Translate

sábado, 8 de junho de 2013

A CULPA É DA VÍTIMA?



Estamos vivendo num período em que a culpa é sempre da vítima. Essa é a tônica do noticiário. Quando alguém é baleado em um assalto é por que fez um movimento brusco ou porque olhou para o bandido com cara de susto, ou ainda porque não tinha dinheiro para entregar. Deduz-se que se tivesse entregado o dinheiro não teria sido morto, se tivesse permanecido imóvel não teriam sido morto. A jovem foi estuprada porque estava sozinha na rua, o garoto teve o seu celular roubado porque estava telefonando na rua, a casa foi arrombada porque não tem cerca elétrica ou cão bravo.
O discurso segue esse diapasão de culpar a vítima.
Até parece que bandido sente compaixão da vítima que fica quietinha ou que ele tem medo de um homem desarmado. Todos eles sabem que os homens de bem estão desarmados.
Parece que é possível prever a reação do bandido, sensibilizá-lo com cara de bonzinho ou acalmá-lo colocando algumas notas na mão dele.
Parece que a vítima tem que ter controle absoluto de si mesma e do bandido.
O bandido pode assustar as pessoas, mas as vítimas não podem se assustar. Bandido pode fazer o que quiser, a vítima deve ficar sempre quieta e depois que morre ainda levar a culpa no caixão por ter tido a má sorte de se encontrar com um bandido.
O bandido pode ter medo da vítima e se assustar com ela, mas esta não pode de medo dele, ter reações bruscas, etc.
Parece que bandido não tem alicate para cortar cerca elétrica e não sabe matar cachorro. Ele tem razão para roubar e nós, cidadãos de bem, somos os culpados.
Parece que a mídia é “amiga da onça”, está a serviço do bandido e precisa provar que ele tem razão. Seus repórteres não têm olhos para ver o que realmente se passa. Eles não veem que ninguém está sendo assassinado  porque fez movimentos bruscos.  Ninguém está sendo vítima por culpa própria, porque provocou o bandido. Estamos morrendo assassinados pelas seguintes razões:
a)      Bandido é bandido. Ele não tem consideração por ninguém. Está disposto fazer tudo que lhe vier à cabeça.
b)      O estado brasileiro é ausente. Ele não investe em segurança. O efetivo policial é pequeno para dar segurança aos cidadãos. Os carros policiais são sucateados. Triplique os número de policiais, abasteça as viaturas, escale homens preparados para circularem pelas  e veremos que os  crimes diminuirão.
c)      O estado brasileiro é irresponsável. Ele desarma o cidadão e não garante a sua segurança. Ele não investe na guarda das fronteiras para diminuir o contrabando de armas.
d)      Nossos legisladores são coniventes com os bandidos. Criam leis  brandas e mal elaboradas de modo a permitir a ação do advogado em defesa do bandido.
e)      O estado brasileiro gasta dinheiro com jetons, mas não tem estrutura para manter o preso em regime fechado por todo tempo da sua condenação. O bandido é condenado a 30 anos de prisão em regime fechado, mas cumpre apenas uma parcela desse tempo.
f)        O estado brasileiro é paternalista para com os bandidos. O cidadão de bem tem que trabalhar para viver, bandido não.
g)      As comissões de direitos humanos entendem que humanos são apenas os bandidos. As famílias das vítimas não são humanos, para eles.
Com essa visão da imprensa e dos gestores do Brasil, vamos continuar sendo vítimas e culpados por muito tempo.
 Enquanto a sociedade civil organizada não se manifestar o Brasil continuará o paraíso dos bandidos.
Antonio Sales    profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 08 de junho de 2013.

domingo, 2 de junho de 2013

A IDENTIDADE EXPROPRIADA DO PROFESSOR



Juçara Dutra Vieira, professora da Rede Pública do Rio Grade do Sul  e militante sindical escreveu um livro sobre o “Retrato do Educador Brasileiro” tendo como título: “Identidade Expropriada”.
Nessa obra a autora se fundamenta em dados estatísticos e tece considerações que merecem ser levada em conta.
Ela enumera alguns fatores que identificam e que conduziram à expropriação (perda de posse) da identidade profissional do professor.
Um desses fatores é o baixo salário da categoria que atraiu para a mesma um elevado número de mulheres que fizeram da profissão apenas um complemento salarial. Essas mulheres, envolvidas  também com os afazeres domésticos, deixaram de lado a participação política não partidária, a participação nas atividades do sindicato, nos conselhos municipais etc. Esse absenteísmo tornou-se regra na categoria e até mesmo os poucos homens que exercem a profissão  (e não cuidam da casa) aderiram ao cômodo gesto de reclamar sem nada fazer além de cumprir o horário regular de aula. A identidade política do professor se perdeu. Ele não se compromete com a comunidade, não se envolve em projetos sociais e não discute possíveis soluções para os problemas educacionais que lhe dizem e respeito (como conduzir uma reunião de pais, como tratar a indisciplina e a agressividade dos alunos, o que deve contemplar o Projeto Político Pedagógico da escola, medidas socioeducativas etc.). Ele não tem identidade social.
A profissão entrou agora em um círculo vicioso: o professor não faz por que ganha pouco (o salário mal cobre as horas trabalhadas) e a sociedade não o defende porque ele não é visto além da sala de aula com suas aulas, muitas vezes, monótonas, repetitivas, incongruentes com os reclamos da atualidade. Os discursos em favor do professor são, normalmente, monofrásicos e sempre os mesmos repetidos historicamente. As mudanças sociais a partir da ação do professor são quase imperceptíveis porque reduzidas à sala de aula.
E o professor está consciente desse ciclo e preparado para o seu rompimento?
A pesquisa de Vieira (2004, p.39-41) indicou que 90% dos professores tinham habilitação e 27,6% já eram pós-graduados, mas a autora pergunta: a “formação ainda basta?”. Em seguida ela afirma que “a formação permanente impõe-se para um e outro” (os antigos e os recém-formados). A formação deve ser não somente contínua, mas também atualizada. A “atualização precisa ser teórica, metodológica e abranger a área específica de atuação do educador”.
Observe que a autora não fala em atuação do professor, mas em atuação do educador. Educador é alguém comprometido com as transformações sociais, vai além do quadro e do giz. A formação do educador, além de contemplar o domínio do conteúdo específico, deve incluir formação política, capacidade para analisar e discutir as condições sociais e fazer intervenção quando necessário.
No contexto atual pouca coisa funciona como antigamente e quase nada se parece com os modelos tradicionais ainda vigentes nos meios universitários. Hoje as crianças já não aprendem mais apenas copiando como antes, mas agindo e falando. A sociedade já não se contenta mais com uma ação pontual do profissional, com o produto de uma ação isolada que não a envolva no processo. Ela “reclama”, num clamor silencioso, porém, angustiante, por algo mais.
A identidade expropriada do professor o levou a uma ação rotineira, incapaz de agir preventivamente, não preparado para uma ação política que mobilize a sociedade.
A quem cabe iniciar o processo de rompimento desse círculo vicioso que descontenta a todos?
Descontente está o professor com a sua situação econômica e com o respaldo (ou não respaldo) que recebe da sociedade. Descontente está a sociedade com a apatia, a mesmice, e os frequentes reclamos sem proposições do professor.
Quem deve começar a mudança?
Antonio Sales     profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 02 de junho de 2013.




Referência
VIEIRA, Juçara Dutra. Identidade Expropriada: retrato do educador brasileiro. 2.ed.Brasília, DF: CNTE, 2004.