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domingo, 13 de abril de 2014

NECESSITAM-SE DE EXEMPLOS

Parece que vivemos numa época em que o ditado  popular de que ninguém é uma ilha não só se confirma como também se amplia devido à aproximação das pessoas através dos meios de comunicação e transporte. Vivemos mais próximo do que nunca.

Se ninguém é uma ilha então todos somos responsáveis por todos.
Ao recorrer a esse adágio estou pensando na experiência relatada por Howard Hendricks. Diz o autor que num certo dia estava na rua observando um garoto. Aproximou-se dele  e lhe perguntou com quem gostaria de se parecer quando crescesse. A resposta foi: ainda não encontrei ninguém. Será, pergunta Hendricks, que ninguém havia causado uma impressão positiva naquele garoto e despertado nele o desejo de imitá-lo?
A frase do garoto parece ambígua, mas há uma lição a ser aprendida:  nossas crianças e jovens estão carentes de exemplos de vida. É preocupante pensar que determinada geração seja uma geração sem modelos de ética e de compromisso pessoal com o bem maior, que é a sociedade.
Os pais e mães, ou por estarem extremamente ocupados ou por estarem  despreocupados, já não fornecem mais um padrão de conduta  para seus filhos;  muitos cuidam mas não educam e outros mal cuidam. Muitas  famílias não desencadeiam o processo educativo  por não saberem como fazer e outras por não se ocuparem desse detalhe tão importante na formação da juventude. Esses que hoje são pais e mães e não educam seus filhos são exatamente aqueles que a escola não os educou para a cidadania (muitos porque não foram à escola).
Ao admitir esse fato não pretendo diminuir a responsabilidade da família, que, aliás,  no meu entender, deve ser  chamada urgentemente à responsabilidade. Deve ser orientada quanto às consequências do seu proceder  em relação ao futuro dos seus filhos e dela própria, se continuar agindo como está. A escola de hoje deve desincumbir-se  da  tarefa  que a escola de ontem deixou  sem fazer. Não somente precisa responsabilizar as famílias como também orientá-las.
No entanto, o objetivo aqui é chamar a atenção para o fato de faltar às  nossas crianças um modelo de vida, um exemplo a ser imitado; alguém que conviva com elas e  de quem possam sentir  orgulho.
Eles estão precisando de modelos de integridade, de prudência, de cidadania, de estudo e de trabalho. Necessitam de alguém que lhes seja exemplo de coerência entre o viver e o falar.  De alguém que revele estar consciente das consequências do seu exemplo na formação da futura geração e da contribuição dos seus atos para a sociedade. Mais do que isso, precisam de exemplos de ousadia para mudar.
Precisam ver alguém se expressando corretamente, falando palavras sóbrias, agindo com prudência e responsabilidade. Alguém pensando em como melhor educar a juventude.
É a era da oportunidade. Oportunidade de o professor exercer uma influência positiva na vida dos seus alunos. E nesse aspecto, lamentavelmente, temos que admitir que não são muitos os professores que tem levado a sério  essa parcela do seu trabalho em favor da educação. Um trabalho além daquele realizado em sala de aula, que não ocupa tempo, mas exige dedicação exclusiva. Uma ação que não está centrada no fazer, mas no ser. Não exige planejamento, mas exige compromisso e dedicação.
Não se trata de estar continuamente chamando a atenção do aluno, com palavras duras e ameaças, como muitos supõem. Penso não ser prudente estar o tempo todo se indispondo com o aluno. O que proponho é que o professor procure estar constantemente agindo de acordo com os princípios da ética, procurando exemplificar qual deve ser o procedimento de um cidadão. Espera-se que o professor desenvolva o hábito de agir em coerência com a função exercida; que assuma uma postura de educador.
Há pouco, em visita a  uma escola ouvi uma professora que reclamava da ausência de postura dos colegas de profissão. Segundo ela, e muitos hão de concordar, a sala de professores, na hora do recreio, não se parece em nada com uma sala composta por adultos com uma formação em curso superior. Falam exageradamente alto, usam um palavreado impróprio, chegando ao nível do chulo, jogam papel no chão, sujam a mesa e não limpam, não tratam com respeito os colegas que discordam de sua opinião, mostram-se irresponsáveis em seu modo de agir e, concluía a interlocutora, ainda são capazes de se mostrarem irritados com os alunos, quando esses falam palavrões ou ficam irrequietos  quando estão na fila ou aguardando alguma ordem. A colega não é de opinião que o professor não deva se irritar quando o aluno fala um palavrão ou ser tolerante  quando se comportam  com falta de educação, apenas entendia que o professor deve  agir, ele mesmo, como gostaria  de ver o aluno agindo.
Numa outra escola, a diretora reclamava ter ouvido um professor pronunciar uma palavra chula no pátio da escola e disse: “o aluno precisa ouvir na escola algo melhor do que ele ouve na rua e, às vezes, até em sua  própria casa”.
Está faltando ao profissional  da educação o assumir-se educador. Não  há aqui  nenhuma alusão à ideia de que o professor deve substituir a família no papel de educar. Apenas está sendo entendido que o professor deve agir coerentemente, falar conforme se espera de alguém que tenha o seu grau de formação.
 Não faz muito, a Revista Exame publicava  um artigo de David Cohen, onde o articulista  focalizava o fato de grandes empresários estarem dando atenção especial ao comportamento ético em sua  empresa tendo em vista que algumas delas, na medida em que  descuidaram desse aspecto, foram à falência. Pressupõe-se que o professor não esteja disposto a ver a sua categoria falida, ou o seu local de trabalho constantemente piorando. 
Todo professor anseia melhorar o seu ambiente de trabalho, mas perece que não sabe como fazer. Não foi educado para isso, pois, ele também é fruto de uma escola que não o ensinou a ser. Mas, chegou a hora.
Hora de dar um basta nessa descida  escabrosa rumo ao caos. Hora de o professor assumir as rédeas da educação da nova geração e,  a partir do exemplo de um viver ético, chamar os membros da sua comunidade escolar para que cada um assuma  o papel que lhe cabe. É preciso um trabalho conjunto, sério e incansável.
A educação não é fruto apenas de um discurso vazio do tipo: “você deve fazer o que eu mando”. Também não é mais admissível que o profissional da educação se apoie na tese de que está na escola apenas para transmitir conhecimentos. A educação ocorre num ambiente de coerência e de exemplos. Para formar essa geração, resultante de tantos desmandos e convivendo num caos moral, é preciso unir amizade e firmeza, discurso e exemplo, cognição e moral.
Antonio Sales
Publicado na Revista EXPRESSÃO

