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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

PRIVILEGIANDO QUEM NÃO QUER ESTUDAR?




Meus textos são opinativos. Escrevo para provocar reflexões. Destaco aquilo que me incomoda na educação e aquilo que ouço as pessoas falarem porque julgo que as  incomoda também.
Esta noite estava assistindo a TV Câmara. O debate era sobre educação e envolvia o deputado Chico Lopes (PC do B/ PI) e o professor  Moaci coordenador do Instituto de Estudos Interdisciplinares de Brasília. Este último é autor de 22 livros analisando a legislação brasileira sobre a educação.
O foco do debate era o ensino médio, mas o deputado enfatizava que o problema começa antes. Em sua opinião o ensino médio está ruim porque o aluno chega lá despreparado.
O debate incluiu o preparo do professor que, na realidade, não está preparado para a conjuntura atual. E o deputado enfatizou ainda a questão da verba destinada para a educação e ambos concordavam que é pouca. Ambos, no meu entender, tocaram de leve no verdadeiro problema da qualidade na educação quando falaram que a família delegou à escola a tarefa de educar a filhos.
Tudo que falaram é importante e estou em pleno acordo, exceto em relação a este último item.
Entendo que a família não entregou o filho para a escola educar, ela entregou-o ao Estado (a escola é o Estado ao seu alcance). Ela entregou-o ao Estado por que este lhe disse que ela não sabe educar. As leis proíbem-na de educar do modo como ela sabia fazer e não há orientação sobre uma nova proposta que funcione. Nem tudo o que se fazia estava errado, mas agora está errado por definição. Ela não pode mais se impor ao filho porque será denunciada ao conselho tutelar e, por extensão, ao promotor.
É certo proteger a criança  e o adolescente, mas penso não ser prudente impedir a família de corrigi-lo sem dar a ela a devida assistência.
Fazem-se leis, mas não são dadas às pessoas  as condições (orientações, propostas) de cumpri-las. A família perdeu o poder, a  escola perdeu o poder e as autoridades querem quer elas eduquem. E como se tirássemos o ponto de apoio e disséssemos a Arquimedes: levante o mundo só com a alavanca.
Em algumas salas de aula dois ou três alunos dispostos a desrespeitar  o professor  são suficientes para atrapalhar o estudo dos outros trinta ou mais. Em muitas slas de aula, cerca de trinta alunos perdem o ano por causa de dois ou três que estão na escola mais para fazer “gracinhas” e incomodar.
O aluno chega à sala, faz gracejos, solta pilhérias, ofende os outros, diz palavrões, e quando o professor intervém ele desafia: "manda eu para fora da sala”.
Ele faz isso porque sabe que o  diretor o mandará de volta para continuar a perturbar a aula e sabe também que se o diretor não   fizer o promotor o fará.
Essa situação, se criada por um dispositivo legal ou pela interpretação equivocada dele não sei, tirou dos pais e da escola o poder para ordenar a vida dos jovens, de discipliná-los. Tirou da família e da escola o poder de agir sobre quem mais precisa de orientação e controle. Não há nem mesmo como "impor" respeito pela autoridade porque ele desconhece a autoridade, ele desafia essa autoridade. É contra ela que ele se manifesta apoiado na benesse legal, embasado na teoria de que o jovem é sempre a vítima. Há, sem dúvida, muitas vítimas e poucas exceções, mas são essas exceções que estão causando transtornos e fazendo muitas vítimas.
Essa situação dificulta a melhoria da educação porque esse aluno que vai à escola para mostrar  o seu poder de enfrentamento da autoridade não permite que o estudo possa fluir, que os trabalhos em grupo possam se desenvolvidos, que o ambiente seja favorável  ao estudo.
Esse aluno prejudica a aprendizagem dos outros, tira a tranquilidade de trabalho do professor e provoca desperdício do dinheiro público que é investido na educação. 
Portanto, no me entender, não basta investir dinheiro é preciso “empoderar” o professor e a família. Primeiramente deve-se orientar a escola e a família que ficaram desorientadas, depois permitir que tomem decisões e oferecer respaldo para essas decisões.
Nova Andradina  06 de dezembro de 2012.
Antonio Sales                      profesales@hotmail.com

