Belisco-me
neste instante. Tento perceber-me. Meus
pensamentos divagam para longe em busca de um aluno. Tento encontra-lo longe da
sala de aula onde estou. Os quase 40 que estão diante de mim me entediam. Quero
esse aluno que não está presente e que possivelmente exista apenas na minha
imaginação.
Os alunos
reais me entediam. Eles são medíocres (os alunos ou eu?), sem bons costumes,
desinteressados, irritantes, falam alto o tempo todo, falam sempre as mesmas
coisas e me lembram da sala de professores: aquele “converseiro” sobre tudo e
sobre nada, reclamações mil vezes repetidas, nenhuma proposta, compra e venda
de bijuterias, risadas desemedidas.
Tenho
horror a esses alunos reais! Não me
acrescentam nada. Querem aprender cada vez menos e futricam um ao outro
constantemente. Ficam irritados por qualquer coisa que o outro fala, não sabem
conviver com o “não”, não sabem o que é silêncio e são agressivos. Não os
suporto.
Nesse
momento "acordo". Tenho um lampejo de lucidez e começo a me
perguntar: por que sou professor? Por que eles
estão ali, exatamente na minha sala de aula? Por que procuro esse aluno
hipotético?
A
letargia me abandonou por uns instantes. A lucidez parece ter aparecido, ainda
que por pouco tempo. Reorganizo nesse instante os meus pensamentos e percebo
que: os alunos reais que tenho são desinteressados porque a escola é sem graça, o professor
está sem vitalidade, vivendo em devaneios,
sonhando com o irreal e fugindo da própria realidade. Ele mesmo (o professor) não
acredita no que faz, não sabe por que está ali naquele momento e porque se fez
professor.
Se o
aluno fosse interessado ele ainda precisaria de mim? Com essa fonte inesgotável de informações à
sua disposição (Google, You Tube, bibliotecas) ele ainda me procuraria? Talvez,
em alguns momentos, sim, mas o tempo todo não. Estou ali exatamente para
atender o aluno desinteressado e tentar tira-lo da letargia.
Tenho
consciência disso? Naquele momento, sim. Via de regra, não.
Sou como
um terapeuta que se irrita quando o paciente chega ao consultório. O paciente
com problemas traz à tona a minha própria fragilidade. Eu não quero ser frágil,
não quero que ninguém perceba que em alguns momentos não sei o que fazer. Não quero
ser lembrado de que há problemas a serem resolvidos. É por isso que devaneio o
tempo todo.
Por que nunca pensei nisso? Quando voltarei a
pensar nisso outra vez?
Por que sou professor? Por que a sociedade me contratou para isso?
Por que sou professor? Por que a sociedade me contratou para isso?
A escola
existe para suprir (em parte) aquilo que a família não deu conta de proporcionar.
O professor existe para reforçar valores sociais de tolerância, de respeito, de
solidariedade, de compromisso. O professor existe para defender a cultura, dar
exemplo de leitura, exemplificar o diálogo.
Nesse
momento me belisco. Estou acordado ou sonhando? Por que ainda não entendi essas
coisas? Que professor sou eu? Porque procuro esse aluno hipotético?
Esse
pequeno momento de lucidez mostrou-me que estou criando esse aluno, nesse
momento, forçando-o a existir para satisfazer as minhas expectativas de um aluno ideal. Talvez esteja
à procura do aluno que eu nunca fui. Quero compensar o meu passado de estudante
comum ou mesmo medíocre. Quero compensar o meu ser professor sem sucesso, sem
criatividade, rotineiro. Preciso de alguém que não exponha as minhas fragilidades,
que não me desafie, que tire notas para que o meu sonho de ser reconhecido como
bom professor se realize.
Finda o
dia. O sol se põe. A nostalgia da tarde me domina, um torpor parece invadir o
meu ser. Voltarei a ser o que era? A lucidez me abandonará outra vez? As “trevas
noturnas” da minha existência profissional tornarão a me envolver? Quando
direi novamente a mim mesmo: “acorda professor!”?
Antonio
Sales
Campo
Grande, 07 de fevereiro de 2014.
Belíssimo texto professor !!!
ResponderExcluirObrigado, Armando.
ResponderExcluirEstamos sempre esperando o aluno ideal; e não nos damos conta que este aluno deve ser construído dia a dia. Penso que ele é construído a partir de atitudes como a de Sócrates. A praça era sua sala de aula; ele caminhava com seus discípulos fazendo-os ver e entender o mundo. O parto das ideias, a maiêutica, que através de perguntas fazia o alunos refletir e verbalizar. Sócrates valorizava a resposta dos aluno na medida que fazia outros questionamentos em busca de respostas.
ResponderExcluirParece que o desafio é o de como "tirar" esse aluno da sala de aula e fazer a ligação do estudo, da busca do conhecimento, com o mundo externo à sala de aula. Desses alunos poucos serão professores, mas alguns serão pensadores. Sócrates nos dá Platão que cria a academia e daí temos também Aristóteles e muitos outros.
Genival
Tirar aluno e professor da letargia, eis o que não estamos conseguindo fazer. Obrigado Genival
ExcluirInteressante reflexão!! Percebe-se que tanto os alunos quanto os professores precisam assumir com comprometimento o processo de aprendizagem!!
ResponderExcluirA contribuição dos meus leitores enriquecem este espaço. Obrigado Ananda.
ResponderExcluir