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terça-feira, 8 de outubro de 2013

O QUE OFERECER AO PROFESSOR?




Tenho mais de 40 anos de magistério e constato que durante esse tempo vimos recebendo “capacitação”, quase todas centradas em modos de fazer, por parte de editoras, autores de livros, técnicos das secretarias de educação e instituições que se especializaram nesse tipo de contato com o professor. Na década de 1990 o Programa de Desenvolvimento Escolar (PDE) investiu muito dinheiro na capacitação desse profissional, através de oficinas, a maioria também centrada em modos de fazer, sempre visando atingir indiretamente o aluno, melhorar o seu rendimento escolar.
Como técnico de secretaria de educação atuei como ministrante de oficinas por 10 anos através de reuniões mensais e agora, como professor universitário, tenho desenvolvido projetos de extensão e coordenado eventos visando assessorar o professor com conhecimentos teórico e metodológico. Oportunidade para o professor se atualizar não tem faltado, mas tem lhe faltado duas coisas: tempo e entusiasmo.
Durante todo esse tempo o professor conseguiu levar muito pouco do que aprendeu para a sala de aula. Seja porque não saiu convencido de que funciona, seja porque não tem tempo (ou hábito?) para rever o seu planejamento de aula, seja porque não tem espaço para inovações no contexto escolar (programa apertado, gestão pouco democrática, falta de assessoria, falta de compromisso e outros fatores mais). Preparado para seguir o livro ou repetir lições pré-elaboradas, ele não inova, não ousa. Até a poucos anos o supervisor era um fiscal e não um assessor, era alguém que "discutia" pedagogia com quem sequer sabia didática, queria que alguém que conhecia muito pouco (e não estava interessado em saber mais) sobre o seu mundo pudesse discutir sobre o universo.
As razões são múltiplas e difusas, mas o certo é que as oficinas, palestras, enfim,  as "capacitações" não chegaram em sala de aula. Quem está centrado no conteúdo não  discute didática ou pedagogia, quem não sabe administrar o tempo (ou não tem tempo para administrar) não consegue inovar ou pensar sobre inovação. Quem olha fixamente para um único ponto não enxerga  o que se passa nos arredores, quem está condicionado a pensar em nota não pensa em produzir aprendizagem, quem foi ensinado a pensar que escola é somente para ensinar ciência, não consegue imaginar a escola ensinando comportamento, relações humanas, etc. Quem  está centrado em ensinar ou aprender modos  de fazer, não pensa sobre como ensinar a pensar.  Quem está condicionado e ensinar competição não consegue ensinar colaboração. Quem pensa de modo circular, dificilmente conduz a um pensamento linear. Quem pensa que a escola é para moldar o sujeito, não pensar em inovar.
O certo é que as capacitações não chegaram à sala de aula e o professor desacreditou delas. Hoje ele as assiste como um espectador de teatro que ri  ou chora conforme a cena  mas não se envolve, não se compromete e nem acredita que seja de verdade.
Fiz a experiência: trabalhei um tempo (cerca de 6 meses) com oficinas. Foram muitas horas de discussões e aulas sobre modos de fazer. No final a pergunta: o que vocês levaram  para a sala de aula? As respostas foram evasivas: "realmente as oficinas e as discussões foram muito interessantes", "aprendi muito com elas" e outras respostas equivalentes. Quando lhes disse que as respostas indicavam que as propostas não haviam chegado à sala da aula esboçaram um sorriso de assentimento e disseram: "mas sempre ajuda". Fiquei com a pergunta: ajuda em que?
Faz algum tempo venho pensando que o foco deve ser outro: deve ser o de tirar o professor  da "gaiola" como costuma dizer Ubiratan D'Ambrósio. Já tentei conduzir uma capacitação nessa perspectiva e alguns professores declararam terem se libertado de velhos  tabus e de uma carga inconveniente que carregava sobre os ombros.
Também já fiz a experiência. Durante algum tempo, frustrando algumas expectativas, centrei o meu trabalho na perspectiva da mudança de comportamento. Incentivei-os a serem livres, apostarem no aluno e em si mesmos, não buscar culpados e não se prenderem a resultados imediatos. Desafiei-os a seguirem o exemplo das mulheres que se rebelaram contra o império masculino e hoje são livres. Parece que deu mais certo porque os depoimentos no final indicaram mudança de postura em alguns professores.
Penso ser este o caminho. Funciona? É possível unir oficinas de conteúdo a debates sobre postura profissional?
Ficam as questões.
 Antonio Sales                 profesales@hotmail.com
Ivinhema,   27 de setembro de 2013.


6 comentários:

  1. Professor, ao ler seu texto fico impressionada como aborda o assunto, ou seja, é o que sentimos enquanto professores multiplicadores da SED ao oferecer os cursos de formação aos docentes da rede estadual. Realmente estas indagações temos nos feito ao decorrer dos cinco anos de formação oferecidos, pois tantos recursos tecnológicos foram trabalhados e podemos dizer que a minoria dos profissionais conseguem integrar em sua prática pedagógica. Sendo assim, talvez seja realmente uma saída agregar um trabalho de postura profissional aos recursos ministrados nas oficinas.

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    1. Professora Luciana, ou saímos da gaiola ou morreremos presos (rsrsrs)

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  2. Das experiências vivenciadas "daquele tempo" para hoje, podemos afirmar que o contexto continua o mesmo. Ao serem consultados os professores só querem oficinas, receitas prontas, nada de fundamentação teórica. É a ilusão de que o imediatismo vai resolver as angustias do momento. Gostaria de saber mais sobre "incentivei-os a serem livres"... seria como dar asas, não ter medo de ousar, sair do imediatismo!!??
    Alcione Valadares

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    1. Exatamente isso Alcione. Em cada sessão eu fazia o discurso a partir de experiência de pessoas ou grupos que se libertaram de tabus, de medos e que saíram da mesmice e depois de algum tempo lucraram com isso. Um exemplo que uso é o das mulheres que durante séculos foram submissas e tidas como incapazes, mas que ao ousarem vêm conquistando o seu espaço e avançando.

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  3. Sales, como sempre seu texto é muito claro, prático e desafiador. O próprio termo capacitação precisa ser revisto. Seriam os capazes lidando com os incapazes? Aí parece que pelo cenário descrito os professores continuam incapazes de aplicar o que foi proposto ou impossibilitados de efetivar o que foram capacitados.
    Sei que não basta mudar a denominação, mas principalmente a postura de ambas as partes para atingir a terceira parte que são os alunos.
    Quando os ministrantes de oficinas de capacitações começam a ter a coragem de assumir que é preciso trilhar um outro caminho e divide isso com os professores é sinal de maturidade e profissionalismo. É preciso sonhar e discutir o novo a partir do que estamos vivenciando. Entendi que essa é uma das propostas do seu texo.

    Genival Mota

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