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sábado, 30 de junho de 2012

COMO O ECA ESTÁ SENDO CUMPRIDO


Não sendo jurista e não sendo militante ativo dos direitos das crianças e adolescentes não me sinto preparado para fazer uma análise do Estatudo da Criança e do Adolescente (ECA) e muito menos para emitir juízo de valor. Parto do pressuposto de que ele veio em bom tempo está cumprindo um excelente  papel. Nossas crianças e adolescentes precisam mesmo de proteção, precisam de garantias. Uma dessas garantias é o direito de serem educados pelos pais e professores para que se tornem cidadãos de verdade. Pessoas que saibam respeitar e se fazerem respeitar. Precisam mesmo ser protegidas contra  a violência de qualquer natureza.
O problema ao meu ver  está na forma como o ECA está sendo cumprido por todos: pelo adolescente, pelos pais, pela escola e, inclusive, pelo judiciário e governo. Não conheço o cotidiano do judiciário, sei apenas como ele trata o problema quando a escola encaminha um adolescente que se tornou insuportável no ambiente escolar e até perigoso para os adultos e incoveniente para as demais crianças e adolescentes.
O judiciário tem “garantido” o direito dele ser socializado e educado no mesmo ambiente onde se tornou antissocial e inconveniente. Devolve o garoto para a escola e a família afirmando que o lugar dele é na escola e na família.
Recorrendo às minhas metáforas pergunto ao leitor: o que diríamos de um médico ou hospital que, ao receber o meu filho com alguma doença que requer tratamento especializado, simplesmente o devolvesse afirmando que a famíla é a responsável e lá é o melhor lugar para uma criança?
Esse hospital, certamente, não registraria nenhum caso de óbito nas suas dependências, mas estaria sendo eficiente?
É fácil cumprir o ECA transferindo responsabilidades ou devolvendo o problema para quem buscou ajuda especializada.
Tenho observado que alguns adolescentes, quando se tornam antissociais e cometem infrações que requerem medidas socioeducativas, são encaminhados para algumas instituições que deverão ofercer-lhes a oportunidade de cumprir a tarefa proposta pelo judiciário. Vão para cumprir  a tarefa sem a obrigação de cumprir a tarefa, fazem-na se quiserem. Os que se dispõem a ajudar o judiciário não recebem nenhuma orientação e autoridade para fazê-lo cumprir o que lhe foi designado. Isso é educação? É ação socioeducativa?
Alguns são devolvidos para a  escola com a  determinação de que lá  é o lugar dele sem nenhuma garantia de que ele não perturbará ou não será uma ameaça aos outros e que não atrapalhará o andamento da escola.
Dessa forma é fácil cumprir o ECA: basta transferir a responsabiliade e “lavar as mãos”. É agindo assim que se consegue fazer um relatório altamente positivo.
Para o governo também é fácil. Não precisa contratar profissionais especializados, criar escolas especializadas e clínicas de internação, aumentar o efetivo policial, investir nas famílias através de assistência especializada e  programas de educação familiar.
A escola criada para ensinar a ciência, introduzir as crianças e os adoescentes no mundo da ciência apresentando-lhes o que foi produzido nas esferas produtoras do saber, tem que assumir o papel de escola “especializada” no tratamento com infratores.  Todo o seu trabalho é perturbado e ainda tem que produzir resultados. E ainda tem governo que diz que investe na educação. Dessa forma é fácil não ter nenhuma criança ou adolescente fora da sala de aula.
Em que escola eles estão? Os infratores estão na escola errada porque ela não existe para atendê-los, logo, não está  e nem deveria estar preparada para isso. Os que vão para estudar estão na escola errada porque ela está perturbada pela presença dos infratores contumazes.
Daria para aprender a lição ensinada pelos Governos do Rio de Janeiro e Federal no trato com o Complexo do Alemão? Daria para o governo, o judiciário e até a escola deixarem de lado a  hipocrisia e assumir que há problemas?
Nova Andradina, 30 de junho de 2012.
Antonio Sales                        profesales@hotmail.com

domingo, 24 de junho de 2012

PRODUTORES OU CONSUMIDORES DE CONHECIMENTO?


