Algumas
sociedades são marcadas pela antiguidade das suas ideias. São influenciadas por
um único livro, um único ideólogo ou profeta e se mantém quase inalterada por
séculos. A mulher é objeto, os homens detêm o poder, os de fora são sacrílegos.
São sociedades perigosas porque dão abrigo a extremistas. Nessas sociedades a
justiça é ágil, mas não leva muito em conta os direitos humanos e está a
serviço do poder. A opinião pública não conta e a distribuição de renda é
desfavorável ao pobre.
Há
sociedades moderadas, como algumas da Europa, por exemplo. São influenciadas
por muitos livros, muitos ideólogos, são participativas, e convivem com avanços
e recuos em suas decisões. Há muita tensão, mas há um estado de bem-estar
social, as instituições tendem a funcionar bem e desfrutam de um certo grau de
respeito. A justiça é ágil, levando em conta os direitos humanos, a saúde é
para todos e ocorre uma melhor distribuição de renda.
Algumas
sociedades não se encaixam em nenhum desses perfis, como a brasileira, por
exemplo. Aqui não convivemos com avanços e recuos explícitos em nossas decisões,
porque não decidimos. Não temos opinião própria e somos capazes de fazer o
chamado "voto de protesto" mesmo que seja contra o povo. Se alguém
for à televisão e defender a liberação da maconha, no dia seguinte o Congresso
já pode oficializar porque tem apoio da maioria. Somos o povo de quase nenhum
livro, não temos ideólogos, não somos participativos. As conferências públicas
sobre saúde, meio ambiente, educação, etc., contam com pouca participação
popular e as decisões podem ser alteradas sem que percebamos ou nos
interessemos em saber as razões. O alunos protestam contra o professor riscando o seu carro, "matando aula"
ou xingando-o e não exigindo qualidade, melhor tratamento ou reposição de
conteúdo mal explicado.
Preferimos R$50,00 ou menos uma vez a cada dois anos (nas eleições) do que policiamento ostensivo nas ruas e maior segurança. Preferimos a humilhação de uma reprovação silenciosa na escola à uma manifestação pública que possa mudar o rumo da escola ou da universidade.
Preferimos R$50,00 ou menos uma vez a cada dois anos (nas eleições) do que policiamento ostensivo nas ruas e maior segurança. Preferimos a humilhação de uma reprovação silenciosa na escola à uma manifestação pública que possa mudar o rumo da escola ou da universidade.
Seguimos
a maioria quando esta vai â imprensa falar mal de policiais que fizerem
enfrentamento agressivos, aceitamos que nos culpem quando o bandido nos assalta
ou tire a vida de nosso próximo, mas não nos manifestamos contra à discrepância
daquele que dizem que o bandido atirou porque nos assustamos ou gritamos. Aceitamos
passivamente que vítima não tenha o
direito de ter medo, de se assustar ou clamar por socorro. O bandido pode
planejar e fazer o que quiser, mas a vítima não pode sequer ter medo.
Sentimo-nos
horrorizados quando um profissional erra mesmo que tenha sido forçado a isso
por alguém ou um grupo mal intencionado, mas não nos perguntamos porque o outro
provocou aquele distúrbio.
Não
sou favorável a abusos de poder ou comportamento impróprio por parte de quem
está sendo pago para bem atender, mas não consigo entender que ele possa ser
tratado com grosseria por quem precisa do seu serviço. Ambos cometem equívocos
e deslizes e são dignos de repugnância social quando assim procedem. No
entanto, fico indignado quando simplesmente somos contra quem trabalha, como se
ele não tivesse mais nenhum direito além do salário.
Uma
coisa, porém, me intriga mais do que tudo nesta sociedade brasileira. Como se
não bastasse essa indefinição de papéis que se presencia nas relações
familiares e escolares, chegamos ao cúmulo de transformar bandidos em heróis.
Recentemente
ouvi de um movimento em homenagem aos 111 (cento e onze) homens que morreram no
Carandiru há algum tempo, vítimas de uma invasão policial para debelar um
rebelião. Uma vez que os policiais já foram julgados e condenados pelo
morticínio a homenagem aos que morreram naquela ocasião mais se parece como uma
forma de tripudiar sobre os policiais envolvidos no processo, como se eles
fossem os únicos verdadeiros bandidos naquele confronto.
Ninguém
pergunta porque os que morreram estavam presos, quem provocou o desastre (se os
policiais ou os presos), se havia alternativa menos dramática aos policiais, se
não estamos apenas fazendo mais um protesto à semelhança daquele dos presos; um
protesto que mais irrita e que mais revela a nossa discrepância do que busca
solução ou faz justiça.
É
uma homenagem que transforma bandidos em heróis, apenas porque foram mortos por
policiais durante uma invasão destes na cadeia onde os outros se degolavam,
etc. Por que os que morreram degolados pelos colegas também não são heróis?
Penso
que já sei. É porque ouvimos falar que o diálogo resolve todos os problemas,
mesmo quando dialogamos com que não quer diálogo como os terroristas, os
trapaceiros, os ditadores, os aproveitadores, os traficantes. Fico sem saber se
somos ingênuos ou acomodados, se somos crédulos ou mentecaptos. O que sei é que
deixamos acontecer e “engolimos” qualquer
opinião, divulgamos qualquer notícia, votamos
em qualquer um, rimos de qualquer engraçadinho e nos tornamos presas de qualquer charlatão.
Essa
forma de agir e de protestar, presentes em nossa sociedade, acrescidas da ação
dos black blocs nas manifestações
pacíficas, mostram que somos um sociedade sem valores.
Antonio
Sales profesales@hotmail.com
Nova
Andradina, 29 de setembro de 2014.