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domingo, 20 de outubro de 2013

REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO ELEITORAL BRASILEIRO E O PAPEL DO PROFESSOR.


Não tomarei por base a legislação vigente, mas as minhas observações dos fatos.  Por não ser um cientista social ou político falo como um observador leigo.
Tenho a impressão de que nos últimos pleitos retrocedemos no processo eleitoral. Penso que alguns comportamentos, no meu entender, retrógrados vêm se fazendo presentes sem que o povo se dê conta ou leve a sério.
Um comportamento por mim observado, já em vias de repetição, consiste em alguns eleitos ficarem “sujando” o antecessor como forma de justificar as ações rústicas e truculentas que tomarão. Para “sujar” o antecessor citam cifras vultosas e deploram ações que eles próprios praticaram ou praticam, quando no poder, sem pedir desculpas à população.
Ressaltam os defeitos do antecessor como forma de justificar a incompetência para fazer melhor ou falta de coragem para tomar posição contra  a corrupção. Discursar apontando culpados é mais fácil do que agir punindo esses culpados ou ferindo a própria carne.
Outro comportamento observado consiste em priorizar ações que geram mais publicidade do que merecem. Como  exemplo cito a construção de uma praça que ficará no abandono ou aos cuidados de malfeitores por falta de uma assistência do poder público através de um vigia.
O que se vê, normalmente, é o vigia ser contratado somente depois que a praça foi dominada pelos que a depredaram e posaram-se como donos do lugar. É evidente que, nesse caso, os malfeitores oferecerão tal resistência que não será mais vencida por um único homem. Mas, infelizmente, primeiro esperam deteriorar, esperam a população se desestimular do uso, se  ausentar, e depois fingem cuidar.
É uma forma irresponsável de agir, de gastar dinheiro no que não traz benefícios e só aumenta a falta de educação do povo.
Após esse processo todo de ausência culpam a população de falta de cuidado. Provavelmente isso acontece porque culpar a população pela depredação ou falta de interesse fica mais barato e justifica omissões.
Fica a pergunta: para que construir praças que não serão cuidadas e, consequentemente, não utilizadas pela população? Será que esperam que a escola também vá até a praça inibir malfeitores e estimular a prática da educação?
Um terceiro comportamento que no meu entender é retrógrado, corrupto mesmo, consiste no fato de apoiar mais as grandes empresas do que os pequenos empreendedores.  Exemplificando: uma empresa de ônibus que não atende bem a população com os seus horários é mantida por anos a fio em detrimento de pequenos empresários que poderiam oferecer melhor assistência.
Talvez isso aconteça porque com as grandes empresas seja mais fácil negociar patrocínios. Suponho que seja muito importante saldar dívidas eleitorais, logo, quem não pode contribuir com dinheiro deve contribuir com sacrifício. Votou, pague o preço.
Um quarto comportamento observado por mim com muito desprazer é o desequilíbrio entre os investimentos em obras físicas e os investimentos em proteção direta ao cidadão. Talvez porque nos primeiros as placas sejam mais visíveis e, consequentemente, produzem mais votos. Infelizmente o povo parece não ter aprendido dimensionar a sua própria necessidade. Talvez falte ao povo o hábito de refletir e discutir se seria preferível ter segurança numa rua sem asfalto ou ter asfalto numa rua sem segurança.
Nas campanhas também são visíveis os comportamentos imbecilizantes do povo. Um amigo informou-me que numa cidade do interior paulista um candidato tinha como slogan uma frase que dizia que para mudar o contexto era preciso mudar o jeito de votar. Sugeria, dessa forma, que votar nele seria votar diferente, votar na mudança. No entanto, não apresentou proposta, não disse por que se candidatava ou qual a sua bandeira de luta. Muita gente não percebeu que não havendo propostas não há mudança.
É estarrecedor pensar que haja quem, em pleno século XXI, esteja mais interessado em ludibriar, com um sorriso hipócrita e uma frase sem sentido, um povo sofrido e carente até de afeto.
São comportamentos assim que me reportam a tempos passados, remotos, quando o pobre era objeto de exploração exatamente pela sua pobreza. Nessa lógica o fraco deve ser espezinhado, enganado, usado como adubo para discursos, ora vazios e ora truculentos, e como degrau para se chegar aos cofres públicos.
A essas alturas o leitor pode estar perguntando: onde o professor entra nessa discussão?
É certo que ele não pode e não deve defender esta ou aquela proposta de algum candidato ou partido em sala de aula, mas pode discutir o que é uma proposta, quando uma proposta é útil e viável, o que a população deve esperar dos candidatos e assim por diante. Qual deve ser a prioridade: asfalto ou segurança? Os asfaltos têm escoamento das águas pluviais? A educação do povo se faz somente na escola ou também através da presença do poder público nas praças, nas filas e nas ruas?
A pretensa neutralidade do professor mais beneficia os corruptos do que ajuda na escolha dos melhores.
Antonio Sales
Maio de 2013

