Curador neste texto tem o sentido de uma pessoa
que, por escolha ou dever profissional, se ocupa de cuidar das pessoas, de
aliviar o sofrimento humano. Esse sofrimento não se limita ao âmbito da dor
física. Pensamos em dor como sendo qualquer sofrimento consciente ou
inconsciente que esteja
acometendo uma pessoa. Pode ser o analfabetismo, pode ser a ignorância, a falta de esperança, o desinteresse ou a baixa autoestima.
acometendo uma pessoa. Pode ser o analfabetismo, pode ser a ignorância, a falta de esperança, o desinteresse ou a baixa autoestima.
Curar pode ser o trabalho de conscientizar as
pessoas que são vítimas do descaso do poder público. O descaso do poder público é grave neste país. Prioriza-se obras em
detrimento do atendimento nas áreas sociais. As equipes de assistência social
são reduzidas, o professor é sobrecarregado com uma carga horária excessiva. As
filas de espera no serviço de saúde estão longe de acabar.
Quando o piso nacional do magistério foi estipulado
por lei federal houve governadores que recorreram judicialmente para não
aplicar. Quando os soldados da FEB chegaram ao Brasil, após terem lutado na
Itália, receberam a noticia de que a Força Expedicionária tinha sido extinta e
eles estavam abandonados à própria sorte, para enfrentarem os traumas do
pós-guerra sozinhos (COSTA, 2012).
Muitos governantes desse país são como um “pitbull”
mal treinado porque atacam ou abandonam os que deveriam defender. Essas
atitudes deixam-nos a impressão de que o Brasil é um país que não protege os
seus filhos. Essa impressão gera pobreza, desestímulo, exploração, violência,
abandono, baixa autoestima.
Abandono gera abandono, violência gera violência,
exploração produz explorados e exploradores. O descaso do poder público gera
falta de patriotismo.
Tratar esses problemas, responsabilizar-se por educar um povo sem patriotismo, crianças vítimas de descaso, desprotegidas, etc., coloca o professor na categoria de curador. Um curador frequentemente ferido.
Tratar esses problemas, responsabilizar-se por educar um povo sem patriotismo, crianças vítimas de descaso, desprotegidas, etc., coloca o professor na categoria de curador. Um curador frequentemente ferido.
Pensemos um pouco na atividade de curar.
Tenho pensado que
quando alguém quer ajudar pessoas medíocres a saírem da sua mediocridade não
pode viver muito tempo entre elas. O contato prolongado com a mediocridade é
contagiante. Quem vai trabalhar com pessoas pessimistas, rústicas, enrijecidas,
deve ter tempo para permanecer longe delas e se reabastecer de outras visões
mais animadoras sobre a vida. Se alguém quer ajudar quem está
"afogando" deve ter apoio para os próprios pés e não pode se deixar
enlaçar por ele.
Tenho visto
professores que vão trabalhar em escolas de comunidades carentes, ente pessoas
sem esperança, pouco dispostas a se
deixarem influenciar, e depois de algum tempo também se tornam intratáveis,
grosseiros, pessimistas, tímidos e com
um linguajar pouco recomendável.
Aqueles
profissionais que atuam em duas comunidades distintas embora uma seja pouco
produtiva se a outra responde melhor aos estímulos intelectuais conseguem se
manter mais tempo saudáveis, entusiastas e abertos à aprendizagem.
Quem quer ajudar
alguma comunidade carente deve residir entre pessoas não carentes para
realimentar diariamente as suas
expectativas, reconstruir a cada dia a sua esperança, ter um motivo para sorrir
e ser feliz.
O professor precisa
de tempo para ler mais, participar de outras atividades sociais, participar de
conselhos diversos, discutir algo mais do que sala de aula; conversar sobre
assuntos que não seja nota, aprovação, reprovação, Prova Brasil, etc., se
quiser permanecer mais tempo saudável.
Em outubro de 2011
visitei João Pessoa. Minha filha cursava o seu pós-doutoramento em Educação Popular de Saúde na UFPB
sob o orientação de uma autoridade nacional no assunto.
