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terça-feira, 24 de abril de 2012

EDUCAÇÃO É COISA PARA A FAMÍLIA?

Suponho que todo professor já pronunciou  ou ouviu a expressão: “Educação vem de berço”. Outros dizem: “Educação é tarefa da família”. Dizem os professores:  “Não estamos aqui para educar, somente para ensinar os conteúdos das disciplinas escolares”.
Quanta verdade há nisso tudo?
O que diz a legislação?
LDB (Lei nº 9394/06) afirma que:
      “ Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. 
      § 1º. Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por
meio do ensino, em instituições próprias.
      § 2º. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”.(grifos nossos).
Conforme podemos observar, educação é um conceito amplo e uma  tarefa também de amplo espectro, isto é, para ser executada pelos múltiplos segmentos sociais. A educação escolar deve, como se pode ver, estar vinculada à prática social.
O que é isso?
Suponho que o documento queira dizer que a escola, além de ensinar os conteúdo específicos de cada disciplina, deve cuidar da formação do sujeito para o respeito à leis e outras normas de convivência social.
Quando penso   em outros serviços fico convencido de que  o meu pressuposto faz sentido. Se observarmos  o serviço de saúde, por exemplo,  percebemos que ele não é tarefa somente da família. O mesmo podemos dizer da segurança. Vemos que não se delega somente  aos pais a proteção dos seus filhos. Além da polícia a sociedade criou também instituições como os Conselhos Tutelares, por exemplo, para ampliar a proteção da criança.
Há uma preocupação em criar uma juventude socialmente saudável para que o futuro seja menos violento. Nessa perspectiva, a escola deve unir forças com a família.
Se quisermos que a sociedade tenha no futuro um perfil diferente do que presenciamos nem nossos dias devemos investir fortemente em nossas crianças e jovens, devemos, como profissionais da educação, assumir a responsabilidade de educá-las; especialmente aquelas que os pais não educam. Não temos outra opção.
É certo que alguns pensadores, como André Chervel, por exemplo, afirmam que a escola foi criada, pela sociedade, para ensinar aos jovens aqueles saberes que a família e a religião não estavam dando conta de ensinar. A ciência é um desses saberes cujo ensino, atualmente, é tarefa exclusiva da escola. Logo mais, com a apropriação das tecnologias da informação e da comunicação por um maior número de pessoas, a escola, se quiser sobreviver, talvez, tenha que assumir o papel de ensinar valores morais e discutir temas que hoje ela não considera de sua competência.
Se hoje a família (não somente a do outro) está com dificuldades por que o profissional não pode se integrar a um projeto de apoio às famílias? Não será para isso que as crianças vão á escola?
O  certo é que nós não sabemos o que fazer. É tão certo isso que nos recusamos participar dizendo não ser nossa responsabidade. Ora,  se  nossa vida na escola está se tornando insuportável, por que permanecer apegado a um falso conforto de cruzar os braços?
Temos presenciado mudanças frequentes nas estruturas sociais. É preciso preparar-se para sobreviver em uma sociedade diferente, em breve. Uma diferença que está sendo “implantada” sem que percebamos.
Como nós, professores, podemos entrar em um projeto de transformação social começando pelas famílias dos nossos alunos?
Campo Grande, 10 de março de 2012.
Antonio Sales              profesales@hotmail.com