domingo, 2 de dezembro de 2012

PRÊMIO ÀS AVESSAS



Durante muito tempo ouvi críticas a alguns professores ou gestores que resolviam premiar os alunos fortes em determinadas disciplinas. “Alunos fortes” ou “alunos fracos”, neste texto, são referências a alunos com notas altas ou notas baixas. As escolas na região onde moro classificam os alunos em fortes ou fracos pelas notas.
Essas críticas às eventuais premiações dos alunos fortes me deixavam confuso. As razões apresentadas ora pareciam fazer sentido e ora pareciam não fazer sentido.
Nunca me posicionei sobre isso exatamente por causa das minhas dúvidas. Passei muito tempo observando o que se passava nas escolas e comparando com os discursos favor contra ou a favor das premiações. Não foi uma observação sistemática, logo, não se trata de uma afirmação científica.
Em um ponto devo admitir que os críticos da premiação têm razão. Quando eles dizem que premiar os fortes não incentiva os fracos a estudar, parece ser verdade. Os alunos fracos normalmente devem a sua deficiência à falta de autodisciplina, a algum projeto pessoal que não se adequa ao projeto da escola ou a problemas (familiares, de saúde, emocionais, etc.) gerados fora da escola e sobre os quais a escola, fragilizada como está, tem pouco ou nenhum controle. Dessa forma, parece verdadeiro afirmar que premiar os fortes não estimula os fracos.
Apesar dessa constatação, empírica e não sistemática, atualmente sou favorável à premiação dos alunos fortes porque me parece que a falta de autodisciplina é mais contagiante do que a presença dela. Diante disso, considero importante estimular os que se esforçam, os que lutam e superam. Se esse gesto não estimula os outros também não lhes dá o direito de dizer que não vale a pena se esforçar. Se não cura os “doentes”, pelo menos, oferece resistência aos “sãos”.
A escola da região onde eu vivo não oferece estímulo ao aluno forte. O “prêmio” que lhe confere é o direito de ficar livre da escola mais cedo no final do ano. Um “prêmio às avessas”.  O aluno forte deveria ter um atendimento melhor, um estímulo para permanecer na escola. A escola deveria ter um programa de acompanhamento escolar para os fracos e um programa de aprofundamento escolar para os fortes, um programa que os estimulasse a ficar na escola mais tempo pesquisando e discutindo (ou praticando) ciência, política, filosofia,  artes, esportes, etc. No final do ano, enquanto os outros se preparam para os exames finais, eles deveriam ter visitas de estudo a shoppings, outras cidades, parques, universidades (onde os acadêmicos fortes seriam os guias turísticos), eventos, escolas (para conhecer e entrevistar outros alunos fortes) ou outros locais importantes da região.  Essas visitas gerariam relatórios para debates na escola e assuntos para conversas proveitosas nas redes sociais
Presenciei, na universidade onde trabalho, como a bolsa PIBID, que oferece oportunidade do aluno permanecer mais tempo no ambiente estudantil e ter contato com o campo de trabalho, produziu bem-estar em muitos estudantes, contribuiu para discutir questões profissionais e para a elaboração de Trabalhos de Conclusão de Curso bem amadurecidos.
Antonio Sales
Nova Andradina, MS, 02 de dezembro de 2012.

