Translate

quinta-feira, 25 de julho de 2013

A POPULAÇÃO É RESPONSÁVEL?



O Fantástico de 21/07/2013 mostrou uma cena impressionante. Foi montada por um grupo de atores, a pedido de um repórter (ou da produção do programa). Na cena um mendigo (ator) estava sendo atacado por três jovens (também atores). “Queriam” expulsá-lo dali por estar enfeando a praça.
O objetivo era observar a reação das pessoas diante da violência urbana.
Algumas pessoas passavam de largo, fingiam não ver a cena, enquanto outras procuraram intervir. No final um dos apresentadores do programa (com a anuência do outro e dos produtores, evidentemente) elogiou o fato de ainda existir pessoas que se envolvem com o problema dos outros, pessoas que ainda se importam. O programa elogiou a atitude dos que se envolveram.
Há uma semelhança do que foi encenado com a parábola do “bom samaritano” contada por Jesus (que os que professam o cristianismo devem conhecer)*. No entanto, apesar de ser cristão não partilho do pensamento dos produtores e apresentadores do Fantástico. Vejo muita diferença entre o nosso tempo e o primeiro século da era cristã.
Em nosso tempo o avançado estágio da sociedade levou-a a criar instituições para evitar conflitos pessoais. Uma dessas instituições chama-se: Polícia.
Evitar conflitos pessoais é o papel da polícia e representa um avançado processo civilizatório. Chega de resolver os conflitos entre as pessoas à base de revólveres, facas, facões, vinganças, socos e pontapés.
Hoje, não mais precisamos (não deveríamos precisar) nos expor. Nenhum transeunte que presenciou a cena deveria ter se intrometido nela. Todos que viram a cena tinham o dever de avisar a polícia e esta deveria comparecer ao local imediatamente para inibir a ação dos “malfeitores”.
Ao terminar a encenação os apresentadores não deveriam ter elogiado os que procuraram intervir (pelo risco a que se expuseram), mas alertá-los de que nesses casos devem telefonar para o número tal. Deveriam ter lembrado as pessoas que a proteção do cidadão é dever do Estado.
O programa transferiu para as pessoas o que é responsabilidade do Estado.
 Deveria ter condenado os que fingiram não ver e também não acionaram a polícia. A omissão não é mais aceitável; a autoproteção, sim.
Fingir não ver e silenciar é mais condenável do que se envolver. Envolver-se é perigoso e a recomendação é que seja feito apenas em casos extremos, quando um minuto a mais pode ser sinônimo de morte.
Os apresentadores deveriam ter conjecturado quanto tempo a viatura policial gastaria para chegar ao local e destacado o dever do Estado em estar presente nas praças, na forma de guarda municipal ou destacamento policial, para dar segurança aos que por ali passam, vivem ou passeiam.
O que tem tudo isso a ver com o professor?
O professor é um formador de opinião e não deve assistir aos programas de forma passiva e permitir que opiniões obtusas se infiltrem na sociedade sem que ele se manifeste.
Antonio Sales     profesales@hotmail.com
Curitiba,  22 de junho de 2013.
*Devo esclarecer que a alusão à parábola contada por Jesus não foi dos apresentadores do programa. É uma inserção minha.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

MOVIMENTO DE VALORIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO



CONSIDERAÇÕES SOBRE O MOVIMENTO DE VALORIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
Como professor, venho acompanhando com um misto de otimismo e descrença todo esse movimento em favor de investimentos na educação. Fala-se em 10% do PIB e em recursos de PRÉ-SAL. Parlamentares comprometidos com a educação fazem discursos inflamados e coerentes defendendo com veemência tais investimentos. Nisso tudo vejo muita coisa positiva.  Vejo que mais jovens poderão se interessar pelo estudo, que a carreira de professor pode se tornar mais atraente financeiramente, portanto, mais competitiva e trazer para as salas de aula pessoas com mais competência técnica. Vejo que o ambiente físico poderá ser mais confortável e melhor equipado, portanto, mais imponente e oferecendo menos razão para desculpas.  
Com mais verbas as bolsas de estudo para acadêmicos poderão ser mais significativas possibilitando mais tempo de estudo e resultando em mais conhecimento técnico e científico.
Possivelmente chegará um dia em que se dirá orgulhosamente: “sou da educação”.
Tenho minhas ressalvas, meus temores. Mais dinheiro e mais competência técnica não garantem que os profissionais sejam mais éticos e mais comprometidos. Portanto, além de mais verbas precisamos também rever o currículo e os critérios para o ingresso na carreira.
Temo que professores melhores remunerados, mas sem formação humanística, continuarão a desrespeitar os alunos considerando que o cumprimento da ementa é mais importante do que a aprendizagem, que a palavra do professor vale sempre mais do que a dos alunos, que o cultivo da técnica vale mais do que o cultivo dos valores sociais (respeito, cooperação, diálogo). Observo que nada se falou até agora da regulação da profissão com definição de atribuições e limitações, isto é, de um conselho de ética. Até que ponto deve ir um  professor para dizer que cumpriu a sua parte?
Não vejo nenhuma discussão sobre isso.
Há uma frase muito citada de Paulo Freire onde ele afirma que a educação sozinha não muda a sociedade. É por concordar com Freire que tenho as minhas descrenças com relação a esse movimento todo. Ele está centrado na educação e se esquecendo da segurança, da saúde e da justiça.
Sem segurança não haverá tranquilidade para trabalhar, sem saúde não haverá  valorização do ser humano que continuará a ser vilipendiado nos corredores dos hospitais e postos de atendimento e o aluno chegará à escola amargando a sua dor, a sua frustração, a sua derrota. Chegará amargando a sua condição de não-humano.
Sem investimento no aparato judiciário o sistema prisional continuará precário com o apenado cumprindo uma parte mínima da sua pena. Dessa forma, a impunidade continuará vigorando, os desvios de verbas continuarão a solapar as estruturas e as obras superfaturadas continuarão a minar os recursos públicos.
Como professor, defendo que levantemos bem alto a bandeira da educação formal, mas que não nos esqueçamos da assistência  social não paternalista às famílias. Falo de uma assistência socioeducativa. Que incluamos nessa bandeira uma reforma na legislação referente ao adolescente, o aparelhamento do sistema de segurança e o aumento do seu efetivo. Que saiamos do pequeno mundo da sala de aula para ver o complexo sistema que nos enreda e exigir uma ação mais rápida do judiciário, maior transparência do executivo e uma reforma no legislativo.
Este último com orçamento folgado aumenta o seu salário quando bem entende e paga para trabalhar os que já são assalariados para isso. Em tais condições não sobrará dinheiro para investimentos sociais e sobrará pouco espaço para renovação porque cada um terá recursos para alimentar o seu clientelismo.
Que venha mais verba para a educação, mais verba para a segurança e mais investimento sociais. Precisamos disso. Mas, precisamos de mais do que isso. Precisamos de justiça social.
Antonio Sales        profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 04 de junho de 2013.