Imagino-me em um supermercado (especificamente na seção de verduras) e começo a pensar sobre os diversos tipos de clientes que passam por ali.
A dona de casa olha atentamente o preço e o estado de conservação e se pergunta: vale a pena comprar? vai atender as necessidades da minha família
Eu, olho-as (as verduras) superficialmente e me pergunto: como se prepara  isso para servir? Em seguida sussurro: prefiro pronto!
 Algum agricultor que cultiva ou cultivou hortaliças olha-as com um olhar diferente. Para ele deve trazer algum prazer  o imaginar como foram cultivadas, os produtos agrícolas utilizados na sua produção, o estado de conservação, a forma como foram transportadas, e alguns detalhes mais que desconheço. Ele olha-as com admiração e vê ali uma parte  de si, um  "pedaço" da sua história, uma história que gostaria de me contar mas que estou pouco disposto a conhecer.
Há em nossa sala de aula futuros produtores do saber. Gostam  de pensar nas causas. Deliciam-se com os por quês. Procuram descobrir as relações  existentes . Há na mesma sala os consumidores que são como os cozinheiros, apreciam saber usar, preparar o próprio cardápio a partir do material produzido. Mas, há também na mesma sala, aqueles que querem apenas saber  consumir certo tipo de conhecimento. Temos, nesses três exemplos, os teóricos, os práticos e os  usuários.
Pensando na Matemática diríamos que uns, talvez poucos, um dia se tornarão matemáticos da linha de pesquisa da Matemática Pura. Outros, também não muitos, se tornarão matemáticos aplicados, educadores matemáticos, usuários não comuns da Matemática (engenheiros e físicos, por exemplo).
 A grande maioria, porém, usará a matemática pronta nas tabelas, no Excel, nas calculadoras e outros software disponíveis.
Como a escola se organiza  para atender a esses  interesses divergentes?
Resposta direta : não se organiza. Ela trata todos como se fossem se tornar apenas usuários comuns. Em termos de provocar a busca pelo saber diríamos que nivela todos por baixo. Ela não valoriza os alunos que se identificam com a ciência. O projeto escolar consiste em concentrar energia em quem não quer aprender determinada ciência. As aulas de reforço ou acompanhamento em algumas disciplinas atestam disso.
A aula no horário regular caminha a passos lentos por causa daqueles que estão pouco interessados e não se faz nenhum  esforço para recuperar o tempo que o outro perdeu esperando por ele. Investe-se mais em quem não quer aprender do que em quem quer.
Quando falo de alunos que não querem aprender estou pensando nos que não querem aprender, matemática, por exemplo (o que estou ensinando), mas estão interessados em aprender  outros conteúdos.
Meu pressuposto é que a dificuldade de muitos alunos em aprender  uma certa disciplina consiste na sua falta de interesse por ela, em não ver sentido nela para atender as suas necessidades. Ela não se encaixa no seu esboço de projeto de vida.
Por exemplo um aluno pode não ver sentido na Matemática e ver muito sentido em História. Nesse caso porque não potencializar esse seu interesse através de atividades de aprofundamento na disciplina de sua preferência?
Quando há aulas de "reforço" ou acompanhamento (por que não são aulas de estudo e aprofundamento?) geralmente são nas disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa. As outras disciplinas não são importantes? Não vale a pena o aluno aprendê-las? Por que estão no currículo?
Penso que  escola deveria cuidar desses diversos interesses dos alunos oferecendo oportunidades de aprofundamentos,  no horário destinado aos ultrapassados  reforços atuais acompanhamentos,  para alunos que queiram  estudar as diversas disciplinas.  Não somente para os "fracos" e  em Matemática, mas  para os "bons" e em todas as disciplinas.
Deveria haver um momento para todos e um momento para os “bons”. Meu pressuposto é que todos os alunos querem aprender, eles só não estão interessados no tema que estou tentando ensiná-los. Se a escola se dispuser atendê-los em seus  interesses não daria resultados? Por que todos necessitam aprender Matemática?  Não possível  ser feliz sabendo História, Geografia,  Biologia, Língua Inglesa, etc.? Por que  escola não valoriza esses saberes, ou melhor, os alunos que se identificam com esses saberes? Quem não se identifica com a Matemática é pessoa de mau gosto e sem possibilidade de contribuir para com a sociedade?
Por que não há projetos de "reforço" ou de acompanhamento ( prefiro projetos de estudo, de aprofundamentos) nessas disciplinas? Uma pessoa pode ser simples consumidora de Matemática e produtora de Geografia. E se ela for  consumidora de todas as disciplinas escolares, mas competente produtora de verduras? Ela é inútil por isso? E se ela se tornar uma eletricista competente e confiável, mas não se formar em Matemática ela é de segunda categoria?

