Nada nos
cansa mais do que uma vida sem produção. Sentir-se como um árido deserto é
muito desconfortante.
Certo
dia encontrei uma colega no pátio de universidade. Ela fazia o seu doutorado em
linguística e se aproximou de mim perguntando: "você já se sentiu, alguma
vez, sem ideias?”. Em seguida, explicou: “estou em crise porque preciso terminar a
minha tese e parece que minha cabeça
ficou vazia, você já se sentiu assim?". Já, respondi-lhe. Também já passei
meses sem produzir nada, sentindo-me como um árido deserto no campo das ideias.
Mas, tenha ânimo colega, porque a "chuva" cairá nesse deserto
novamente e você voltará a produzir de novo com muito vigor. A fertilidade
voltará, garanti-lhe. Ela me agradeceu e saiu. Poucos dias depois me procurou
toda feliz para dizer que estava fértil novamente. As ideias tinham voltado a
fluir.
É sempre uma alegria quando nos tornamos férteis, quando as ideias fluem.
Se passar
alguns dias ou semanas sem produzir nada é desgastante imaginem vinte e cinco
ou trinta anos, como é o caso de muitos professores!
O
professor iniciante, cheio de sonhos ingênuos, vai para a sala de aula
esperando encontrar alunos ávidos por aprender, mas como a ignorância se basta
a si mesma e a falta de expectativa é desestimulante, essa avidez raramente se
manifesta nos alunos e o professor perde a fertilidade.
A avidez
pelo conhecimento, em muitos alunos, precisa ser provocada através de ações que
transformem o aluno de alguém passivo em um estudante ativo, pelo menos, em sala
aula. As atividades propostas devem conter algum desafio que estimule a
produção porque a infertilidade é desestimulante.
Muitos
professores poupam os alunos de desafios supondo que eles se desestimularão. É
o contrário que ocorre. Copiar regras e ter que memoriza-las, sem saber para
que servem ou onde serão aplicadas, é que cansa e desestimula. Desafios
adequados ao nível intelectual do aluno são propulsores de participação e
estimuladores de aprendizagem.
Ainda
hoje muitos professores de matemática ensinam aos alunos o princípio euclidiano
de que o menor caminho entre dois pontos é uma linha reta sem discutir com eles
em quais circunstâncias isso se aplica. A
taxigeometria mostra que não é bem assim. A vida mostra que as estradas têm
curvas porque há morros, rios, propriedades privadas e outros obstáculos pelo
caminho. Os terrenos são acidentados e árvores centenárias, que precisam ser
preservadas, impedem a passagem e, dessa forma, curvas são necessárias e
desvios são inevitáveis.
O
princípio euclidiano é válido em um mundo ideal onde a terra é plana e não há
obstáculo ou em pequenas distâncias como a tampa de uma mesa, por exemplo.
O
desafio, nesse caso, consiste em discutir com os alunos onde aplicar esse
principio e como resolver um problema onde ele não é válido. Quais alternativas
que têm sido encontradas pelos engenheiros?
Visitando
Lima, a capital peruana, fotografei em uma das ruas de Miraflores, próximo ao
complexo comercial LARCO, em um outdoor, uma
frase que traduzida é: “o que os hippies não conseguiram, os engenheiros estão
fazendo: transformar a sociedade”. Pensei que ela poderia ser: o que Euclides
não permite, os engenheiros fazem.
Coisas
como essas, se discutidas com os alunos, suponho que tornariam a aula menos
entediante e a Matemática teria mais sentido para eles.
Antonio
Sales
Entre Nova Andradina e
Dourados, 28 de julho de 2014.