terça-feira, 8 de outubro de 2013

O QUE OFERECER AO PROFESSOR?




Tenho mais de 40 anos de magistério e constato que durante esse tempo vimos recebendo “capacitação”, quase todas centradas em modos de fazer, por parte de editoras, autores de livros, técnicos das secretarias de educação e instituições que se especializaram nesse tipo de contato com o professor. Na década de 1990 o Programa de Desenvolvimento Escolar (PDE) investiu muito dinheiro na capacitação desse profissional, através de oficinas, a maioria também centrada em modos de fazer, sempre visando atingir indiretamente o aluno, melhorar o seu rendimento escolar.
Como técnico de secretaria de educação atuei como ministrante de oficinas por 10 anos através de reuniões mensais e agora, como professor universitário, tenho desenvolvido projetos de extensão e coordenado eventos visando assessorar o professor com conhecimentos teórico e metodológico. Oportunidade para o professor se atualizar não tem faltado, mas tem lhe faltado duas coisas: tempo e entusiasmo.
Durante todo esse tempo o professor conseguiu levar muito pouco do que aprendeu para a sala de aula. Seja porque não saiu convencido de que funciona, seja porque não tem tempo (ou hábito?) para rever o seu planejamento de aula, seja porque não tem espaço para inovações no contexto escolar (programa apertado, gestão pouco democrática, falta de assessoria, falta de compromisso e outros fatores mais). Preparado para seguir o livro ou repetir lições pré-elaboradas, ele não inova, não ousa. Até a poucos anos o supervisor era um fiscal e não um assessor, era alguém que "discutia" pedagogia com quem sequer sabia didática, queria que alguém que conhecia muito pouco (e não estava interessado em saber mais) sobre o seu mundo pudesse discutir sobre o universo.
As razões são múltiplas e difusas, mas o certo é que as oficinas, palestras, enfim,  as "capacitações" não chegaram em sala de aula. Quem está centrado no conteúdo não  discute didática ou pedagogia, quem não sabe administrar o tempo (ou não tem tempo para administrar) não consegue inovar ou pensar sobre inovação. Quem olha fixamente para um único ponto não enxerga  o que se passa nos arredores, quem está condicionado a pensar em nota não pensa em produzir aprendizagem, quem foi ensinado a pensar que escola é somente para ensinar ciência, não consegue imaginar a escola ensinando comportamento, relações humanas, etc. Quem  está centrado em ensinar ou aprender modos  de fazer, não pensa sobre como ensinar a pensar.  Quem está condicionado e ensinar competição não consegue ensinar colaboração. Quem pensa de modo circular, dificilmente conduz a um pensamento linear. Quem pensa que a escola é para moldar o sujeito, não pensar em inovar.
O certo é que as capacitações não chegaram à sala de aula e o professor desacreditou delas. Hoje ele as assiste como um espectador de teatro que ri  ou chora conforme a cena  mas não se envolve, não se compromete e nem acredita que seja de verdade.
Fiz a experiência: trabalhei um tempo (cerca de 6 meses) com oficinas. Foram muitas horas de discussões e aulas sobre modos de fazer. No final a pergunta: o que vocês levaram  para a sala de aula? As respostas foram evasivas: "realmente as oficinas e as discussões foram muito interessantes", "aprendi muito com elas" e outras respostas equivalentes. Quando lhes disse que as respostas indicavam que as propostas não haviam chegado à sala da aula esboçaram um sorriso de assentimento e disseram: "mas sempre ajuda". Fiquei com a pergunta: ajuda em que?
Faz algum tempo venho pensando que o foco deve ser outro: deve ser o de tirar o professor  da "gaiola" como costuma dizer Ubiratan D'Ambrósio. Já tentei conduzir uma capacitação nessa perspectiva e alguns professores declararam terem se libertado de velhos  tabus e de uma carga inconveniente que carregava sobre os ombros.
Também já fiz a experiência. Durante algum tempo, frustrando algumas expectativas, centrei o meu trabalho na perspectiva da mudança de comportamento. Incentivei-os a serem livres, apostarem no aluno e em si mesmos, não buscar culpados e não se prenderem a resultados imediatos. Desafiei-os a seguirem o exemplo das mulheres que se rebelaram contra o império masculino e hoje são livres. Parece que deu mais certo porque os depoimentos no final indicaram mudança de postura em alguns professores.
Penso ser este o caminho. Funciona? É possível unir oficinas de conteúdo a debates sobre postura profissional?
Ficam as questões.
 Antonio Sales                 profesales@hotmail.com
Ivinhema,   27 de setembro de 2013.


