Parece que vivemos numa época em que o ditado popular de que ninguém é uma ilha não só se confirma como também se amplia devido à aproximação das pessoas através dos meios de comunicação e transporte. Vivemos mais próximo do que nunca.
Se ninguém é uma ilha então todos somos responsáveis por
todos.
Ao
recorrer a esse adágio estou pensando na experiência relatada por Howard
Hendricks. Diz o autor que num certo dia estava na rua observando um garoto.
Aproximou-se dele e lhe perguntou com
quem gostaria de se parecer quando crescesse. A resposta foi: ainda não
encontrei ninguém. Será, pergunta Hendricks, que ninguém havia causado uma
impressão positiva naquele garoto e despertado nele o desejo de imitá-lo?
A
frase do garoto parece ambígua, mas há uma lição a ser aprendida: nossas crianças e jovens estão carentes de
exemplos de vida. É preocupante pensar que determinada geração seja uma geração
sem modelos de ética e de compromisso pessoal com o bem maior, que é a
sociedade.
Os
pais e mães, ou por estarem extremamente ocupados ou por estarem despreocupados, já não fornecem mais um
padrão de conduta para seus filhos; muitos cuidam mas não educam e outros mal
cuidam. Muitas famílias não desencadeiam
o processo educativo por não saberem
como fazer e outras por não se ocuparem desse detalhe tão importante na
formação da juventude. Esses que hoje são pais e mães e não educam seus filhos
são exatamente aqueles que a escola não os educou para a cidadania (muitos
porque não foram à escola).
Ao admitir esse fato não pretendo diminuir a responsabilidade
da família, que, aliás, no meu entender,
deve ser chamada urgentemente à
responsabilidade. Deve ser orientada quanto às consequências do seu
proceder em relação ao futuro dos seus
filhos e dela própria, se continuar agindo como está. A escola de hoje deve
desincumbir-se da tarefa
que a escola de ontem deixou sem
fazer. Não somente precisa responsabilizar as famílias como também orientá-las.
No
entanto, o objetivo aqui é chamar a atenção para o fato de faltar às nossas crianças um modelo de vida, um exemplo
a ser imitado; alguém que conviva com elas e
de quem possam sentir orgulho.
Eles estão precisando de modelos de integridade, de
prudência, de cidadania, de estudo e de trabalho. Necessitam de alguém que lhes
seja exemplo de coerência entre o viver e o falar. De alguém que revele estar consciente das
consequências do seu exemplo na formação da futura geração e da contribuição
dos seus atos para a sociedade. Mais do que isso, precisam de exemplos de
ousadia para mudar.
Precisam ver alguém se expressando corretamente, falando palavras
sóbrias, agindo com prudência e responsabilidade. Alguém pensando em como
melhor educar a juventude.
É
a era da oportunidade. Oportunidade de o professor exercer uma influência
positiva na vida dos seus alunos. E nesse aspecto, lamentavelmente, temos que
admitir que não são muitos os professores que tem levado a sério essa parcela do seu trabalho em favor da
educação. Um trabalho além daquele realizado em sala de aula, que não ocupa
tempo, mas exige dedicação exclusiva. Uma ação que não está centrada no fazer,
mas no ser. Não exige planejamento, mas exige compromisso e dedicação.
Não
se trata de estar continuamente chamando a atenção do aluno, com palavras duras
e ameaças, como muitos supõem. Penso não ser prudente estar o tempo todo se
indispondo com o aluno. O que proponho é que o professor procure estar
constantemente agindo de acordo com os princípios da ética, procurando
exemplificar qual deve ser o procedimento de um cidadão. Espera-se que o
professor desenvolva o hábito de agir em coerência com a função exercida; que
assuma uma postura de educador.
Há
pouco, em visita a uma escola ouvi uma
professora que reclamava da ausência de postura dos colegas de profissão.
Segundo ela, e muitos hão de concordar, a sala de professores, na hora do
recreio, não se parece em nada com uma sala composta por adultos com uma
formação em curso superior. Falam exageradamente alto, usam um palavreado
impróprio, chegando ao nível do chulo, jogam papel no chão, sujam a mesa e não
limpam, não tratam com respeito os colegas que discordam de sua opinião,
mostram-se irresponsáveis em seu modo de agir e, concluía a interlocutora,
ainda são capazes de se mostrarem irritados com os alunos, quando esses falam
palavrões ou ficam irrequietos quando
estão na fila ou aguardando alguma ordem. A colega não é de opinião que o
professor não deva se irritar quando o aluno fala um palavrão ou ser
tolerante quando se comportam com falta de educação, apenas entendia que o
professor deve agir, ele mesmo, como
gostaria de ver o aluno agindo.
Numa
outra escola, a diretora reclamava ter ouvido um professor pronunciar uma
palavra chula no pátio da escola e disse: “o aluno precisa ouvir na escola algo
melhor do que ele ouve na rua e, às vezes, até em sua própria casa”.
Está
faltando ao profissional da educação o
assumir-se educador. Não há aqui nenhuma alusão à ideia de que o professor
deve substituir a família no papel de educar. Apenas está sendo entendido que o
professor deve agir coerentemente, falar conforme se espera de alguém que tenha
o seu grau de formação.
Não faz muito, a Revista Exame publicava um artigo de David Cohen, onde o
articulista focalizava o fato de grandes
empresários estarem dando atenção especial ao comportamento ético em sua empresa tendo em vista que algumas delas, na
medida em que descuidaram desse aspecto,
foram à falência. Pressupõe-se que o professor não esteja disposto a ver a sua
categoria falida, ou o seu local de trabalho constantemente piorando.
Todo
professor anseia melhorar o seu ambiente de trabalho, mas perece que não sabe
como fazer. Não foi educado para isso, pois, ele também é fruto de uma escola
que não o ensinou a ser. Mas, chegou a hora.
Hora
de dar um basta nessa descida escabrosa
rumo ao caos. Hora de o professor assumir as rédeas da educação da nova geração
e, a partir do exemplo de um viver
ético, chamar os membros da sua comunidade escolar para que cada um assuma o papel que lhe cabe. É preciso um trabalho
conjunto, sério e incansável.
A
educação não é fruto apenas de um discurso vazio do tipo: “você deve fazer o
que eu mando”. Também não é mais admissível que o profissional da educação se
apoie na tese de que está na escola apenas para transmitir conhecimentos. A
educação ocorre num ambiente de coerência e de exemplos. Para formar essa
geração, resultante de tantos desmandos e convivendo num caos moral, é preciso
unir amizade e firmeza, discurso e exemplo, cognição e moral.
Antonio
Sales
Publicado
na Revista EXPRESSÃO
Revista
da ACP - Sindicato Campo-Grandense dos Profissionais na Educação Pública - Ano
VI - Edição nº 04 - Julho/2003, p. 6, 7.