Revista da ACP - Sindicato Campo-Grandense dos Profissionais na Educação Pública - Ano VI - Edição nº 04 - Julho/2003, p. 6, 7.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

PALAVRAS DE UM SÁBIO E COMPROMETIDO



Giuseppe Peano [1858-1932] foi um matemático italiano que deixou uma importante marca na organização do conhecimento matemático. Ele estruturou o conjunto dos números naturais a partir de cinco axiomas, sendo o quinto deles o fundamento da indução finita.
Segundo a Wikipédia ele foi “Autor de mais de 200 livros e artigos, ele foi um dos fundadores da lógica matemática e da teoria dos conjuntos, para as quais ele também contribuiu bastante da notação”.
Fez carreira como professor de Matemática na Universidade de Turim, foi agraciado com nada menos do que catorze honrarias e trabalhou até o dia da sua morte resultante de um ataque cardíaco.
Bruno D´Amore credita a esse extraordinário pensador o seguinte:
“ A diferença entre nós e os alunos que se encontram sob nossa responsabilidade está apenas no fato de que nós já percorremos um trecho mais comprido na parábola da vida. Se os alunos não entendem,  a culpa é do professor que não sabe explicar. Também não vale culpar as escolas dos anos anteriores. Precisamos aceitar os alunos como são e fazer com que lembrem o que esqueceram, ou estudaram sob outra nomenclatura. Se  o professor atormenta  os seus alunos, e em lugar de conquistar o seu amor, estimula ódio contra si mesmo e a ciência que ensina; não apenas o seu ensinamento será negativo, mas ter que conviver com tantos  pequenos inimigos será para ele um tormento contínuo”.
Esse pensador não aceitava desculpas de que o aluno não aprendia porque chegava sem saber. Ele não buscava culpados ou desculpas. Assumia a sua responsabilidade no processo.
Embora tenhamos que admitir que os tempos eram outros e que, talvez,  os poucos alunos que chegavam à escola eram mais interessados, parece que não era esse o fator que ele discutia ou que o preocupava. Parece também que ele já convivia com colegas de trabalho que se desculpavam do pouco resultado obtido alegando que o aluno chegava sem saber. É possível deduzir que tivesse ouvido a frase tantas vezes repetida em nossos dias: “eles não querem nada”.
No entanto, ele ia  direto ao assunto: não é porque ele chegou assim que você tem o direito de deixá-lo como está. Você existe para fazer a diferença nesse processo. Você precisa mostrar que se o outro professor não conseguiu ensiná-lo, você pode fazer melhor.

Nova Andradina, 26 de março de 2014.
Antonio Sales

Referência
D´AMORE, Bruno. Elementos de Didática da Matemática. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2007, p. 57.