quinta-feira, 3 de outubro de 2013

CONSIDERAÇÕES SOBRE O MOVIMENTO DE VALORIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO


Como professor, venho acompanhando com um misto de otimismo e descrença todo esse movimento em favor de investimentos na educação. Fala-se em 10% do PIB e em recursos de PRÉ-SAL. Parlamentares comprometidos com a educação fazem discursos inflamados e coerentes defendendo com veemência tais investimentos. Nisso tudo vejo muita coisa positiva.  Vejo que mais jovens poderão se interessar pelo estudo, que a carreira de professor pode se tornar mais atraente financeiramente, portanto, mais competitiva e trazer para as salas de aula pessoas com mais competência técnica. Vejo que o ambiente físico poderá ser mais confortável e melhor equipado, portanto, mais imponente e oferecendo menos razão para desculpas.  
Com mais verbas as bolsas de estudo para acadêmicos poderão ser mais significativas possibilitando mais tempo de estudo e resultando em mais conhecimento técnico e científico.
Possivelmente chegará um dia em que se dirá orgulhosamente: “sou da educação”.
Tenho minhas ressalvas, meus temores. Mais dinheiro e mais competência técnica não garantem que os profissionais sejam mais éticos e mais comprometidos. Portanto, além de mais verbas precisamos também rever o currículo e os critérios para o ingresso na carreira.
Temo que professores melhores remunerados, mas sem formação humanística, continuarão a desrespeitar os alunos considerando que o cumprimento da ementa é mais importante do que a aprendizagem, que a palavra do professor vale sempre mais do que a dos alunos, que o cultivo da técnica vale mais do que o cultivo dos valores sociais (respeito, cooperação, diálogo). Observo que nada se falou até agora da regulação da profissão com definição de atribuições e limitações, isto é, de um conselho de ética. Até que ponto deve ir um  professor para dizer que cumpriu a sua parte?
Não vejo nenhuma discussão sobre isso.
Há uma frase muito citada de Paulo Freire onde ele afirma que a educação sozinha não muda a sociedade. É por concordar com Freire que tenho as minhas descrenças com relação a esse movimento todo. Ele está centrado na educação e se esquecendo da segurança, da saúde e da justiça.
Sem segurança não haverá tranquilidade para trabalhar, sem saúde não haverá  valorização do ser humano que continuará a ser vilipendiado nos corredores dos hospitais e postos de atendimento e o aluno chegará à escola amargando a sua dor, a sua frustração, a sua derrota. Chegará amargando a sua condição de não-humano.
Sem investimento no aparato judiciário o sistema prisional continuará precário com o apenado cumprindo uma parte mínima da sua pena. Dessa forma, a impunidade continuará vigorando, os desvios de verbas continuarão a solapar as estruturas e as obras superfaturadas continuarão a minar os recursos públicos.
Como professor, defendo que levantemos bem alto a bandeira da educação formal, mas que não nos esqueçamos da assistência  social não paternalista às famílias. Falo de uma assistência socioeducativa. Que incluamos nessa bandeira uma reforma na legislação referente ao adolescente, o aparelhamento do sistema de segurança e o aumento do seu efetivo. Que saiamos do pequeno mundo da sala de aula para ver o complexo sistema que nos enreda e exigir uma ação mais rápida do judiciário, maior transparência do executivo e uma reforma no legislativo.
Este último com orçamento folgado aumenta o seu salário quando bem entende e paga para trabalhar os que já são assalariados para isso. Em tais condições não sobrará dinheiro para investimentos sociais e sobrará pouco espaço para renovação porque cada um terá recursos para alimentar o seu clientelismo.
Que venha mais verba para a educação, mais verba para a segurança e mais investimento sociais. Precisamos disso. Mas, precisamos de mais do que isso. Precisamos de justiça social. Precisamos de patriotismo.