Todos devem ser "produtores"?
Campo Grande,  23 de junho de 2012.
Antônio Sales      profesales@hotmail.com

quinta-feira, 7 de junho de 2012

EDUCAÇÃO: MERCADORIA OU EXCLUSÃO?



Recebi um e-mail de um amigo. Ele sabe que gosto de falar de educação e me mandou um artigo de Andrea Harada Souza que está disponível em
http://ponto.outraspalavras.net/2011/12/19/da-educacao-mercadoria-a-certificacao-vazia/
A autora que é “Professora de literatura, presidente do Sinpro Guarulhos e membro da coordenação estadual da CSP-Conlutas”, tece uma crítica ao sistema de ensino superior no Brasil. Segundo ela as transformações ocorridas tanto no setor público quanto no privado se travestem de democratização por facilitar o acesso, mas é uma forma de atender a “uma proposta de privatização e barateamento da educação”.
Discorre em seguida sobre os objetivos “economicistas em detrimento dos pedagógicos nas IES privadas permitiu um fenômeno relativamente novo no Brasil: a formação de conglomerados educacionais, grandes empresas, de capital aberto e com forte participação de grupos estrangeiros em seu quadro de acionistas. A autorização para funcionamento dessa espécie de oligopólio do setor educacional tem intensificado a visão mercantil da educação superior no Brasil”.
Na realidade o objetivo é mostrar que as instituições privadas não estão preocupadas com a qualidade de ensino, com a pesquisa e com a extensão. O artigo merece ser lido na íntegra e este meu texto não tem a intenção de tecer qualquer crítica ao texto da autora que, no meu entender, fez uma análise muito interessante do atual sistema e coerente com a minha experiência de vida nos meios educacionais, exceto com relação à qualidade de ensino.
Minha questão não está centrada nas instituições embora esteja certo de que do modo como elas estão estruturadas é provável que não se consiga fazer muita coisa. Não proponho uma revolução no meio educacional porque creio que ela seria sufocada no ato de nascer. As estruturas são poderosas e ninguém cede o seu espaço sem antes mostrar o seu poder.
Como não sou disposto a enfrentamentos belicosos e não sei se estaria disposto a correr o risco de deixar “rolar a minha cabeça”, estou mais para propor uma “desobediência civil”, uma “sacanagem” à moda Ana Carolina (*).
A questão da qual me ocupo não é a empregatícia (deixei isso para os sindicatos) e também não é administrativa (se fosse ministro, secretário ou reitor, não sei se faria melhor) é a relacional e pedagógica. Vivo no pequeno mundo das questões relacionais e pedagógicas. É nesse microscópico universo que tento fazer a minha intervenção.
Aqui coloco a minha questão: se o governo ampliasse as vagas na rede pública de ensino do nível superior melhoraria a qualidade de ensino?
Hipoteticamente sim porque os alunos migrariam do setor privado para o setor público e então teriam uma educação de qualidade. Será?
Minha dúvida não é quanto à migração. Simplesmente não discutirei isso. Minha dúvida é com relação à qualidade.
Primeiramente informo que já escrevi sobre qualidade de ensino (**) focalizando a dificuldade em se definir o que é isso.  Logo, a primeira coisa a fazer é definir qualidade de ensino para cada curso da instituição, porque a aula de geometria analítica que ministro para um curso não precisa ser, necessariamente, a mesma que ministraria em outro curso. Cada curso tem os seus objetivos e a disciplina deve ter enfoques diferentes, embora a ementa seja a mesma.
