Tenho mais de 40 anos de
magistério e constato que durante esse tempo vimos recebendo “capacitação”,
quase todas centradas em modos de fazer, por parte de editoras, autores de
livros, técnicos das secretarias de educação e instituições que se
especializaram nesse tipo de contato com o professor. Na década de 1990 o
Programa de Desenvolvimento Escolar (PDE) investiu muito dinheiro na
capacitação desse profissional, através de oficinas, a maioria também centrada
em modos de fazer, sempre visando atingir indiretamente o aluno, melhorar o seu
rendimento escolar.
Como técnico de secretaria
de educação atuei como ministrante de oficinas por 10 anos através de reuniões
mensais e agora, como professor universitário, tenho desenvolvido projetos de
extensão e coordenado eventos visando assessorar o professor com conhecimentos
teórico e metodológico. Oportunidade para o professor se atualizar não tem
faltado, mas tem lhe faltado duas coisas: tempo e entusiasmo.
Durante todo esse tempo o
professor conseguiu levar muito pouco do que aprendeu para a sala de aula. Seja
porque não saiu convencido de que funciona, seja porque não tem tempo (ou
hábito?) para rever o seu planejamento de aula, seja porque não tem espaço para
inovações no contexto escolar (programa apertado, gestão pouco democrática,
falta de assessoria, falta de compromisso e outros fatores mais). Preparado
para seguir o livro ou repetir lições pré-elaboradas, ele não inova, não ousa.
Até a poucos anos o supervisor era um fiscal e não um assessor, era alguém que
"discutia" pedagogia com quem sequer sabia didática, queria que alguém
que conhecia muito pouco (e não estava interessado em saber mais) sobre o seu
mundo pudesse discutir sobre o universo.
As razões são múltiplas e
difusas, mas o certo é que as oficinas, palestras, enfim, as "capacitações" não chegaram em
sala de aula. Quem está centrado no conteúdo não discute didática ou pedagogia, quem não sabe
administrar o tempo (ou não tem tempo para administrar) não consegue inovar ou
pensar sobre inovação. Quem olha fixamente para um único ponto não enxerga o que se passa nos arredores, quem está
condicionado a pensar em nota não pensa em produzir aprendizagem, quem foi
ensinado a pensar que escola é somente para ensinar ciência, não consegue
imaginar a escola ensinando comportamento, relações humanas, etc. Quem está centrado em ensinar ou aprender
modos de fazer, não pensa sobre como
ensinar a pensar. Quem está condicionado
e ensinar competição não consegue ensinar colaboração. Quem pensa de modo
circular, dificilmente conduz a um pensamento linear. Quem pensa que a escola é
para moldar o sujeito, não pensar em inovar.
O certo é que as capacitações não
chegaram à sala de aula e o professor desacreditou delas. Hoje ele as assiste
como um espectador de teatro que ri ou
chora conforme a cena mas não se
envolve, não se compromete e nem acredita que seja de verdade.
Fiz a experiência: trabalhei um
tempo (cerca de 6 meses) com oficinas. Foram muitas horas de discussões e aulas
sobre modos de fazer. No final a pergunta: o que vocês levaram para a sala de aula? As respostas foram
evasivas: "realmente as oficinas e as discussões foram muito
interessantes", "aprendi muito com elas" e outras respostas
equivalentes. Quando lhes disse que as respostas indicavam que as propostas não
haviam chegado à sala da aula esboçaram um sorriso de assentimento e disseram:
"mas sempre ajuda". Fiquei com a pergunta: ajuda em que?
Faz algum tempo venho pensando
que o foco deve ser outro: deve ser o de tirar o professor da "gaiola" como costuma dizer
Ubiratan D'Ambrósio. Já tentei conduzir uma capacitação nessa perspectiva e
alguns professores declararam terem se libertado de velhos tabus e de uma carga inconveniente que
carregava sobre os ombros.
Também já fiz a experiência. Durante
algum tempo, frustrando algumas expectativas, centrei o meu trabalho na
perspectiva da mudança de comportamento. Incentivei-os a serem livres, apostarem
no aluno e em si mesmos, não buscar culpados e não se prenderem a resultados
imediatos. Desafiei-os a seguirem o exemplo das mulheres que se rebelaram
contra o império masculino e hoje são livres. Parece que deu mais certo porque
os depoimentos no final indicaram mudança de postura em alguns professores.
Penso ser este o caminho.
Funciona? É possível unir oficinas de conteúdo a debates sobre postura
profissional?
Ficam as questões.
Antonio Sales profesales@hotmail.com
Ivinhema, 27 de setembro de 2013.
Professor, ao ler seu texto fico impressionada como aborda o assunto, ou seja, é o que sentimos enquanto professores multiplicadores da SED ao oferecer os cursos de formação aos docentes da rede estadual. Realmente estas indagações temos nos feito ao decorrer dos cinco anos de formação oferecidos, pois tantos recursos tecnológicos foram trabalhados e podemos dizer que a minoria dos profissionais conseguem integrar em sua prática pedagógica. Sendo assim, talvez seja realmente uma saída agregar um trabalho de postura profissional aos recursos ministrados nas oficinas.
ResponderExcluirProfessora Luciana, ou saímos da gaiola ou morreremos presos (rsrsrs)
ExcluirDas experiências vivenciadas "daquele tempo" para hoje, podemos afirmar que o contexto continua o mesmo. Ao serem consultados os professores só querem oficinas, receitas prontas, nada de fundamentação teórica. É a ilusão de que o imediatismo vai resolver as angustias do momento. Gostaria de saber mais sobre "incentivei-os a serem livres"... seria como dar asas, não ter medo de ousar, sair do imediatismo!!??
ResponderExcluirAlcione Valadares
Exatamente isso Alcione. Em cada sessão eu fazia o discurso a partir de experiência de pessoas ou grupos que se libertaram de tabus, de medos e que saíram da mesmice e depois de algum tempo lucraram com isso. Um exemplo que uso é o das mulheres que durante séculos foram submissas e tidas como incapazes, mas que ao ousarem vêm conquistando o seu espaço e avançando.
ExcluirSales, como sempre seu texto é muito claro, prático e desafiador. O próprio termo capacitação precisa ser revisto. Seriam os capazes lidando com os incapazes? Aí parece que pelo cenário descrito os professores continuam incapazes de aplicar o que foi proposto ou impossibilitados de efetivar o que foram capacitados.
ResponderExcluirSei que não basta mudar a denominação, mas principalmente a postura de ambas as partes para atingir a terceira parte que são os alunos.
Quando os ministrantes de oficinas de capacitações começam a ter a coragem de assumir que é preciso trilhar um outro caminho e divide isso com os professores é sinal de maturidade e profissionalismo. É preciso sonhar e discutir o novo a partir do que estamos vivenciando. Entendi que essa é uma das propostas do seu texo.
Genival Mota
Exatamente Genival.
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