domingo, 11 de novembro de 2012

EXPLIQUE-SE, PROFESSOR




O professor, fequentemente, é chamado para explicar o baixo rendimento dos seus alunos, o pouco interesse demonstrado por eles. Enfim, explicar o fracasso da educação brasileira. É como se ele tivesse que dar conta de todas as variáveis que interferem no processo de ensino e, por extensão, na educação brasileira.
Não sou contra pedir explicações e justificativas. O gestor tem o direito de fazer isso. O pai tem o direito de fazer isso. O professor tem  o direito de fazer isso.
Quem é assalariado tem que explicar por que não cumpriu a parte que lhe cabia executar. O filho deve explicações ao pai quando tira notas baixas ou deixa de executar uma tarefa que lhe foi atribuída. O aluno deve explicações ao professor quando desrespeita normas estabelecidas para a sala de aula.
Procurar saber como o processo está se desenvolvendo é necessário 
O governante deve explicações à população  sobre a sua administração. É a lei da transparência na gestão pública.
Portanto, como se vê, não sou contra pedir explicações, exigir prestação de contas. O problema, no meu entender, é o objetivo com que se faz isso. Pedir esclarecimentos é uma coisa, pedir para alguém “ se explicar” é outra coisa, é partir do pressuposto de que houve má intenção.
Pedir explicações para entender e resolver um problema é uma coisa, pedir explicações para culpabilizar é outra coisa. Partir do pressuposto de que algo não está bem e pode ser melhorado é uma coisa. Partir do pressuposto de que não deu certo por incompetência do outro é outra coisa.  Um pai que pede explicações sobre o comportamento do filho para se isentar de dar a devida atenção ao mesmo ou assumir a paternidade (compromisso com o filho), está falhando com o seu dever de pai. Um professor que pede explicações ao aluno, sobre o seu comportamento, apenas para “lavar as mãos” ou dizer “é por isso que não consigo produzir” está falhando como profissional.
Pede-se explicações para dizer: há algo que eu possa fazer para ajudá-lo a resolver o problema? Se você não está conseguindo resolver sozinho já pensou em como poderia ser ajudado para que a tarefa possa  ser cumprida a contento? Você tem uma proposta ou quer que eu apresente uma proposta? Explique o que sente ou o que vive para eu me situar no problema. Se eu apresentar uma proposta alternativa você assume? Se eu me dispuser a colaborar qual será a sua contrapartida?
A visão de educação que predomina entre os gestores que vivem pedindo explicações ao professor é a de que em havendo ensino há obrigatoriamente aprendizagem. É uma visão questionável porque há quem aprenda sem ensino e há quem não aprenda mesmo com ensino. Há aprendizagem quando há envolvimento, quando há estudo. (Oportunamente discutiremos o que é estudar em Matemática).
Na escola o professor tem que explicar porque o aluno não aprende por estar imerso no mundo das drogas. É como se o professor tivesse que se responsabilizar por desse desvio de comportamento. Nesse  caso,  a explicação solicitada deveria ser  para diganosticar o problema e  buscar soluções e não para pressionar o professor.
Professor tem que explicar quando não cumpre a sua parte, quando não busca alternativa, mas não tem que explicar porque o aluno não aprende. Entendo que o professor deve sim explicar-se, mas deve explicar porque permanece usando uma didática ultrapassada, porque vai para os cursos de formação continuada com a “cabeça fechada”, isto é, pouco disposto a aprender e a ver a educação com outro olhar.
Antonio Sales  profesales@hotmail.com
Nova Andradina, outubro de 2012

