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segunda-feira, 23 de julho de 2012

A VIOLÊNCIA NA ESCOLA



Estava na sala de fisioterapia. Enquanto o aparelho produzia uns “choques” no meu joelho eu ouvia o desabafo de uma servidora pública que trabalhava na escola. Ela conversava alto com a fisioterapeuta, procurando chamar a atenção de alguém, esperando que alguém se interessasse pelo que tinha a dizer. Momentos depois ela sentou-se perto de mim para também levar uns “choques” no pé. Como a fisioterapeuta se afastou e eu estava em silêncio ela silenciou também. Rompi o silêncio e perguntei se era professora. Disse-me que não. Exercia a função de administrativa, mas estava indignada com o tratamento que certo aluno do 6º ano dava os professores. Falou das ameaças que ele fazia aos professores, dos desacatos, dos palavrões e dos xingamentos que proferia mesmo quando tratado com educação.
“Finalmente”, disse ela com certo alivio na voz, “ele foi transferido para outra escola. Depois de muitas ocorrências conseguiram a transferência dele”.
Voltei para o meu silêncio. Nada tinha a lhe dizer.
Se não tinha o que dizer, tinha muito para pensar e escrever.
Estamos brincando de educar, pensei. Não se educa sendo permissivo e nem transferindo responsabilidades. É lamentável que o problema de uma escola seja resolvido com a transferência do mesmo para outra escola.
No entanto, esse é, infelizmente,  o caminho encontrado pelos educadores para se livrar de um problema que denomino de doença social infectocontagiosa. Por que se recorre a esse expediente  covarde de transferir o problema para outro? Por quê?
Porque não há aparato político, técnico, científico e judiciário para ajudá-los. Às vezes nem mesmo há vontade de resolver o problema porque encará-lo significa admiti-lo.
Para os administradores públicos já está claro que no caso de uma doença física além do atendimento primário em uma  Unidade de Saúde de Família ou atendimento de urgência em um  Posto de Pronto Atendimento é necessário um hospital equipado com tecnologia moderna, ambulância para traslado equipada com paramédicos treinados  e pessoal cientificamente preparado para atender os casos  graves que extrapolam o potencial de um atendimento  primário.
No caso dessa doença social caracterizada pelo desrespeito  de algumas crianças e vários adolescentes para com os professores e outros adultos, aparentemente,  nenhum  investimento é feito em treinar pessoas, equipar “hospitais” e preparar o aparato judiciário para o enfrentamento do problema. Essas crianças e adolescentes estão doentes e requerem tratamento especializado.
À  escola cabe dar o atendimento primário, fazer o trabalho preventivo, investir  numa “boa” relação com os pais, orientando-os, produzindo discussões e fornecendo sugestões não simplistas. Professores e coordenadores precisam se preparar para o diálogo com os pais.
Eles não podem ir além desse passo. Não lhes é permitido pela sociedade exigir que os alunos tenham certos comportamentos. Serão acusados de expor o aluno ao ridículo, de abuso de autoridade ou extrapolar o seu papel. Não tendo o que fazer silenciam, sofrem e, quando podem, transferem o problema para outra escola.
Ora, aqui está o problema. Por que não transferir  para uma instituição educativa com agentes preparados para atendimento especializado? Porque não há essa instituição. Mas, e por que não há essa instituição? Porque há uma hipocrisia na administração pública que finge não estar vendo o problema, uma hipocrisia no judiciário que finge cumprir o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) “respeitando” o não respeitável. Por que não respeitável?
Porque se não é respeitável o direito de um motociclista pilotar sem capacete, ou um motorista dirigir sem cinto de segurança, porque tal comportamento expõe a sua vida ao perigo, como podemos achar que é respeitável o direito de uma criança ou adolescente permanecer enfermo socialmente? É respeitável o seu direito de ser infrator? Isso não expõe a sua vida, e a de outros, aoperigo?
No caso de uma doença física o médico tem a liberdade para prescrever o remédio e esperar que a equipe técnica cumpra o que está prescrito na receita. Isso é considerado importante para o bem do paciente e da sociedade que alimenta a expectativa de recebê-lo de volta  recuperado do mal que o acometeu e certa de que ele teve o atendimento que merecia. Por que, no caso de doença social infectocontagiosa, o aparato judiciário não pode prescrever medidas sócioeducativas que funcionem?
Fiz essa pergunta porque tenho acompanhado casos de medidas socioeducativas em que a instituição cidadã que se dispõe a colaborar com o judiciário não recebe nenhum apoio para fazer o infrator cumprir o que foi determinado. Como resultado dessa ausência de orientação e apoio ela prefere devolver o sujeito, transferir o problema, e assim o faz.
Com essas transferências o problema se agrava tornando-se crônico e, em muitos casos, incurável. Estamos fazendo um cultivo de “estafilococos” resistentes a tratamento porque as medidas tomadas não são efetivas. Não se faz um estudo sobre esses casos ou não se leva em conta os estudos já realizados. Parece que estamos insistindo em respeitar quem não quer ser respeitado.
Antes desse estágio de atuação do judiciário, as “bactérias” mutantes criaram resistência suficiente  na escola e infectaram outros. A escola demora encaminhar por não acreditar que o judiciário tenha proposta melhor do que a sua. Muitos casos encaminhados voltam com a determinação da promotoria de que o lugar  do aluno é na escola e é lá que ele deve permanecer sem levar em conta que foi lá que ele adoeceu e transmite  a “doença”  aos outros. O stress provocado por ele adoece os profissionais, sem levar em conta os casos de morte que já foram registrados. O stress provocado causa certo prazer no infrator (MATTJE, 2009; HERE, 2009; VEJA, 2007) que se torna mais agressivo, ousado, e, ao mesmo tempo, lhe produz mais irritação porque os estressados se tornam impacientes com ele. Nesse contexto os demais alunos ficam tensos, instáveis (uns temerosos e outros ousados), os pais ficam temerosos pelos seus filhos e ocorre a incoerência de se devolver um doente ao lugar que o enfermou. Outros serão enfermados por ele e quando encaminhados serão também devolvidos para enfermar outros.
Onde fica a direito que a criança e o adolescente tem de aprender a respeitar? E o direito de exercer a cidadania? Os doentes não são dignos desse direito? Educar não é proteger? É possível educar sem exigir o cumprimento de regras socialmente estabelecidas?
É possível romper com esse círculo vicioso? Creio que sim. Aposto que se os Sindicatos de Professores encampassem essa luta promovendo debates, denúncias, passeatas,  audiências públicas e outras medidas que os líderes politizados são capazes de fazer, alguma mudança começaria ocorrer.
Estou esperando para ver acontecer essa mobilização. É hora da luta pelo respeito, pela seriedade e pela paz. Isso não seria lutar por uma educação de qualidade?
Campo Grande 20 de junho de 2012.
Antonio Sales   profesales@hotmail.com
Referências
HERE, Robert. Psicopatas no divã. Veja. Edição 2100, Ano 42, Número 13, 1º/4/2009 (Páginas amarelas). (O autor é psicólogo canadense especialista em psicopatias)
MATTJE, Gilberto Dari. Tosco. Campo Grande, MS: Gráfica Alvorada, 2009.
VEJA. Revista Veja, Edição 1990, Ano 40 nº 1 de 10/01/2007, p. 49. São Paulo: Editora Abril, 2007.

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