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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

ACORDA PROFESSOR!



Belisco-me neste  instante. Tento perceber-me. Meus pensamentos divagam para longe em busca de um aluno. Tento encontra-lo longe da sala de aula onde estou. Os quase 40 que estão diante de mim me entediam. Quero esse aluno que não está presente e que possivelmente exista apenas na minha imaginação.
Os alunos reais me entediam. Eles são medíocres (os alunos ou eu?), sem bons costumes, desinteressados, irritantes, falam alto o tempo todo, falam sempre as mesmas coisas e me lembram da sala de professores: aquele “converseiro” sobre tudo e sobre nada, reclamações mil vezes repetidas, nenhuma proposta, compra e venda de bijuterias, risadas desemedidas.
Tenho horror a esses alunos reais!  Não me acrescentam nada. Querem aprender cada vez menos e futricam um ao outro constantemente. Ficam irritados por qualquer coisa que o outro fala, não sabem conviver com o “não”, não sabem o que é silêncio e são agressivos. Não os suporto.
Nesse momento "acordo". Tenho um lampejo de lucidez e começo a me perguntar: por que sou professor? Por que eles  estão ali, exatamente na minha sala de aula? Por que procuro esse aluno hipotético?
A letargia me abandonou por uns instantes. A lucidez parece ter aparecido, ainda que por pouco tempo. Reorganizo nesse instante os meus pensamentos e percebo que:  os alunos reais que tenho são desinteressados porque a escola é sem graça, o professor está  sem vitalidade, vivendo em devaneios, sonhando com o irreal e fugindo da própria realidade. Ele mesmo (o professor) não acredita no que faz, não sabe por que está ali naquele momento e porque se fez professor.
Se o aluno fosse interessado ele ainda precisaria de mim?  Com essa fonte inesgotável de informações à sua disposição (Google, You Tube, bibliotecas) ele ainda me procuraria? Talvez, em alguns momentos, sim, mas o tempo todo não. Estou ali exatamente para atender o aluno desinteressado e tentar tira-lo da letargia.
Tenho consciência disso? Naquele momento, sim. Via de regra, não.
Sou como um terapeuta que se irrita quando o paciente chega ao consultório. O paciente com problemas traz à tona a minha própria fragilidade. Eu não quero ser frágil, não quero que ninguém perceba que em alguns momentos não sei o que fazer. Não quero ser lembrado de que há problemas a serem resolvidos. É por isso que devaneio o tempo todo.
 Por que nunca pensei nisso? Quando voltarei a pensar nisso outra vez?
Por que sou professor? Por que a sociedade me contratou para isso?
A escola existe para suprir (em parte) aquilo que a família não deu conta de proporcionar. O professor existe para reforçar valores sociais de tolerância, de respeito, de solidariedade, de compromisso. O professor existe para defender a cultura, dar exemplo de leitura,  exemplificar  o diálogo.
Nesse momento me belisco. Estou acordado ou sonhando? Por que ainda não entendi essas coisas? Que professor sou eu? Porque procuro esse aluno hipotético?
Esse pequeno momento de lucidez mostrou-me que estou criando esse aluno, nesse momento, forçando-o a existir para satisfazer as minhas  expectativas de um aluno ideal. Talvez esteja à procura do aluno que eu nunca fui. Quero compensar o meu passado de estudante comum ou mesmo medíocre. Quero compensar o meu ser professor sem sucesso, sem criatividade, rotineiro. Preciso de alguém que não exponha as minhas fragilidades, que não me desafie, que tire notas para que o meu sonho de ser reconhecido como bom professor se realize.
Finda o dia. O sol se põe. A nostalgia da tarde me domina, um torpor parece invadir o meu ser. Voltarei a ser o que era? A lucidez me abandonará outra vez? As “trevas noturnas” da minha existência profissional tornarão a me envolver? Quando direi novamente a mim mesmo: “acorda professor!”?
Antonio Sales
Campo Grande, 07 de fevereiro de 2014.

6 comentários:

  1. Estamos sempre esperando o aluno ideal; e não nos damos conta que este aluno deve ser construído dia a dia. Penso que ele é construído a partir de atitudes como a de Sócrates. A praça era sua sala de aula; ele caminhava com seus discípulos fazendo-os ver e entender o mundo. O parto das ideias, a maiêutica, que através de perguntas fazia o alunos refletir e verbalizar. Sócrates valorizava a resposta dos aluno na medida que fazia outros questionamentos em busca de respostas.
    Parece que o desafio é o de como "tirar" esse aluno da sala de aula e fazer a ligação do estudo, da busca do conhecimento, com o mundo externo à sala de aula. Desses alunos poucos serão professores, mas alguns serão pensadores. Sócrates nos dá Platão que cria a academia e daí temos também Aristóteles e muitos outros.

    Genival

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    Respostas
    1. Tirar aluno e professor da letargia, eis o que não estamos conseguindo fazer. Obrigado Genival

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  2. Interessante reflexão!! Percebe-se que tanto os alunos quanto os professores precisam assumir com comprometimento o processo de aprendizagem!!

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  3. A contribuição dos meus leitores enriquecem este espaço. Obrigado Ananda.

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