O orientador, apesar
do status que desfrutava, era homem simples. Sua visão clara do que
fazia não o deixava se iludir pela
euforia de uma possível mudança rápida e
nem se desiludir pela dificuldade de mudança.
Certo dia, enquanto
almoçávamos, ele se referiu com muito pesar a um jovem padre que havia posto
fim à própria vida naqueles dias. Era seu amigo e um tempo antes tinha
trabalhado em Joao Pessoa, na comunidade em que o médico desenvolvia o seu
projeto. Jovem, dinâmico e engajado nas causas sociais o padre fora-lhe um
braço forte.
Agora, pouco mais de um ano, dada à sua prestatividade, juventude e entusiasmo ele fora transferido para o interior do estado e atuava sozinho junto a uma comunidade carente.
Agora, pouco mais de um ano, dada à sua prestatividade, juventude e entusiasmo ele fora transferido para o interior do estado e atuava sozinho junto a uma comunidade carente.
Vinha desenvolvendo
um bom trabalho, mas naqueles dias, cerca de uma semana, pusera fim à vida, não
sem antes passar por um atendimento psiquiátrico.
O que deixara a
todos perplexos era o fato de que havia
fortes indícios de que não fora
por conflitos espirituais uma vez que ingerira o líquido mortal abraçado
a um Rosário. De igual modo quando atuou em João Pessoa dera mostras de
ser entusiasta na luta em favor dos menos favorecidos e
satisfeito com a vocação sacerdotal.
Qual a possível
causa da sua depressão? Por que se desiludira tão rápido?
Surgiram as conjecturas e uma delas foi que ele teria se desiludido com a não resposta dos que quisera ajudar. Ao viver entre os que não respondem teria se tornado, ele também, "surdo" aos apelos da esperança? Desistira de viver porque estava entre os que não queriam mudar de vida? Saltara na “água” sem os equipamentos emocionais necessários para salvar os “náufragos” e, "não tendo encontrado pé", “naufragara” também?
Surgiram as conjecturas e uma delas foi que ele teria se desiludido com a não resposta dos que quisera ajudar. Ao viver entre os que não respondem teria se tornado, ele também, "surdo" aos apelos da esperança? Desistira de viver porque estava entre os que não queriam mudar de vida? Saltara na “água” sem os equipamentos emocionais necessários para salvar os “náufragos” e, "não tendo encontrado pé", “naufragara” também?
A experiência do
médico com as classes populares lhe dizia que quem cura também se fere, quem
socorre também precisa de socorro, quem apoia também sente falta de apoio, quem
consola também necessita ser consolado.
Naquela tarde fui
presenteado com um livro organizado pelo Dr Eymard (*) e, no dia seguinte, ao
lê-lo deparei-me com um capítulo escrito
por um psicólogo e cientista político também envolvido com as causas sociais.
Nesse capítulo onde
teoriza e contextualiza o lidar com o sofrimento humano ele destaca a função de “curador”, daquele
que por escolha própria ou por dever profissional se ocupa de aliviar o
sofrimento do outro. Ao concluir ele espera ter contribuído para que sejamos
“melhores curadores ... mas sempre, sempre, irremediavelmente ... feridos!”.
O professor, via de
regra, é um curador ferido. Começa cheio de entusiasmo, mas sobrecarregado de
aulas e a responsabilidade de produzir
bons resultados imediatos com uma
clientela desestimulada e como colegas já feridos, ele também se fere. Começa
com força, mas, por falta de apoio e de respostas, enfraquece e “perde o fogo” tornando-se mais
um com a síndrome de Burnout. O
gestor do dinheiro público que se comporta como um “pitbull” mal treinado
prefere não investir no professor enquanto ele tem forças e depois terá que
suportar a sua retirada para tratamento de saúde.
Antonio Sales
profesales@hotmail.com
Nova Andradina 20/10/2012
COSTA, Helton. Confissões do
Front: soldados de Mato Grosso do Sul na II Guerra Mundial. Dourados, MS: Arandu,
2012.
(*)VASCONCELOS,
Eymard Mourão (org.). A espiritualidade
no trabalho em saúde. 2.ed. São Paulo: Hucitec, 2011.
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