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

CURADORES FERIDOS



Curador neste texto tem o sentido de uma pessoa que, por escolha ou dever profissional, se ocupa de cuidar das pessoas, de aliviar o sofrimento humano. Esse sofrimento não se limita ao âmbito da dor física. Pensamos em dor como sendo qualquer sofrimento consciente ou inconsciente que esteja
acometendo uma pessoa. Pode ser o analfabetismo, pode ser a ignorância, a falta de esperança, o desinteresse ou a baixa autoestima.
Curar pode ser o trabalho de conscientizar as pessoas que são vítimas do descaso do poder público. O descaso do poder público é grave neste país. Prioriza-se obras em detrimento do atendimento nas áreas sociais. As equipes de assistência social são reduzidas, o professor é sobrecarregado com uma carga horária excessiva. As filas de espera no serviço de saúde estão longe de acabar.
Quando o piso nacional do magistério foi estipulado por lei federal houve governadores que recorreram judicialmente para não aplicar. Quando os soldados da FEB chegaram ao Brasil, após terem lutado na Itália, receberam a noticia de que a Força Expedicionária tinha sido extinta e eles estavam abandonados à própria sorte, para enfrentarem os traumas do pós-guerra sozinhos (COSTA, 2012).
Muitos governantes desse país são como um “pitbull” mal treinado porque atacam ou abandonam os que deveriam defender. Essas atitudes deixam-nos a impressão de que o Brasil é um país que não protege os seus filhos. Essa impressão gera pobreza, desestímulo, exploração, violência, abandono, baixa autoestima.
Abandono gera abandono, violência gera violência, exploração produz explorados e exploradores. O descaso do poder público gera falta de patriotismo.
Tratar esses problemas, responsabilizar-se por educar um povo sem patriotismo, crianças vítimas de descaso, desprotegidas, etc., coloca o professor na categoria de curador. Um curador frequentemente ferido.
Pensemos um pouco na atividade de curar.
Tenho pensado que quando alguém quer ajudar pessoas medíocres a saírem da sua mediocridade não pode viver muito tempo entre elas. O contato prolongado com a mediocridade é contagiante. Quem vai trabalhar com pessoas pessimistas, rústicas, enrijecidas, deve ter tempo para permanecer longe delas e se reabastecer de outras visões mais animadoras sobre a vida. Se alguém quer ajudar quem está "afogando" deve ter apoio para os próprios pés e não pode se deixar enlaçar por ele.
Tenho visto professores que vão trabalhar em escolas de comunidades carentes, ente pessoas sem esperança, pouco  dispostas a se deixarem influenciar, e depois de algum tempo também se tornam intratáveis, grosseiros, pessimistas,  tímidos e com um linguajar pouco recomendável.
Aqueles profissionais que atuam em duas comunidades distintas embora uma seja pouco produtiva se a outra responde melhor aos estímulos intelectuais conseguem se manter mais tempo saudáveis, entusiastas e abertos à aprendizagem.
Quem quer ajudar alguma comunidade carente deve residir entre pessoas não carentes para realimentar  diariamente as suas expectativas, reconstruir a cada dia a sua esperança, ter um motivo para sorrir e ser feliz.
O professor precisa de tempo para ler mais, participar de outras atividades sociais, participar de conselhos diversos, discutir algo mais do que sala de aula; conversar sobre assuntos que não seja nota, aprovação, reprovação, Prova Brasil, etc., se quiser permanecer mais tempo saudável.
Em outubro de 2011 visitei João Pessoa. Minha filha cursava o seu pós-doutoramento em  Educação Popular de Saúde na  UFPB  sob o orientação de uma autoridade nacional no assunto.
O orientador, apesar do status que desfrutava,  era homem simples. Sua visão clara do que fazia  não o deixava se iludir pela euforia de uma possível  mudança rápida e nem se desiludir pela dificuldade de mudança.
Certo dia, enquanto almoçávamos, ele se referiu com muito pesar a um jovem padre que havia posto fim à própria vida naqueles dias. Era seu amigo e um tempo antes tinha trabalhado em Joao Pessoa, na comunidade em que o médico desenvolvia o seu projeto. Jovem, dinâmico e engajado nas causas sociais o padre fora-lhe um braço forte.
Agora, pouco mais de um ano, dada à sua prestatividade,  juventude e entusiasmo ele fora transferido para o interior do estado e atuava sozinho junto a uma comunidade carente.
Vinha desenvolvendo um bom trabalho, mas naqueles dias, cerca de uma semana, pusera fim à vida, não sem antes passar por um atendimento psiquiátrico.
O que deixara a todos perplexos era o fato de que havia  fortes indícios de que não fora  por conflitos espirituais uma vez que ingerira o líquido mortal abraçado a um Rosário. De igual modo quando atuou em João Pessoa dera mostras de ser  entusiasta na  luta em favor dos menos favorecidos e satisfeito com a vocação sacerdotal.
Qual a possível causa da sua depressão? Por que se desiludira tão rápido?
Surgiram as conjecturas e uma delas foi que ele teria se desiludido com a não resposta dos que quisera ajudar. Ao viver entre os que  não respondem teria se tornado, ele também,  "surdo" aos  apelos da esperança? Desistira  de viver porque estava entre os que não queriam mudar de vida? Saltara na “água” sem os equipamentos emocionais necessários para salvar os “náufragos” e, "não tendo encontrado pé", “naufragara” também?
A experiência do médico com as classes populares lhe dizia que quem cura também se fere, quem socorre também precisa de socorro, quem apoia também sente falta de apoio, quem consola também necessita ser consolado.
Naquela tarde fui presenteado com um livro organizado pelo Dr Eymard (*) e, no dia seguinte, ao lê-lo deparei-me  com um capítulo escrito por um psicólogo e cientista político também envolvido com as causas sociais.
Nesse capítulo onde teoriza e contextualiza o lidar com o sofrimento humano  ele destaca a função de “curador”, daquele que por escolha própria ou por dever profissional se ocupa de aliviar o sofrimento do outro. Ao concluir ele espera ter contribuído para que sejamos “melhores curadores ... mas sempre, sempre, irremediavelmente ... feridos!”.
O professor, via de regra, é um curador ferido. Começa cheio de entusiasmo, mas sobrecarregado de aulas e  a responsabilidade de produzir bons resultados  imediatos com uma clientela desestimulada e como colegas já feridos, ele também se fere. Começa com força, mas, por falta de apoio e de respostas,  enfraquece e “perde o fogo” tornando-se mais um com a síndrome de Burnout. O gestor do dinheiro público que se comporta como um “pitbull” mal treinado prefere não investir no professor enquanto ele tem forças e depois terá que suportar a sua retirada para tratamento de saúde.
Antonio Sales  profesales@hotmail.com
Nova Andradina 20/10/2012
COSTA, Helton. Confissões do Front: soldados de Mato Grosso do Sul na II Guerra Mundial. Dourados, MS: Arandu, 2012.
(*)VASCONCELOS, Eymard Mourão (org.). A espiritualidade no trabalho em saúde. 2.ed. São Paulo: Hucitec, 2011.