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domingo, 24 de novembro de 2013

SE O MÉDICO FOSSE PROFESSOR



Meu cérebro é inquieto. Mesmo não tendo sobre o que pensar, insiste em pensar. Pensa ainda que seja sobre inutilidades.
Estando cansado de pensar em coisas importantes resolvi pensar sobre como seria a vida de um médico (e de seus pacientes) se ele recebesse a mesma formação que um professor recebe ou se pensasse como pensa um professor. Quando falo em formação não estou me referendo ao conteúdo científico especifico de cada profissão. Entendo que cada profissão tem uma formação científica específica.
Estou pensando na formação ética, nas orientações sobre comportamento, naqueles aspectos da formação que escapam à discussão da ciência de referência de cada profissão.
Com base na minha experiência como professor de cursos universitários concluí que se um médico tivesse a mesma formação que eu recebi ele receitaria o mesmo remédio, e a mesma dose, para todos os pacientes. Foi assim que eu sempre fiz e que vejo alguns colegas fazendo. Ministram o mesmo conteúdo e do mesmo jeito para engenheiros (das diversas especialidades), administradores, licenciandos em matemática, turismólogos, arquitetos, estudantes das áreas de computação e onde mais existir a disciplina.
O professor leva à serio a recomendação de tratar a todos iguais, mesmo que haja idiossincrasias bem definidas e os sujeitos esperem que sejam respeitadas. O professor de Matemática, especificamente, não faz adaptações de conteúdo e nem de forma de abordagens. Alguns chegam a dizer que não sabem o que os alunos de certo curso vão fazer com aquele conteúdo, mas sabe que devem estudar para não serem reprovados.
Se um médico recebesse a mesma formação que eu recebi por preceito e por exemplo, ele se sentiria ofendido cada vez que um paciente vomitasse o remédio que ele indicou. Se o paciente tivesse reação alérgica ao medicamento indicado então esse médico teria vontade se sufocar o paciente. Mais ainda, esse médico se recusaria a tratar de um paciente cujos pais negligenciaram.
Se um médico recebesse a mesma formação que eu recebi por preceito e por exemplo, ele não saberia fazer nenhuma indicação para o pai de um adicto, não saberia a quem denunciar maus tratos a seus pacientes e ficaria bravo cada vez que um paciente  não reagisse ao tratamento indicado.
Se um médico recebesse a mesma formação que eu recebi por preceito e por exemplo, ele não teria dúvidas de que todo paciente morre por que quer morrer. Acharia culpa em todo mundo, inclusive no defunto, mas se recusaria em avaliar a sua atuação ou desejar que um novo medicamento (ou técnica cirúrgica) surgisse no mercado. Ele diria: quando me formei era assim que se fazia e assim continuarei fazendo.
Será que esqueci de alguma coisa?
Será que fui bem formado?
Antonio Sales
Nova Andradina, 23 de Novembro de 2013.

sábado, 16 de novembro de 2013

EDUCAÇÃO: ESTIMULAR O MÉRITO OU A COMPETIÇÃO?