domingo, 15 de abril de 2012

O PONTO FORA DA CURVA



Quando se trabalha com estatística e precisamos recorrer a  uma regressão linear é possível perceber que, em muitos casos, os dados, quando colocados em ordem,  ficariam  muitos  próximos de uma reta. Outras vezes eles ficam muitos dispersos mais parecendo uma nebulosa e, outras vezes,  a maioria dos pontos ficam quase alinhados e um ou outro fica disperso . São os pontos fora da curva. Esse fenômeno não se observa apenas na estatísticas, mas foi o exemplo mais fácil que encontrei.
O que isso tem a ver com a educação, com a ética profissional?
Durante algum tempo da minha vida desejei especializar-me em Matemática Aplicada. A razão que tinha para isso é que lá eu, supostamente, aprenderia a modelar  alguns problemas do cotidiano de algumas empresas e até mesmo de outras ciências. Na realidade eu supunha que aprenderia a  modelar todos os propblema econômicos, tecnológicos, etc. O que me fascinava mesmo era a ideia de por ordem no que existe ou por em ordem o que existe. Eu queria explicar a ordem e dizer porque funciona. Poderia também ser Matemática Pura pois nesse mundo de aplicação ou de pureza eu trabalharia com as regularidades, com a “moda” e descartaria os pontos fora da curva. Trabalharia somente com os objetos matemáticos que atendessem aos meus interesses, que servissem para os fins que eu desejava obter.
Como educador o meu mundo não era organizado como eu queria. Eu não podia simplesmente eliminar os “pontos fora da curva”.  Isso me angustiava  porque o mundo perfeito dos meus sonhos ficava cada vez mais distante. Meu sonho hitleriano dificilmente se concretizaria na educação.
Platão postulou um mundo perfeito a priori e Hitler um mundo perfeito a posteriori. O sonho de Hitler era atingir a perfeição social  pela eliminação dos inconvenientes, pela eliminação dos “pontos” que julgava estarem “fora da curva”.
Na matemática pura ou aplicada eu posso (tenho a possibilidade) de cultivar o espírito de eliminação dos inconvenientes. Percebi que na educação isso me era vedado.  Percebi que ser humano não se descarta. Mesmo aqueles alunos que aprendem  pouco ou que se mostram pouco simpáticos  têm que ser tolerados e trabalhados. E como dão trabalho! Eu não sabia ( e até hoje não sei) o que fazer com eles, mas percebi que para ficar na educação eu precisaria pensar no caso e para isso fui fazer minha pós-graduação em educação. Não aprendi muito mas aprendi que precisa ver o mundo de forma diferente e isso mudou a minha realidade pessoal. Nem sempre consigo manter essa ideia de inclusão, mas  preciso mantê-la. Sou desafiado a isso constantemente. É o desafio da educação.
Com o tempo percebi que é mais fácil ser matemático do que educador. Ser matemático só não é mais fácil por causa dos muitos  professores que sabem apenas escrever no quadro para que os alunos  copiem. Por causa daqueles professores que atuariam melhor se exercessem a função de copistas. São eles que dificultam o avanço de muitos  que poderiam aprender. São eles que não contribuem para haja mais matemáticos. Eliminam até muitos pontos da curva.
Para complicar esses professores “adotam” para os alunos os livros mais complicados, menos didáticos,  e usam para preparar a sua aula os autores mais fáceis, com exercícios mais fáceis e ainda assim muitos deles apenas escrevem no quadro o que o autor disse. Se fossem professores de matemática ( e não copistas) talvez um número maior de alunos optariam por seguir a carreira de matemático.
Penso que isso acontece também em outras disciplinas escolares. Já me falaram de um professora de Geografia que passava uns questionários para os alunos que eles não conseguiam responder com  o livro indicado. Isso continuou até que uma aluna descobriu, na casa de uma amiga, o livro de onde ela tirava as questões. Pronto. Todos conseguiam agora responder o questionário. O engraçado é que a professora ficou pensando que estavam “ aprendendo" com ela.
Parece que entre nós,  professores,  há mais pontos fora da curva do que na própria curva. Ou é acurva que se transformou em pontos fora da curva?
Agora vou fazer o exercício de pensar a educação como se eu fosse ora um matemático (M) ora como educador (E). Aprendi pensar como matemático com os meus professores de faculdade e com alguns colegas. Fiz também disciplinas como aluno especial em mestrados de engenharia e administração. Aprendi  pensar como educador nos meus cursos de pós-graduação.
M: Por que tenho que me ocupar com esses alunos que chegam sem saber nada?
E: Se a sua mãe tivesse pensado isso quando você nasceu, onde você estaria hoje? Alguém apostou em você exatamente quando você não sabia nada. Quem já sabe não precisa de nós.
M: Por que o professor anterior não o ensinou?
E:  Por que você não o ensina agora e mostra a sua superioridade intelectual e técnica em relação ao outro?
M: Se o outro professor não sabe ensinar não é problema meu.
E: E quando você não consegue ensinar os seus alunos de quem é o problema?
M: Esse menino não é meu filho. A família que cuide dele?
E: E por que a família trouxe ele para a escola? Será que não foi por supor que um profissional fizesse por ele melhor do que ela está conseguindo fazer? Por que você leva o seu filho ao médico?
O resumo de tudo o que eu disse é: como educador não posso excluir. Tenho que trabalhar pela inclusão ainda que ela me pareça impossível. Como educador não posso alimentar o espírito exclusivista.
Tarefa difícil, mas é para issos que estou sendo pago!
Campo Grande, 10 de março de 2012.
Antonio Sales  profesales@hotmail.com