disciplinas pedagógicas. Talvez
alguém pense nas aulas de prática de ensino mas, não é de nada disso que estou falando.
Estou falando de uma coisa que um colega disse certa vez e eu não entendi no
momento, mas que depois que ouvi a palestrante citada fez sentido.
Esse colega, professor de Matemática da
educação básica, atuou um certo tempo
como professor substitudo na universidade
e um dia o ouvi dizendo: “o porfessor do curso de licenciatura não
ensina professorar”.
O que é professorar? É agir como
professor.
Recorro a um exemplo para ilustrar. Tenho um amigo grande conhecedor
da Lingua Portuguesa e que atuou como
professor dessa disciplina na educação básica por vários anos. Muito sério no que
fazia sempre questionava os resultados que obtinha. Cansado, resolveu mudar de
área e migrou para a área jurídica. Com um mestrado em Lingua
Portuguesa e os conhecimentos jurídicos tornou-se professor de Direito em uma
universidade em que eu também trabalhava. Quando nos encontrávamos no pátio
dessa grande universidade conversávamos sobre os problemas educacionais que ele
bem conhecia.
Certo dia conversávamos sobre os dilemas de
ser professor quando me contou como
trabalhava como os acadêmicos. Segundo
ele os acadêmicos de Direito, no início do curso, pensam que já são
advogados e que são capazes de ganhar todas as causas. Em virtude disso, protestam facilmente contra tudo o que o
professor propõe. A forma que ele
encontrou para ensiá-los a ter limites e mostrar que nada é tão simples é
desafiando-os ( e até animando-os) a fazerem as observações por escrito,
encaminhá-las ao coordenador do curso, e
se prepararem para a réplica. Avisa-os
que haverá resposta fundamentada para a reclamanção que fizerem. Explica-lhes
que a cada direito que reclamarem corresponde a um direito a ser reclamado pelo
outro.
Pensei comigo:
ele está ensinando a ser advogado. Como professor de advogados está ensinado o
que é advogar. Está deixando claro que um advogado tem que saber que todo
processo dele poderá ser questionado por outro advogado tão bem ou até melhor
preparado do que ele. Isso significa que ele pode ganhar a causa, mas que
também pode perder. Precisa saber que qualquer processo que interpuser deve ser bem fundamentado. Não pode desprezar
o potencial do outro. Não pode se iludir pensando que é fácil ter sucesso, que
tudo corre a seu favor, que o mundo
gravita ao seu redor. Não pode se considerar superior, incontestável, mas
também não pode se deixar abater diante da possibilidade perder uma causa.
Fracasso e sucesso caminham lado a lado na vida desse profissional.
Disse –me que o
professor não pode coibir o acadêmico de
protestar, mas também não pode iludi-lo com a ideia de que a batalha judicial é
fácil de ser ganha. Não pode ignorar que ele vai ser advogado e que terá que
enfrentar adversidades. Tão importante quanto saber Direito e conhecer as leis é
saber ser advogado. É preciso saber advogar, saber argumentar e fundamentar os
argumentos.
Na perspectiva
dele tão importante quanto conhecer o Direito e as leis é conhecer os meandros
do judiciário, a ética própria da profissão, o respeito ao cliente e o respeito
ao outro advogado.
Fiquei pensando e tentando juntar esses fragmentos de conversas.
“Ensinar a professorar”, “amanhecer [bacharel] e anoitecer professor”, “ tão
importante quanto conhecer [a ciência é saber relacioná-la com a profissão]”.
Na licenciatura
dá-se aulas para o licenciando como se fosse para formar um bacharel. Na Matemática ensinam-se
regras de derivações, de integração, demonstrações, mas não se ensina “professorar”,
se relacionar com os alunos, adequar a metodologia às necessidades dos alunos,
questionar a proposta pedagógica do curso e do professor. Se ele aprendesse a
questionar a proposta do professor não se sentiria ofendido quando fosse
questionado na escola.
Não se ensina a
ser profissional porque não se discute ética profissional, não se ensina a respeitar
os direitos dos alunos (em qualquer nível), não se discute a adequação do
projeto pedagógico do curso, a didática do professor, o respeito nos pronunciamentos, a necessidade de
fundamentação para o que se fala. Professor se contradiz no discurso, alguns
agridem com palavras e gestos, outros têm comportamento semelhante ao comportamento
que condenam nos alunos e, tudo isso, sem se preocupar se é ético ou não proceder dessa forma.
Como o
professor, enquanto acadêmico, nunca foi valorizado pelos profesores ele não
sabe valorizar o aluno. Por nunca ter
aprendido a questionar ele não aceita questionamentos dos alunos. Por nunca ter
sido respeitado em sua reivindicações ele tem dificuldade em repeitar.
É preciso ensinar
o professor a “professorar”.
Campo Grande, 15
de julho de 2012.
Antonio Sales profesales@hotmail.com
Professorar só aprendi com a prática, como já havíamos conversado sobre isto, a graduação não me deu suporte para ser professora, eu o sou por conta e risco. Espero sinceramente que hajam outros professores com a mente aberta igual a sua. Obrigada pelo aprendizado de cada dia professor. Glaucia Patricia Bravin de Sá
ResponderExcluirÉ verdade que algumas coisas se aprende sozinho mesmo. Sempre há o imprevisto, mas ter que percorrer todo caminho sozinho e sem indicadores de direção é difícil, não é Glaucia?!
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