Recentemente participei de um curso à distância. Durante o mesmo foram propostos vários temas para discussão on line. Em determinado momento um colega afirmou que um dos problemas da educação brasileira está no fato de não ser estimulada a competição. Discordei dele dizendo que era a favor da meritocracia (valorizar o mérito), mas não da competição.
Como o colega não respondeu à minha provocação fiquei sem saber se ele concordou, se não entendeu a minha posição ou se achou que eu estivesse apenas querendo ser contra dizendo a mesma coisa com outras palavras. Fiquei pensando: e se alguém disser que mérito e competição são sinônimos ou têm uma relação tão estreita que são indistinguíveis?
Enquanto pensava nessas coisas recebi a revista Veja (Edição 2347, ano 46, no46, de 13/11/2013) e nas páginas amarelas li a frase: “Quanto mais competição, melhor”.
A entrevista é com o Dr César Camacho criador da Olimpíada de Matemática que afirma também que “quem não gosta de sistemas que premiam o mérito, em geral, sabe que não reúne as condições para se sair bem”. Fiquei perplexo! Será que mérito é inseparável da competição? Falar em mérito é o mesmo que falar em competição e vice-versa?
Continuo pensando que não. Ainda penso que mérito e competição não são, necessariamente, complementares ou iguais.
Por exemplo, se meu amigo é um excelente marceneiro, tem preço compatível com o poder aquisitivo da região e atende bem os seus clientes ele tem mérito. Se eu resolvo abrir uma marcenaria nas proximidades serei seu concorrente (estarei competindo), mas se eu abrir uma oficina mecânica e me tornar excelente profissional, com preços de serviços compatíveis com o poder aquisitivo da região e atender bem os clientes também terei mérito sem estar competindo com o meu amigo.
Mais um exemplo: se numa cidade dois médicos, um cirurgião e um anestesista, fizerem uma parceria para aperfeiçoar o atendimento à população eles terão mérito, mas não estarão competindo entre si.
Por outro lado, a competição pode não ter relação com mérito. Duas pessoas mal intencionadas podem competir entre si para ver quem defrauda mais. Há competição, mas não há mérito.
No caso da educação penso que é possível falar em meritocracia sem falar em  competição. No caso da Olimpíada de Matemática, pode-se muito bem falar em mérito sem falar em competição.  Pode-se premiar o melhor em Matemática sem com isso dizer que ele é melhor do que o outro. Até mesmo porque o outro que tirou em segundo ou terceiro lugar em Matemática pode ser melhor cidadão ou o melhor em Biologia, por exemplo. O bronze em Matemática poderia ser ouro em Química se houvesse olímpiada dessa ciência.
Mas, pensando no magistério, sabemos que um professor pode ser  um “show“ nas aulas de Matemática e por isso ser apreciado pelos alunos e admirado por todos enquanto o outro é mestre em orientar os pais na educação dos filhos nas reuniões de pais da escola. É ele quem consegue aproximar os pais da escola e vice-versa fazendo surgir uma parceria produtiva criando, inclusive, um contexto favorável ao “show” do outro. Ambos têm mérito e podem ser bons parceiros de trabalho, sem competição.
Penso que o sistema não precisa estimular a competição, mas sim valorizar o mérito. Estimular iniciativas diversificadas no contexto escolar e avaliar o mérito de cada iniciativa. O que não pode é pagar todos, quer se empenhem quer não, com o mesmo salário, com os mesmos incentivos. Nem mesmo pode nivelar a todos por baixo.
Há muitas formas de ser um bom professor, de contribuir para uma boa educação e todas essas ações têm mérito. O que não vale é ficar procurando culpados para justificar a baixa produtividade, encolher-se para nada fazer além do mínimo obrigatório, trabalhar 60 horas por semana como desculpa de que não tem tempo para fazer melhor ou então não trabalhar com a desculpa de que todos ganham o mesmo salário. Para quem trabalha 60 horas o sistema poderia propor que apresentasse um projeto relevante para ocupar as 20 horas extras que trabalha. A não apresentação do projeto o isentaria do direito de se desculpar pelo baixo rendimento ou falta de compromisso com a escola. O que acontece é que em alguns lugares o mérito está na quantidade de horas passadas no local de trabalho e em outros não há mérito em nada.
É mais difícil premiar a meritocracia do que a competitividade. Na competitividade leva-se em conta um único critério e na meritocracia, vários.
 O futebol é um exemplo de competividade. O critério é o número de gols. O melhor jogador é aquele que marca mais gols. A defesa que evita a invasão do adversário não tem mérito, não é aplaudida.  O futebol é injusto. Não queremos um modelo injusto para a educação.
Na política partidária há competição. Algumas vezes a politica brasileira é injusta, ridícula e vergonhosa exatamente por ser competitiva. Se tivéssemos uma política, e consequente gestão pública, centrada no mérito muitos projetos iniciados na gestão anterior teriam continuidade ainda que o gestor fosse do partido adversário. Muitas propostas do executivo seriam aprovadas (ou rejeitadas) no legislativo ainda que ele tivesse minoria (ou maioria) e independente de contrapartidas de cunho pessoal. Mérito não é competição.
Estamos cansados de injustiça. Queremos a valorização de quem trabalha e por trabalho estamos entendendo compromisso, envolvimento, participação em debates sobre os problemas da educação, apresentação e desenvolvimento de propostas relevantes. Enfim, trabalho é transpiração.
Tenho duas experiências concluídas de trabalho em equipe que produziram bons resultados. Não havia competição entre nós, havia parceria e compromisso. Havia o desejo de fazer o melhor. Uma ocorreu, faz algum tempo, quando trabalhei como técnico na Secretaria de Educação de uma grande cidade deste Estado. A outra é recente e ocorreu em duas ocasiões em que orientei os estágios de Matemática e de Segunda Licenciatura. Uma terceira está em andamento na produção de trabalhos de pesquisa em grupo.
Penso que são trabalhos de mérito sem competição. Há cooperação, envolvimento. O mérito é de todos.
Na competição um ganha e os outros perdem. No estímulo ao mérito todos podem ganhar. Na competição estimula-se o individualismo. Na meritocracia, a cooperação.
Antonio Sales
Nova Andradina, 15 de Novembro de 2013.