Nova Andradina, 03 de outubro de 2013

Antonio Sales     profesales@hotmail.com










O VAI E VEM DA EDUCAÇÃO



O VAI E VEM DA EDUCAÇÃO
Quando nosso filho fica doente tentamos contornar a situação em casa, mas quando percebemos que o problema escapa da nossa competência procuramos um profissional da saúde, alguém que recebeu preparo especial para isso, para assumir a responsabilidade pelo tratamento. Pode não conseguir curar porque alguns casos escapam até mesmo do controle da ciência e da tecnologia, mas é o melhor que podemos oferecer no momento.  Quando o especialista devolve o moribundo para família está admitindo que os seus recursos são insuficientes e nada mais poderá fazer, exceto ministrar algumas drogas que atenuem  a dor. Devolver o problema é assumir-se incompetente, sem recursos.
Fazendo um paralelo  com a educação fico pensando que aqui parece que não há alguém para assumir a responsabilidade. Alguém que diga: “daqui para a frente é comigo. Se eu o devolver estarei admitindo o meu fracasso”.
Isso de ter alguém que assuma não acontece, infelizmente. Muitos pais mandam os filhos para a escola porque não sabem educá-los, porque não estão conseguindo fazer mais nada. O que acontece, normalmente, é a devolução do problema para os pais com a seguinte mensagem: “tome que é seu”.  Muitos pais até assumem que já não dão mais conta e por isso esperam que a escola faça algo, mas e o professor e a gestão escolar como reagem?
Na educação não fica claro até onde vai a responsabilidade de cada um. Onde um para e deixa o outro agir. Talvez seja esse o nosso maior problema: definir onde começa e onde termina a responsabilidade de cada um.
O pai leva o filho à escola, mas não o “entrega” professor (mesmo os que desistem do filho, como é o caso dos que choram e dizem abertamente que já sabem mais o que fazer na realidade não dão apoio à escola para que eduque o seu filho). O professor recebe o filho, mas não o assume (seu pensamento é: “lembre que o filho é seu”).
Sei que me dirão que não se pode comparar profissões. Saúde e educação são coisas diferentes, poderão dizer. Concordo e não estou fazendo comparações. Usei a saúde apenas para ilustrar o pensamento. Tenho consciência de que na medicina é mais fácil definir papéis e estabelecer limites de responsabilidade. Por essa razão uso o exemplo apenas como ilustração do que quero dizer. Quero apenas que o leitor saiba o que estou dizendo quando afirmo que na educação o pai não entrega e a escola não assume.
Preocupa-me essa ausência de definição. Sem ela continuaremos afogados em problemas, em busca de culpados e deixando o jovem sem a devida assistência. A situação é tão escabrosa que o jovem que é internado para receber tratamento especializado, e se recusa aceitar as normas, não pode ser punido sob pena de demissão dos funcionários das Unidades Educacionais de Internação (UNEIS). Nem eles e nem nós sabemos o que fazer. Nem a justiça conseguiu definir o que fazer para orientar adequadamente esses funcionários. Ela, finalmente, devolve para a  sociedade o problema que esta criou e ela não deu conta de resolver. É o vai e vem. Vai socialmente enfermo e volta pior em quase todos os casos. Na escola não é incomum isso acontecer também. É esse o quadro desolador, é isso que angustia e que tira o sossego.
Buscam-se culpados, mas ninguém assume uma solução. Quem assumiria a responsabilidade?
Por que a criança e o adolescente vão à escola? Para que os professores estão lá?
Ficam as questões.
Antonio Sales                                            profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 09 de setembro de 2013