“Tosco”(*) é o título
de um livro escrito pelo “Filósofo, Teólogo e Psicólogo” Gilberto Mattje. Trata-se
de uma narrativa agradável cujo personagem central é um menino, produto de uma
gestação moralmente tumultuada, sendo o pai um bêbado e a mãe uma “biscate”. Finalmente
ele recebe o apelido de Tosco, o “mal-acabado”.
A estória muito
interessante descreve a trajetória
turbulenta do garoto pelos meandros das drogas e da violência e que tem
um final feliz com a amizade do professor Jeferson, de Educação Física, que
resolve investir no rapaz.
A mensagem direta é
clara. Ele se tornou rebelde por culpa da família desestruturada e permaneceu
longo tempo assim porque a escola não soube lidar com o problema.
A mensagem indireta também
não deixa margem para dúvidas. Quando o professor resolver fazer algo pelos seus
alunos, investir neles, a droga cede espaço e a paz reina soberana. Aliás, o
problema é a escola e a família, os professores e os pais. Ninguém mais precisa
fazer nada, nem mesmo o adicto e violento, para que o problema seja resolvido.
O Estado está isento. O aparato judiciário, enfim, poderá descansar em paz
porque a escola dará conta do problema.
Basta o amor, o afeto ou amizade do professor e da família.
Não tenho a intenção de
negar essa possibilidade de cura pelo afeto especialmente porque suponho que o
autor, com o preparo intelectual que tem, deve ter embasamento científico para
o que escreve. Li e recomendo a leitura. Sugiro que se experimente a tática do
professor Jeferson e de outros exemplos do livro. Que ela seja posta em prática
por todos integrantes da escola. Nunca se perde por apostar no ser humano ainda
que não resulte no esperado.
Quero, no entanto,
levantar algumas questões que o autor
não respondeu e talvez não tenha mesmo sido essa a sua intenção. Sua intenção,
ao que parece, era mostrar uma das múltiplas faces da violência e da cura. Foi feliz no que se propôs.
Minha intenção é
mostrar outras faces do mesmo problema. O caminho para as drogas e para
rebeldia não é único. A motivação para permanecer doente ou
para procurar cura também provém de
múltiplas fontes. Embora eu acredite no poder do amor, creia fortemente na
força propulsora da amizade e no valor da aposta no ser humano, não acredito na
existência da deusa Panacéia. Não considero prudente isentar a família e a
escola de responsabilidades, mas também não considero justo colocar nas mãos
deles a solução para todos os problemas do gênero.
Não sou psicólogo e não
tenho experiência direta no trato com pessoas adictas. Sou voluntário, faz
alguns anos, do “Grupo de Apoio Amor
Exigente” que trabalha com a família dos
adictos procurando aliviar o fardo que pesa sobre os ombros delas.
Muitas vezes coube-me a
tarefa de fazer o “primeiro acolhimento”
e dar as boas vindas ao casal que vem à reunião do grupo em busca de apoio.
Tenho recebido pais que chegam carregados de culpa porque foram “bons” pais. Procuraram
tratar o filho com carinho, protegê-lo, e agora se perguntam: onde erramos? Famílias
bem estruturadas deram, na concepção deles, uma atenção extremada, confiaram
demais no filho, e agora se sentem traídos.
Às vezes o adicto é filho único. Outras vezes é o querido caçula.
Há casos em que é o único menino num grupo de meninas ou vice-versa ou tem certa
fragilidade física, etc. O certo é que o trataram muito bem e o “estragaram”.
Conforme se pode ver o
meu pressuposto de que o caminho para as
drogas não é único se confirma na prática. Conhecemos pessoalmente casos de
jovens gestados em lares marcados pelo vício do álcool e pelas desavenças que,
no entanto, detestam o vício, detestam a
vida que levaram e querem constituir uma família diferente da que viveram.
Felizmente, os motivos para não usar drogas ou para sair delas também são
múltiplos. O curioso é que, muitas vezes, os motivos alegados por uns para evitar são os mesmos alegados por outros
para usar.
Conheço pessoalmente,
pela minha vivência no Grupo de Apoio, muitos pais que salvaram o filho adicto
com medidas duras, com o corte de
privilégios. Cercado pela união da família e vendo a posição firme do chefe da
casa ele pediu tratamento e se recuperou. Fato interessante: uma vez tratado
retoma o diálogo com os pais e confessa
que era um chantagista, um aproveitador da bondade deles.
Onde quero chegar?
Quero afirmar que
garantir que o afeto ou a amizade é suficiente, por si só, para recuperar um
adicto e mudar a postura de um violento é simplismo. Outras medidas precisam
ser tomadas e para quem faz um trabalho coletivo, como é caso dos professores,
é praticamente impossível diagnosticar a necessidade de cada um: se é de afeto
ou de pulso firme. Soma–se a isso o que já foi mencionado em texto
anterior que a sociedade não permite ao
professor tratar o aluno com firmeza, colocá-lo no lugar de aluno.
Sabendo que o professor
tem essa limitação, essa ausência de autonomia, os alunos agressivos zombam,
chantageiam e abusam.
Interessante destacar
que existem autores (KANITZ, 2009; NUÑES, 2005; HERE 2009) que não veem no afeto a força suficiente para curar esse mal. Os
casos devem ser tratados individualmente.
Campo Grande, 21 de
julho de 2012.
Antonio Sales profesales@hotmail.com
Referências
HERE, Robert. Psicopatas no divã. Veja. Edição
2100, Ano 42, Número 13, 1º/4/2009 (Páginas amarelas). (O autor é psicólogo
canadense especialista em psicopatias)
KANITZ. Stephen. Violência Simétrica. Disponível em: < http://blog.kanitz.com.br/2009/06/viol%C3%AAncia-assim%C3%A9trica-ii.html acesso em 187/06/2009
NUÑES, Miguel Ángel. Amores que matam. Tatuí
(SP):Casa Publicadora Brasileira, 2005.
(*) MATTJE, Gilberto Dari. Tosco. Campo Grande, MS: Gráfica Alvorada, 2009.