Em segundo lugar é preciso saber que se nós, professores, somos vítimas desse sistema  o aluno também é. Herdamos um sistema de ensino que as instituições conservadoras não estão dispostas a abrir mão dele. Muitas continuam saudosistas e defendendo, com base na experiência pessoal de uns poucos, que no sistema antigo o aluno aprendia. Sequer questionam quantos aprendiam e quantos evadiam desesperançados.
Em terceiro lugar não está provado que o setor privado oferece um ensino de qualidade inferior ao setor público. Trabalhei nos dois e acho essa generalização muito preconceituosa. Há setores privados e setores públicos.
Em quarto lugar não é atacando o aluno que conseguiremos melhorar a qualidade de ensino. Atacar o aluno é guerra fraticida. Temos que fazer parceria com ele. Não uma parceria interesseira onde ele lutaria do nosso lado pelos nossos salários, etc. Uma parceria onde discutiríamos juntos uma alternativa que fosse menos ruim para as duas partes. Essa saída seria em termos de qualidade de ensino, evidentemente.  Se essa é a maior crítica que se faz ao sistema educacional brasileiro é para esse ponto que devemos convergir. Todo começo é pequeno. As mudanças são lentas.
Trabalhei nas redes pública e privada de ensino superior, portanto, conheço bem as duas realidades, mas não vou emitir aqui a minha opinião. Vou apresentar a opinião de um licenciado em Matemática e doutor em Estatística cujas aulas tive o privilégio de frequentar em um curso especial de Estatística que fiz. Ele trabalhara algum tempo na rede privada e agora estava na rede pública. Em uma das suas aulas ele, que sempre dialogava com a turma, se expressou mais ou menos assim: a relação que se estabelece entre professor e aluno na rede particular é muito diferente da que ocorre na rede pública. Há uma distância muito grande entre elas. Lá o aluno é o foco. Aqui ele não é nada.
Concordo com ele e sei de muitos alunos que ficam na rede pública porque não podem pagar a particular. Se pudessem iriam para lá porque recebem mais atenção.
Tive uma excelente aluna na rede privada que, por questões financeiras, transferiu-se para a rede pública. Dois anos depois nos encontramos e ela desabafou: “tenho saudades de lá”. Por que, perguntei, se aí você tem melhor qualidade de ensino? Ela retrucou: “engano. Lá eu aprendia matemática, aqui eu copio do quadro e decoro. Tenho notas boas, mas não é o que eu queria para mim. Lá, professores e alunos são humanos. Aqui, professores são desuses e alunos, seres inferiores”.
Em um encontro estadual de Educação Matemática, durante uma comunicação científica um acadêmico de uma conceituada instituição pública desabafou: “não sei por que existe a disciplina de Física no nosso curso. Sempre mandam professores contratados ministrar a disciplina. Eles chegam, copiam o livro no quadro, e mandam  a gente estudar para a prova”.
Você vê qualidade nisso?
Ainda tem gente pensando que se uma instituição investe em pesquisa ela tem qualidade de ensino. Nada a ver. Pesquisa e ensino são coisas distintas. Tem bons pesquisadores que são péssimos professores. Péssimos pesquisadores que são bons professores. Tem alguns que são bons nas duas coisas e outros que, infelizmente, não produzem nada nem cá e nem lá, mas estão na universidade pública por causa do corporativismo. Na particular ele já teria ido embora.
A questão que proponho é: compensa lutar contra a privatização do ensino superior? Não seria melhor pensar primeiro no papel do professor da rede pública?
A última questão: se no setor privado a educação é mercadoria será que no setor publico não é ferramenta de exclusão?
Campo Grande, 13 de janeiro de 2012
Antonio Sales        profesales@hotmail.com
(*)Ver no Google o vídeo Ana_Carolina.asf